Santo Atanásio

Alexandria é a terra que deu à Igreja este grande doutor e defensor da doutrina católica. Atanásio nasceu em 296, filho de pais nobres e piedosos. Dotado de inteligência raríssima, fez Atanásio rápidos progressos nas ciências divinas e profanas. à medida que seus conhecimentos se alargavam, mais se solidificavam suas virtudes e sua piedade. Confiado a Santo Alexandre, na escola deste santo homem recebeu uma educação aprimorada.

Seu desejo à vida perfeita levou-o à solidão de Santo Antão., na companhia do qual passou dois anos. Só a obediência pôde determiná-lo a abandonar este doce remanso de paz. Seu mestre Alexandre, que tinha sido elevado à dignidade de patriarca de Alexandria, chamou-o para perto de si para se aproveitar do seu talento na luta contra os hereges.

Quando se realizou o célebre concílio de Nicéia, Atanásio, sendo apenas diácono, acompanhou seu Prelado para aquela eminente demonstração da fé católica. Os erros Arianos foram por ele refutados com tanto brilho, clareza e evidência, que causou admiração de todos os assistentes.

Se seu discurso foi um triunfo para a causa católica, conquistou-lhe também o ódio dos Arianos, que lhe declararam implacável guerra a começar daquele momento até o dia de sua morte.

Prevendo o próximo desenlace fatal do patriarca, Atanásio, para se esquivar da mais que provável eleição, fugiu de Alexandria. Alexandre, conhecendo o plano de seu amigo, disse-lhe: “Atanásio, pensas em salvar-te pela fuga; pois saiba que ela de nada te serve e não te livrará do cargo de patriarca”.

Efetivamente foi Atanásio eleito sucessor de Alexandre. Só seis meses depois da eleição lograram os fiéis descobrir o esconderijo do seu pastor. De nada lhe valeram suas desculpas inspiradas pela humildade. O povo conduziu-o como que em triunfo à capital, e Atanásio, se bem que entre lágrimas, tomou posse do seu cargo.

O governo sapientíssimo, enérgico e resoluto que teve a diocese durante a sua administração é prova patente de como foi providencial a elevação de Atanásio à sede patriarcal de Alexandria.

Os Arianos não viram de bons olhos este estado de coisas. Como não lhes fosse possível anular ou perturbar a eleição de Atanásio, recorreram á vil calúnia para desta maneira destruir o seu prestígio junto ao Imperador. Este convocou um concílio na cidade de Tyro, para o qual citou Atanásio, com o fim declarado dele responder às acusações contra ele levantadas. A assembleia compunha-se em sua maioria de bispos arianos, portanto de inimigos de Atanásio. Ainda assim Atanásio compareceu.

A primeira acusação foi insidiosamente feita por uma mulher, que, assalariada pelos inimigos do Patriarca, em plena assembléia, sem conhecer pessoalmente a Atanásio, lançou em rosto do mesmo uma grande infâmia. Respondeu-lhe, não Atanásio mas seu secretário Timotheo, igualmente desconhecido da acusadora. “Como, – disse Timotheo, – eu teria entrado em tua casa? Eu teria te feito propostas indignas?” – “Sim, respondeu a mulher, quem então foi senão tu!” e corroborou suas palavras com um juramento. A assembléia toda, tendo sido testemunha desta cena, reconheceu, se bem que contrafeita, a inocência de Atanásio.

Recorreram os inimigos a uma outra astúcia, que, segundo seu parecer, não havia de falhar. Espalharam o boato de Atanásio ter assassinado um bispo de nome Arsênio, cuja mão direita levava consigo para praticar obras de feitiçaria. Chegaram mesmo a apresentar uma caixa com a tal suposta mão, afirmando que era a mão do bispo assassinado. Atanásio, porém, que tinha absoluta certeza de estar me vida o tal bispo Arsênio, pô-lo a par do que se tratava e convidou-o para vir até Tyro. Arsênio chegou e hospedou-se com Atanásio por algum tempo. Em uma das sessões em que se tratava da questão de Arsênio, Atanásio perguntou aos bispos presentes um por um se conheciam Arsênio. Alguns responderam afirmativamente. Foi o momento que Atanásio tinha escolhido para desmascarar e humilhar seus inimigos. A um sinal seu abriu-se a porta da sala e entrou Arsênio, dando pela sua presença testemunho da inocência de Atanásio.

Os inimigos, em vez de reconhecer seu erro, ainda mais se enfureceram contra o Patriarca. Tanto insistiram com o Imperador Constantino, que este determinou o exílio de Atanásio para Treves. O Bispo de Treves S. Maximino recebeu-o com todas as honras. As notícias que Atanásio recebia de Alexandria eram sumamente consoladoras, dizendo elas que os fiéis rejeitavam toda e qualquer comunicação com a igreja ariana.

Pedidos dos diocesanos de Alexandria dirigidos ao Imperador para que determinasse a reabilitação do Patriarca, não foram atendidos, alegando Constantino, que não lhe era lícito agir contra as resoluções de um concílio.

Constantino morreu em 12 de Maio de 337. No leito de morte, depois de ter tido recebido o santo batismo, reconheceu a inocência de Atanásio, e decretou sua volta para Alexandria. Só em 338 foi executada esta ordem.

O império foi dividido entre os três filhos de Constantino: Constantino, Constâncio e Constante. O primeiro, Constantino, a quem coube a parte da Gallia, deu a liberdade a Atanásio, o qual em triunfo foi recebido na sua metrópole Alexandria.

Os Arianos, porém, não descansaram e armaram nova perseguição contra Atanásio. Baseando-se na lei, que decisões de concílio só por um outro concílio podem ser alteradas, com consentimento do imperador do Oriente, Constâncio, convocaram um novo concílio em Antioquia, no qual fizeram eleição de um novo bispo de Alexandria. O eleito era o sacerdote ariano Gregório.

Atanásio dirigiu-se a Roma invocando a autoridade do Papa Júlio, o qual o recebeu mui cordialmente. Um concílio presidido pelo Papa como um outro sínodo convocado pelos imperadores católicos Constantino e Constante reconheceram os direitos de Atanásio e confirmaram-no na sua qualidade de Patriarca de Alexandria. Os Arianos se opuseram tenazmente. Uma carta, porém, do imperador Constante, dirigida a Constâncio em tom ameaçador, fez com que este respeitasse as deliberações dos concílios católicos e restabelecesse Atanásio no uso do seus direitos.

Morreu Constante e desencadeou nova tempestade contra Atanásio. Constâncio, cedendo ás exigências dos Arianos, convocou o concílio de Milão que condenou novamente a Atanásio e exigiu da igreja de Alexandria a agremiação com a igreja ariana. Neste concílio foram praticadas mil crueldades e injustiças. Atanásio viu-se obrigado a fugir e procurar um abrigo contra a sanha dos arianos. Seis anos durou seu exílio, durante o qual escreveu suas obras mais importantes contra a seita ariana.

Pela morte de Constantino foi lhe permitido voltar à sua diocese, em virtude dum decreto de juliano o Apóstata, que deu liberdade a todos os bispos católicos exilados. Não tardou, porém, nova perseguição e Atanásio, para não cair nas mãos dos seus inimigos, que queriam sua morte, procurou sua salvação na fuga. Só durante o governo de Joviano foi lhe concedido paz e tranquilidade por espaço de três anos, anos de grande prosperidade para a fé católica.

O sucessor de Joviniano, Valente, empregou novamente medidas extremas contra os bispos católicos mandando-os para o exílio. Atanásio escondeu-se no túmulo de seu pai durante quatro meses. Foi esta a última perseguição sofrida pelo grande Bispo. Receando as autoridades uma revolução em Alexandria, se não restituíssem o pastor ao seu rebanho chamaram-no, e Atanásio presidiu à sua diocese até à morte, isto é, quatro anos ainda. Em 373 foi o grande propugnador da Igreja Católica receber sua recompensa da eternidade. S. Gregório Nazianz diz no seu panegirico de Santo Atanásio: “Se teço elogios a Atanásio, exalto a virtude; porque elogiar àquele que reúne em si todas as virtudes é enaltecer a própria virtude. Atanásio foi uma coluna da igreja e o modelo para os bispos”.

Ortodoxo era aquele, que se confessava à doutrina de Atanásio.

REFLEXÕES

A vida toda de Santo Atanásio consumia-se na luta contra os hereges. hereges houve sempre, ainda existem e sempre os haverá. Quem observa bem o movimento das heresias na história da Igreja, facilmente chega a descobrir os seguintes característicos que estigmatizam os hereges e suas obras:

1. O apóstolo da heresia veste-se sempre de capa da virtude e santidade para enganar os incautos. S. Bernardo caracteriza os maniqueus do seu tempo, com as seguintes palavras: “Seus costumes são ilibados; não oprimem a ninguém; a ninguém fazem mal; seu rosto denuncia mortificação e jejum; não são ociosos e ganham honestamente sua subsistência”.

2. Para justificar sua conduta, proferem mil acusações e queixas contra a Igreja católica: a Igreja é ambiciosa e despótica, os Bispos são amigos do luxo, não há mais orgulhosos que os cardeais, hipócritas são os sacerdotes e os religiosos. Não há heresia que não toque nesta tecla batidíssima. A intenção é mais que clara: inocular no espírito dos fiéis a desconfiança, o descontentamento e o desrespeito á autoridade. É esta uma arma que sempre manejaram com certa facilidade e sempre há católicos que se deixam enganar e perverte. todos deviam ponderar a palavra de Santo Agostinho, que diz: “A queixa dum herege (o que se deve estender a todos os inimigos da Igreja) contra um sacerdote não merece consideração por ser sempre suspeita”.

3. O herege é inimigo da autoridade da Igreja e tudo faz para submina-la. “A Igreja é retrograda, inimiga da ciência e do progresso, obscurantista, etc.” São estas as balelas mais correntes na boca do herege. Pode ele ser grande ignorantão, a ciência será sempre seu cavalo de batalha. Por isto arvora-se em mestre de quem todos devem aprender, a quem todos se devem dirigir para conhecer a verdade que até hoje ficou esquecida e descurada.

4. O herege, hábil sedutor que é, evitará o mais possível melindrar o sentimento religioso das pessoas que quer atrair para suas malhas. Por isto falará sempre com muito respeito da Bíblia; recheia seus discursos com dizes da Bíblia; com palavras bíblicas procura mostrar e comprovar sua doutrina. “A seu bel prazer interpretam as palavras da sagrada Escritura – diz Santo Ambrósio – para, sob a capa de santas citações, com mais facilidade poderem inocular o veneno dos seus erros”. Também o demônio sabe citar lugares bíblicos.

5. Conclusão. Ter muito cuidado com os hereges e evitar o mais possível o contato com eles. Sob pretexto nenhum entrar em discussões com eles em matéria de religião e rejeitar seus livros e publicações.

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume I, 1928.

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