São João da Cruz († 1591)
Foi no ano de 1542 que em Fontiberos, pequena localidade de Castella, nasceu João da Cruz, hoje venerado como grande Santo na Igreja inteira. Depois da morte prematura do pai, a mãe se mudou para Medina Campi, onde João iniciou os estudos e entrou na Ordem de Nossa Senhora do Carmo. Desde a infância o distinguiu sempre uma terna devoção a Maria Santíssima, que mais de uma vez lhe conservou a vida, milagrosamente. O que raramente se observa em meninos: o desejo da mortificação, em João era bem pronunciado, quando contava apenas 9 anos. Escolhendo para si um leito duro, poucas horas de sono dava ao corpo, castigando-o ainda com jejuns assaz rigorosos. Estudante, ainda tinha por ocupação predileta visitar os doentes nos hospitais e prestar-lhes serviços.
Uma vez feito religioso, não se satisfazia com as praxes disciplinares usuais: tinha o intento de moldar a vida religiosa pelo rigor antigo da Ordem. Tendo chegado o dia da celebração da primeira Missa, examinou a consciência com o maior escrúpulo; não achando falta com que tivesse gravemente ofendido a Deus, deu muitas graças, pedindo a Nosso Senhor que o preservasse sempre do pecado mortal. Esta oração foi ouvida, concedendo-lhe Deus a graça da inocência até a morte. Alcançou na perfeição um grau tão elevado, que na sua vida não há exemplo de pecado venial deliberado.
Santa Teresa de Jesus, que lhe foi contemporânea, considerava-o santo e afirma que nunca lhe observou a mínima falta. A mesma Santa conheceu S. João da Cruz, por ocasião da fundação de um convento em Medina Campi. João, levado pela inclinação à vida austera, tencionava entrar na Ordem dos Trapistas, mas antes de tomar qualquer resolução definitiva neste sentido, pediu o conselho de Santa Teresa. Esta lhe disse, que mais acertado andaria e mais do agrado de Deus, se permanecesse na Ordem Carmelita e se incumbisse também da reforma da disciplina regular; era esta a vontade de Deus. João apresentou este plano a Deus nas orações e ao confessor, e decidiu seguir a opinião de Santa Teresa. Em pouco tempo conseguiu com a graça de Deus, a reforma de alguns conventos da Ordem. A opiniões contrarias fechava os ouvidos, dizendo que o caminho estreito para o céu não exigia coisa de menor valor.
Só Deus conhece os sofrimentos, perseguições e injúrias de que o reformador foi alvo no cumprimento da nobre missão. João não procurava honra própria. O amor de Deus era a única força motriz, que o impelia a trabalhar e sofrer por Deus. Jesus Cristo, em uma aparição com que se dignou de distinguir a seu servo, perguntou-lhe pela recompensa que esperava dos trabalhos e sofrimentos. João respondeu: ”Não outra coisa, Senhor, senão sofrer por vosso amor e ser desprezado pelos homens.”
Eram três coisas que pedia a Deus, lhe concedesse: primeiro, dar-lhe força para trabalhar e sofrer muito; segundo, não o fazer sair deste mundo como superior de uma comunidade e terceiro, deixai-o morrer desprezado e escarnecido pelos homens. Este desejo de ser desprezado era o fruto da meditação constante sobre a sagrada Paixão e Morte de Jesus Cristo. Falando neste grande mistério da nossa Religião, o semblante ardia-lhe, e durante a celebração da santa Missa lhe era frequente o estado extático e dos olhos lhe corriam abundantes lágrimas. Nosso Senhor Jesus Cristo mostrou-se lhe uma vez na figura que tinha, quando morreu na cruz. Esta imagem ficou tão profundamente gravada na memória do Santo, que não podia recorda-la sem chorar. A todos que com ele se relacionavam, João da Cruz recomendava com muito empenho as devoções ao Salvador crucificado, à Santíssima Trindade, ao Santíssimo Sacramento. Os pecadores mais empedernidos não resistiram à eloquência e ao zelo do fervoroso Carmelita e muitos lhe deveram a conversão. É inegável que a graça divina muito o auxiliou, na grande influência que exercia sobre os corações. A muitos pecadores desvendou os pecados mais ocultos, em muitos casos predisse o futuro, doentes desenganados recuperaram a saúde em virtude de sua palavra. Muitas vezes lhe apareciam Maria Santíssima, São José, S. João e o próprio Salvador. Memoráveis são as aparições, com que foi consolado durante a prisão de nove meses, a que injustamente fora condenado.
Em 1591 foi o fiel servo de Deus chamado à eterna recompensa. Uma longa e dolorosa doença precedera-lhe a morte. Quando os médicos lhe comunicaram a incurabilidade da moléstia, disse João as palavras do salmista: “Muito me alegrei em ouvir dizer isto; hei de entrar na casa do Senhor.” Meia hora antes da morte mandou reunir os confrades, exortou-os à perseverança e disse: “São horas de eu partir. “Quando ouviu o sino bater meia noite, hora em que a comunidade costumava cantar as matinas, exclamou: “Eu as cantarei no céu!” Depois tomou o crucifixo nas mãos, beijou-o ternamente, dizendo: “Em vossas mãos encomendo o meu espírito.”
O Papa Bento XIII conferiu-lhe a honra dos altares em 1726.
REFLEXÕES
Na primeira santa Missa S. João da Cruz pediu a Deus a graça de ficar isento de todo o pecado mortal. Em outra ocasião pediu para sofrer muito, trabalhar pela glória de Deus e ser desprezado e ludibriado por amor de Cristo. Bem diferente é tua oração. Que é que pedes a Deus? Em que intenções prometes a Deus santas Missas, jejuns e romarias? Não é quase sempre para obter favores materiais: restabelecimento de tua saúde ou da saúde de outros, felicidade nos negócios, etc. Os interesses de tua alma não são muito mais elevados? e deles, no entanto, não te lembras. Porque não fazes petições e promessas para alcançar a graça da perseverança, a graça de ficar livre do pecado mortal, de vencer tuas paixões e vícios? “Pede, – diz o cardeal Hugo, pede a Deus tudo que é útil e necessário para tua salvação.”
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.
Última atualização do artigo em 26 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico