Santo Tomás de Aquino e a pena de morte – É lícito aos juízes infligir penas

Suma Contra os Gentios, livro 3, Capítulo 146

1 – Como alguns desprezam as penas infligidas por Deus, pois, estando entregues aos sentidos, cuidam só do que vêem, foi determinado pela providência divina que houvesse homens na terra, os quais, pelas penas sensíveis e atuais, forcem os outros à observância da justiça. Evidentemente eles não pecam ao punirem os maus, pois ninguém peca porque observa a justiça. Ora, pertence aos justos punir os maus, porque pela pena a culpa é punida, como se depreende do supradito (c. 140). Logo, os juízes não pecam ao punirem os maus.

2 – Além disso, na terra, os homens colocados acima dos outros são como executores da providência divina, pois Deus, pela ordenação da sua providência, realiza as coisas inferiores mediante as superiores, como se depreende do que foi dito acima (cc. 77 ss). Ora, ninguém peca seguindo a ordenação da providência divina. Além disso; é próprio da providência divina punir os maus e premiar os bons, como se depreende do que foi dito acima (c. 140). Logo, os homens que governam os outros não pecam ao premiar os bons e castigar os maus.

3 – Além disso, não é o bem que necessita do mal, porém este, daquele. Por isso, o que é necessário para a conservação do bem não pode ser em si mesmo mau. Ora, para a conservação da harmonia entre os homens é necessária a imposição das penas. Logo, punir os maus não é em si mesmo mau.

4 – Além disso, o bem comum é melhor que o bem particular de um só (in I Ethic 1, 1094b; Sententia Ethic., lib. 1 l. 7 n. 2). Por isso, pode-se excluir o bem particular, para a conservação do bem comum. Ora, a vida de alguns homens perniciosos prejudica o bem comum, que consiste na harmonia da sociedade humana. Logo, esses homens devem ser afastados do convívio humano pela morte.

5 – Além disso, como o médico, ao agir, deseja a saúde do paciente, que consiste no devido equilíbrio dos humores, também o dirigente da sociedade deseja, no seu trabalho, a paz, que consiste na harmonia ordenada dos cidadãos. Ora, o médico com razão utilmente corta o membro gangrenado quando está iminente a decomposição do corpo. Por isso, também o governante da sociedade justa e inculpavelmente mata os homens maléficos, para que eles não perturbem a ordem social.

6 – Daí dizer o Apóstolo: Não sabeis que um pouco de fermento corrompe a massa? (ICor 5, 6 e 13), acrescentando logo após: Afastai o mal de vós. Referindo-se à autoridade terrestre, diz que: Não sem razão leva a espada, é ministro de Deus, punidor irado de quem faz o mal (Rm 13, 4). Diz S. Pedro: Sujeitai-vos a toda criatura humana por causa de Deus; quer seja rei, como soberano; quer sejam governantes, como enviados para castigar os maus, também para premiar os bons (IPd 2, 13-14).

7 – Por esses argumentos são refutados os erros dos que afirmam não ser lícito punir com castigos corporais. Apresentam eles como fundamento do erro que seguem o que está escrito na Escritura: Não matarás (Ex 20, 13), que é reassumido por Mateus (5, 21). Trazem ainda, para confirmação do que dizem, o que afirma a Escritura que o Senhor, voltando-se aos servos que desejavam cortar cizânia, disse: Deixai ambos crescerem até a colheita (Mt 13, 30), entendendo-se por cizânia os filhos da impiedade e, por messe, o fim dos tempos (ib. 38s), como aí mesmo está esclarecido. Assim sendo, os maus não devem ser afastados do meio dos bons pela pena de morte. Dizem ainda que o homem, enquanto vive neste mundo, tem a possibilidade de melhorar. Por isso, não deve ser afastado do mundo pela morte, mas deve ser conservado para ser punido.

8 – Mas essas razões são inconsistentes. Com efeito, a lei que diz: Não matarás, depois acrescenta: Não permitirás que os perniciosos vivam (Ex 22, 1 8), o que também se depreende das palavras do Senhor, pois tendo dito: Ouvistes o que foi dito aos antigos: não matarás (Mt 5, 22), acrescenta: Eu, porém, digo: o que se irar contra o irmão… Com isso dá a entender que é proibido matar por ira, não, porém, matar por justo zelo. E aquilo que o Senhor diz: Deixai que ambos cresçam até a messe, como deve ser entendido, explica-se pelo que se segue: Para que, colhendo a cizânia, não corteis também o trigo (Mt 5, 29). Neste texto, portanto, é proibida a morte dos maus, quando ela não pode se dar senão com perigo para os bons. Acontece isso muitas vezes, quando os maus ainda não se distinguiram dos bons por pecados evidentes, ou quando se teme que os maus arrastem muitos bons com eles. Quanto à possibilidade da emenda dos maus enquanto vivem, isso não impede que eles sejam mortos por justiça, porque o perigo iminente que a vida deles traz é maior e mais certo que o bem esperado da emenda deles. Aliás, eles têm ainda a possibilidade de se converter para Deus pela penitência, em artigo de morte. Porém, se estão de tal modo obstinados que até em artigo de morte o seu coração não se afasta da malícia, pode-se provavelmente considerar que jamais dela se corrigirão.

in Dominus Est

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