São Mateus, Apóstolo e Evangelista († cerca 69)
Banhada pelas águas do lago Genezareth, cortada pelas principais estradas do país, sede das casas comerciais as mais importantes, era Cafarnaum uma das cidades mais florescentes da Palestina. No tempo de Jesus Cristo, Palestina era província romana e onerosos eram os impostos e direitos aduaneiros, que pesavam sobre os judeus. A cobrança destas contribuições obrigatórias era feita geralmente por rendeiros públicos, homens conhecidamente especuladores, verdadeiros esfoladores e sanguessugas do povo, e por isto por todos mal vistos e odiados. Já o apelido de Publicano, isto é, pecador público, excomungado, que se lhes dava, não deixa dúvida sobre a fama de que tais homens gozavam.
Rendeiro em Cafarnaum era Levi, filho de Alfeu, que mais tarde mudou o nome em Matheus, isto é, dom de Deus. Cafarnaum era a cidade, pela qual Jesus Cristo mostrava grande simpatia, tanto que os santos Evangelhos a chamam sua cidade. Na sinagoga ou na praia do lago doutrinou frequentemente e curou muitos doentes.
Foi numa destas ocasiões que Jesus, tendo pregado na praia, passou perto do telónio de Levi, parou e disse a este: “Segue-me”. Levi levantou-se imediatamente, abandonou o rendoso negócio, mudou de nome e de vida. Não é provável que esta mudança tão radical tenha sido fruto de um entusiasmo espontâneo. E antes de supor que Levi tenha tomado essa resolução devido ao que vira e ouvira, de modo que o convite positivo do divino Mestre lhe tenha posto termo às últimas dúvidas sobre a orientação da vida futura. Diz S. Jerônimo que Levi, vendo Nosso Senhor, ficou atraído pelo brilho de divina majestade, que fulgurava nos olhos de Jesus Cristo. Converteu-se Levi – diz Beda o Venerável, – porque aquele que o chamou pela palavra, lhe dispôs o coração pela graça divina.
Matheus deu em seguida um grande banquete de despedida aos amigos e colegas, e convidou também a Jesus e aos discípulos. Os fariseus e escribas, que, com olhos de lince, observavam todos os gestos do Mestre, vendo que este aceitara o convite, acusaram no dizendo: “Este homem anda com publicanos e pecadores e banqueteia-se com eles!” Também os discípulos de Jesus tiveram que ouvir repreensões: “Como é que vosso Mestre se senta á mesa com os pecadores?” Jesus, porém, respondeu-lhes: “Não são os sãos, mas sim, os doentes, que necessitam do médico. Não vim a chamar os justos, senão os pecadores”. Daí em diante Matheus foi um dos discípulos mais dedicados ao divino Mestre e seguiu-o por toda a parte.
Logo depois da Ascenção de Jesus Cristo e da vinda do Espírito Santo, pregou Matheus, junto com os outros Apóstolos, o santo Evangelho nas províncias da Palestina, e como os demais Apóstolos, julgou-se feliz em poder sofrer injúria por amor do nome de Jesus. Foi S. Matheus entre os Apóstolos o primeiro que escreveu um relatório da vida e morte de Jesus Cristo, dando a este livro o título de “Evangelho”, que significa: “boa nova”. Este Evangelho era escrito em siro-chaldaico, para o uso dos primeiros cristãos da Palestina. São Bartolomeu levou consigo uma cópia para as Índias.
Quando os Apóstolos se espalharam por todo o rnundo, S. Matheus dirigiu-se para a Arábia e Pérsia, onde sofreu cruéis perseguições pelos sacerdotes indígenas. São Clemente de Alexandria diz que S. Matheus era um homem de mortificação e penitência e alimentava-se só de ervas, raízes e frutas. Sofreu maus tratos na cidade de Myrmene.
Os pagãos arrancaram-lhe os olhos e, preso com algemas, esperou no cárcere o dia em que devia ser sacrificado aos deuses, por ocasião de grande festa idolatra.
Deus, porém, não abandonou seu servo; mandou-lhe um Anjo que lhe curou a vista e o libertou da prisão. S. Matheus seguiu então para Etiópia. Também lá o demônio quis tolher-lhe os passos. Dois feiticeiros de grande fama opuseram-se lhe, mas S. Matheus venceu os pela força esmagadora dos argumentos e pelos milagres que fazia, em nome de Jesus Cristo. Removido este obstáculo, o povo aceitou a religião de Deus humanado.
Foi por intermédio do Eunuco da rainha Candace, o mesmo a quem São Felipe batizou, que S. Matheus obteve entrada no palácio real. Lá havia grande luto pela morte do jovem príncipe herdeiro Eufranon. S. Matheus, tendo sido chamado ao palácio, fez o defunto ressurgir, milagre este que encheu a todos de grande admiração. O rei, em sinal de alegria e gratidão, mandou arautos por todo o país deitarem pregão da seguinte ordem: “Suditos! Vinde todos à capital ver um Deus, que apareceu entre nós, em forma humana!”
Afluíram aos milhares os súditos de todas as partes do reino, trazendo perfumes e incenso, para serem oferecidos ao Deus que tinha aparecido. Matheus, porém, esclareceu-os, dizendo: “Eu não sou Deus, como julgais que seja, mas servo de Jesus Cristo, Filho de Deus vivo; foi em seu nome que ressuscitei o filho de vosso rei; foi Ele que me enviou a vós, para vos pregar sua doutrina e vos trazer sua graça e salvação”. Essas palavras tiveram bom acolhimento e a maior parte do povo converteu-se à religião de Jesus Cristo. A Igreja da Etiópia chegou a ser uma das mais florescentes dos tempos apostólicos. O rei Egípcio e família eram cristãos fervorosíssimos, tanto que Efigênia, a filha mais velha, fez voto de castidade perpétua e a seu exemplo, muitas filhas das famílias mais ilustres consagraram-se a Deus, numa vida de perfeição cristã.
Pela morte do rei subiu ao trono seu sobrinho Hyrtaco, o qual, para estabelecer o governo sobre bases mais sólidas, pediu Efigênia em casamento. Esta recusou, alegando o voto feito a Deus. Hyrtaco, não se conformando com esta resposta, exigiu que S. Matheus fizesse valer a autoridade de Bispo, para que se realizasse o enlace desejado. S. Matheus declarou ao príncipe não ter competência para envolver-se no caso.
Vendo-se assim profundamente contrariado nos seus planos, Hyrtaco deu ordem aos soldados de fazer desaparecer o Apóstolo. Esta ordem foi executada na igreja onde S. Matheus celebrava a Missa. Pondo de lado o respeito devido ao lugar e à pessoa do santo Apóstolo, os sicários do rei mataram-no no próprio altar.
O corpo do santo mártir foi por muito tempo objeto de grata veneração do povo cristão da capital. No ano de 930 foi transportado para Salerno, na Itália, onde até hoje é festejado como padroeiro da cidade e do bispado.
REFLEXÕES
S. Matheus, dos Apóstolos talvez o mais inteligente, o mais rico, antes de sua vocação não era santo. Pelo contrário: das acusações que os judeus levantavam contra Nosso Senhor, era esta uma das mais graves: “ele come com os pecadores”, aludindo ao gabeleiro. No entanto a prontidão com que seguiu o convite, a ordem do divino Mestre, não foi menor que a dos outros Apóstolos, que apenas deixaram umas redes velhas, quando a resolução de Matheus lhe exigiu o sacrifício de um bom emprego, de uma avultada fortuna. A S. Matheus devemos o belíssimo Evangelho, que tantos e tantos episódios da vida de Jesus Cristo nos relata. A São Matheus é devida a transmissão dos mais belos discursos do divino Mestre. S. Matheus, de publicano, de pecador, tornou-se grande amigo, Apóstolo do Salvador e glorioso é o trono que possui no reino de Deus. Estes traços da vida de S. Matheus são muito de molde a animar os pobres pecadores, que, conscientes de sua miséria, facilmente se entregam ao desânimo, senão ao desespero. Deus não quer a perdição de ninguém. Também o pecador mais monstruoso tem acesso ao trono da misericórdia divina, desde que se resolva a quebrar as cadeias do pecado, a fazer séria penitência e a entregar-se a Deus. Se é grande a maldade dos homens, maior é a misericórdia divina, que acolhe benignamente a todos que se lhe dirigem, tendo o coração contrito e humilhado.
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.