São Tomás, Arcebispo de Canterbury

Representação do século 19 de Becket mostrando uma espada perfurando sua cabeça, na Igreja de São Pedro, em Berkhamsted, C.C., Wikimedia Commons

São Tomás, Arcebispo de Canterbury († 1170)

São Tomás, o festejado e glorioso defensor dos direitos da Igreja, nasceu aos 21 de dezembro de 1117, em Londres, filho de pais distintíssimos e profundamente religiosos. Bem cedo frequentou a escola dos cônegos regulares, para depois continuar os estudos em Londres e Oxford. Não satisfeito com este curso regular, estudou ainda direito canônico e outras matérias na Universidade de Paris. Como estudante, não se desviou, nem por um milímetro, do caminho reto, honrando sempre a fina educação, que recebera na casa paterna. Leal e franco, era Tomás inimigo figadal da mentira. Muito acertada foi a, escolha real nomeando a Tomás chanceler do reino. Elevado a tão alta dignidade, carregado de uma responsabilidade muito grande, Tomás deu prova brilhante de indiscutível competência, impondo-se à admiração do Soberano, e dos súditos. Assim corriam as coisas ao contento de todos, até ao dia em que Tomás foi eleito para ocupar, a sede arquiepiscopal de Canterbury, que vagara pela morte de Teobaldo, o próprio Rei foi o primeiro que o propôs para este elevado e espinhoso cargo e persistiu nesta ideia, apesar das graves ponderações que o chanceler fazia, prevenindo-o da luta inevitável, que havia de romper, entre o poder temporal e espiritual, havendo ele de defender os direitos da Igreja, como arcebispo, contra as arrogâncias e as injustiças da coroa. Um caráter como o de Tomás Becket, não conhece tergiversações e transações desleais. Estando-lhe nas mãos os interesses da Igreja, era certo que os defenderia a todo o transe. E assim aconteceu. A luta começou, por assim dizer, com o dia da sagração do arcebispo. Motivou-a a pretensão do rei de caber-lhe jurisdição sobre eclesiásticos. Tomás se opôs energicamente à ação da coroa, fazendo valer os direitos da mitra. Ao lado do Rei, se viam elementos que da energia e franqueza do arcebispo tinham que recear medidas desagradáveis. Intrigas e calúnias aliaram-se à campanha movida contra a autoridade eclesiástica.

O Rei tomou medidas tão vexatórias, que Tomás teve que procurar asilo na França, onde se achava então o Papa. A este explicou a situação aflitiva da Igreja na Inglaterra, e pediu exoneração do cargo de arcebispo. O Papa não, só lhe aprovou a conduta, como muito elogiou a firmeza que mostrara, na defesa dos direitos de arcebispo. O pedido de demissão não teve deferimento. Tomás retirou-se para a solidão do convento dos cistercienses em Pontignac, entregando-se a exercícios de religião. Mal o Rei da Inglaterra lhe soube do paradeiro, intimou o superior a demitir imediatamente o hóspede, sob pena de demolição de todos os conventos existentes na Inglaterra. Luiz, Rei da França, cientificado do ocorrido, foi em pessoa a Pontignac e ofereceu ao arcebispo o convento de Santa Columba, em Sens, para onde pessoalmente o acompanhou. Depois de seis anos de desterro, pode voltar para a Inglaterra, graças aos bons préstimos do Rei da França junto ao Rei da Inglaterra. Mas a paz, estava longe ainda. Embora Henrique tivesse procurado o Prelado em Sens; embora tivesse havido reconciliação entre os dois, os inimigos de Tomás novamente conseguiram indispor o Rei contra o Arcebispo. Esta indisposição tomou formas tão declaradas, que não era mais possível um bom entendimento. Por infelicidade do Soberano, este, num momento de maior irritação, deixou escapar esta frase: “Não há no reino homem nenhum, que me livre deste Bispo?” Aduladores, que apanharam este desastroso desabafo, sem mais esperar por outra ordem, só no intuito de agradar à Majestade, e merecer-lhe as graças, partiram imediatamente para Canterbury, resolvidos a matar o Arcebispo. Este se achava na igreja, onde o clero cantava vésperas. Os sacerdotes, tendo conhecimento da chegada dos homens e receando qualquer ato de violência, quiseram cerrar as portas do templo. Tomás, porém, opôs-se e disse: “A igreja não é nenhuma fortaleza, que à defesa se levante. Se querem minha vida, estou pronto a entrega-la pelo bem da Igreja.” O bando entrou na Igreja, adiantou-se até o presbitério e um deles perguntou em alta voz: “Onde está Tomás, o traidor da pátria?” O Arcebispo respondeu: “Aqui estou; não sou traidor da pátria, mas sacerdote de Deus, pronto a derramar o meu sangue por Deus e pela Igreja. Em nome de Deus ordeno-vos que nada de mal pratiqueis contra os meus. O tempo que vivi, defendi a Igreja, sempre que a via oprimida. Sentir-me-ei feliz, se, em morrendo eu, lhe voltar a paz e a liberdade.” Ditas estas palavras, ajoelhou-se aos pés do altar, recomendou a alma a Deus, a Maria Santíssima, a S. Dionísio, aos Padroeiros. Muito tempo os assassinos não lhe concederam para fazer devoção. Um deles desembainhou a espada e com golpe formidável vibrado contra a cabeça do Prelado, partiu-a no meio. Os degraus do altar e o presbitério ficaram salpicados de sangue e de massa encefálica do mártir. Da igreja os bandidos se dirigiram ao palácio do arcebispo, onde praticaram atos de vandalismo. O clero tomou o cadáver do Santo e enterrou-o no meio da maior consternação. Este fato bárbaro se deu em 1170.

O Rei, ao ter notícia do ocorrido, caiu em grande prostração. Não fora esta sua intenção, de praticar tão monstruoso crime, como de fato, ordem nenhuma tinha dado para assassinar o Arcebispo. Fez penitencia pública, dirigiu-se em romaria ao túmulo do Santo, andando léguas a pé e descalço. Sem tomar alimento algum, deixou-se ficar um dia e uma noite perto da sepultura, rezando fervorosamente. Os assassinos caíram todos no desagrado do Rei e da opinião pública. Desprezados por todos os bons elementos, tiveram de fugir. Consta, porém, que fizeram rigorosa penitência e morreram cristãmente. O túmulo do Santo Mártir foi glorificado por muitos milagres e o Papa Alexandre III, apenas três anos depois, publicou a bula da canonização de Tomás Becket. Durante três séculos o túmulo de Tomás foi o atrativo de milhares de romeiros. Em 1558 os reformadores profanaram o jazigo do grande Mártir e queimaram as santas relíquias.

REFLEXÕES

S. Tomás não se perturbou, quando nos traços dos assassinos leu a sentença de morte. Não se perturbou, porque estava preparado para morrer. Quem se prepara a tempo, não teme a morte; porque a amargura da morte é o pecado. Estarias tu em condições de morrer ainda este ano? Não te perturbarias, se te fosse dito, com certeza, que antes do ano novo terias de deixar este mundo? A perturbação, o medo na presença da morte é sinal certo de que não estão em ordem os negócios da alma. Não deixes para mais tarde o trabalho de regulariza-los. Imita o exemplo das virgens prudentes, que com as lâmpadas acesas esperaram a chegada do esposo. “Fazei penitência, – aconselha Santo Agostinho, – antes da morte chegar; protelar a conversão para a última doença, é arriscar a salvação; porque geralmente a preocupação única do enfermo é procurar alívio nos sofrimentos.”

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

Última atualização do artigo em 18 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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