São Clemente, Papa e Mártir

Giovanni Battista Tiepolo: São Clemente Papa e a Visão da Trindade, pintura entre cerca de 1730 e cerca de 1735, galeria Nacional, domínio público, Wikimedia Commons

São Clemente, Papa e Mártir († 100)

SÃO CLEMENTE, natural de Roma, era discípulo de S. Pedro e S. Paulo. Acompanhando a este nas viagens evangelizadoras, com ele dividiu as fadigas, sofrimentos e perseguições da vida apostólica. É a ele que o Apostolo dos Gentios se refere, quando na Epístola aos Philippenses (4, 3.) diz: “Peço-vos que auxilieis aqueles também que, como Clemente e outros, comigo trabalharam, cujos nomes estão inscritos no livro da vida.” Estas palavras lhe documentam a dedicação e fé, o zelo pela causa de Deus e das almas. Se a mansidão e caridade lhe mereceram o nome de Clemente, foi sem dúvida pela atividade apostólica, que S. Pedro lhe conferiu a dignidade episcopal.

Os primeiros sucessores de S. Pedro, na Sé apostólica e no martírio, foram Lino e Cleto. Na quase certeza de perder a vida por Jesus Cristo e a Igreja, S. Clemente assumiu o governo da Barca de S. Pedro em 91. Eram tempos cheios de angústias e apreensões para a jovem Igreja. A autoridade romana ameaçava uma nova perseguição e no seio da Igreja mesma reinavam dissenções, que prometiam degenerar em cisma. Era principalmente a Igreja de Corintho o teatro de graves perturbações. Os ânimos estavam irritadíssimos e tudo indicava a iminência de uma cisão, provocada – assim se acreditava geralmente – pelas paixões, que predominavam numa eleição episcopal. S. Clemente dirigiu aos Corinthios uma carta apostólica, em que documenta ao mesmo tempo grande circunspecção, prudência, caridade e firmeza. Tão boa aceitação teve esta carta, que não só em Corintho, mas também em todas as Igrejas, era lida durante muitos anos, juntamente com as epístolas dos Apóstolos.

Dividindo a cidade de Roma em sete distritos, determinou para cada distrito um advogado, com a incumbência de ativar conscienciosamente tudo que se relacionava com os cristãos, suas virtudes, os processos judiciarias a que haviam de responder, o modo como se haviam perante a autoridade perseguidora, declarações públicas que faziam, o martírio e morte. Estes protocolos, chamados atos dos mártires, eram lidos nas reuniões dos fieis. Ao zelo apostólico do Santo Papa abriram-se as portas do próprio palácio imperial. Domitila, irmã do Imperador Domiciano, cuja ferocidade contra os cristãos era conhecida, não só se converteu à Religião de Jesus Cristo, ainda mais: Exemplo de todas as virtudes, fez o voto de castidade perpétua e foi para os cristãos perseguidos o Anjo de caridade, naqueles tempos aflitivos.

O Imperador Trajano, vendo na propagação da religião cristã um perigo social e religioso para o império e reconhecendo no Papa rival temível, citou-o perante o tribunal e com ameaças de morte exigiu-lhe a abjuração da fé e o culto dos deuses nacionais. S. Clemente não hesitou nem um momento e na presença da suprema autoridade romana, fez uma profissão de fé belíssima, que não deixou o Imperador em dúvida sobre a improficuidade do seu tentamen. Aconteceu o que era de esperar: O Papa foi condenado à morte. Há, porém, duas versões sobre o modo da execução da sentença. Historiadores há que referem ter sido S. Clemente atirado ao Tibre. O Breviário Romano, porém, diz que o santo Papa foi, com muitos cristãos, desterrado para a península da Crisméa, onde haviam de trabalhar nas pedreiras e minas. Se para Clemente era um consolo poder partilhar a escravidão com seus filhos em Cristo, estes mais facilmente se conformava com a triste sorte, vendo junto de si o Pai querido, o representante de Deus na terra.

O que mais atormentava os pobres cristãos, era a falta absoluta de água no lugar, onde trabalhavam. Penosíssimo era o transporte deste precioso líquido, que só se achava na distância de umas milhas. Clemente pediu a Deus que se compadecesse do povo, como se compadecera dos Israelitas no deserto. Terminada a oração, viu no alto duma montanha um cordeirinho que, com a mão direita levantada, parecia indicar um determinado lugar. O santo Papa dirigiu-se imediatamente ao lugar onde lhe aparecera o cordeirinho e com uma enxada pôs-se a cavar a terra, Qual não lhe foi a admiração, quando logo ao primeiro golpe, viu brotar água, água deliciosíssima e tão abundante, que com aquele dia teve termo a aflição dos cristãos. Este milagre não só contentou a estes; também os pagãos, vendo em Clemente um enviado do céu, a ele se dirigiram fossem aceitos como catecúmenos. Assim muitos idolatras se tornaram adoradores de Jesus Cristo e os tempos pagãos, antes antros do mais abjeto culto diabólico, transformaram-se em Igrejas cristãs. Este espetáculo grandioso perante Anjos e homens despertou naturalmente o ódio nos corações dos sacerdotes pagãos, que se apressaram em denunciar Clemente.

A resposta imperial não se deixou esperar. O governador Aufidiano, autorizado por Trajano a pôr um dique à propaganda cristã, custasse o que custasse, condenou à morte Clemente e intimou os cristãos a que abandonassem a religião de Cristo. Algemado, foi Clemente levado a um navio, que o transportou ao alto mar. Lá chegado, puseram-lhe uma âncora de ferro ao pescoço e precipitaram-no na água. Isto aconteceu em 23 de Novembro de 100. Os cristãos, consternados pela perda do Pai e Pastor, pediram a Deus que não deixasse o corpo do mártir entregue ao jogo das ondas, mas que o restituísse ao carinho e á veneração dos filhos espirituais.

Aufidiano e sua gente mal se tinham afastado, quando o mar espontaneamente retrocedeu a uma grande distância, até o lugar onde tinha sido mergulhado o corpo do santo Papa-Mártir. O mais que aconteceu, foi de todo extraordinário. Aos olhos pasmados dos cristãos apresentou-se um pequeno templo de mármore branco. Pressurosos correram para lá e, chegando ao templo, nele encontraram o corpo de S. Clemente, colocado num ataúde, tendo ao lado a âncora pesada. Quando se dispuseram a retirar as santas relíquias, Deus manifestou vontade de que não o fizessem; que o deixassem repousar no mesmo lugar e que o mar anualmente, durante sete dias, franqueasse o acesso ao túmulo. Assim aconteceu. As relíquias de S. Clemente ficaram no fundo do mar, guardadas por santos Anjos, até o século IX, quando sob o governo do Papa Nicolau I, os santos missionários Cirilo e Metódio as trouxeram para Roma, onde foram depositadas na igreja de S. Clemente, onde se acham até agora.

REFLEXÕES

Se queres venerar dignamente S. Clemente, procura imitar-lhe os belos exemplos e observar-lhe os sábios ensinamentos, que depositou nos seus escritos. Os trechos seguintes são tirados de sua epístola aos Corinthios: “Abandonemos os cuidados vãos e passageiros! Sigamos a regra gloriosa e venerável da nossa santa vocação! Atendamos ao que é belo, agradável diante do Senhor, que nos deu a vida! Fixemos o olhar sobre o sangue de Cristo e ponderemos seu alto valor na apreciação de Deus; pois este sangue foi derramado pela salvação nossa e do mundo inteiro. Os astros movem-se no espaço por ordem de Deus e obedecem-lhe. Dia e noite surgem no horizonte e seguem o curso, sem jamais se embaraçarem uns aos outros. O sol, a lua, as estrelas, na mais perfeita harmonia, percorrem seus círculos, sem ultrapassar as órbitas. A terra produz o alimento para o homem, para os animais e os outros seres viventes, tudo em perfeita obediência ao Criador. As profundidades dos abismos e o interior do globo seguem-lhe as determinações. As ondas do mar respeitam os limites que a vontade divina lhes traçou. O vasto oceano, ainda não atravessado por embarcação humana, os continentes além recebem as ordens do Senhor. As estações,
a primavera, o verão, o outono e o inverno seguem-se na maior regularidade. Os ventos e as tempestades não se perturbam em suas funções. Fontes inesgotáveis, criadas para nossa saúde e nosso uso, fornecem as águas, para o sustento da vida humana. Os animaizinhos quase imperceptíveis realizam reuniões na maior paz, na mais perfeita ordem. Todas estas coisas o grande arquiteto e Senhor do Universo chamou-as à existência. A todos faz bem, principalmente a nós, que recorremos às
suas misericórdias por Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem sejam dados honra e louvor nos séculos dos séculos.

Vossos filhos devem participar da disciplina em Cristo; devem aprender quanto vale perante Deus o sentimento humilde, como é apreciado o amor casto e como é sublime e belo o temor de Deus, que santifica a todos, que andam em reta intenção. Ele é o perscrutador dos pensamentos e planos íntimos. Seu sopro está em nós; ele o retira, quando lhe apraz.”

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

Última atualização do artigo em 26 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico

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