É significativo o fato de a Igreja católica celebrar a festa do Apóstolo S. Tomé no dia 21 de Dezembro, isto é, antes do Nascimento de Jesus Cristo. É como se S. Tomé tivesse de preparar o espírito dos fiéis, para dispô-los a acreditarem naquele Deus, que, ainda oculto, está prestes aparecer no silêncio da noite. Entre os Apóstolos, é S. Tomé o único que exigiu provas irrefutáveis para crer na Ressurreição do Divino Mestre. Não nos é lícito censurar a atitude enérgica e resoluta do Apóstolo, quando disse aos companheiros do Colégio Apostólico: “Enquanto eu não vir nas suas mãos a abertura dos cravos, e não meter o meu dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, não hei de crer.” (Jo. 20. 25). A esta reserva, a esta precaução, digamos mesmo incredulidade, elevemos uma das provas mais claras e convincentes da Ressurreição de Jesus Cristo.
Tomé, cognominado Dídimo, isto é, gêmeo, era natural da Galileia e como alguns outros Apóstolos, pobre pescador. Escolhido pelo Divino Mestre e por ele admitido ao Colégio dos doze Apóstolos, Tomé sempre se manifestou discípulo e amigo de Jesus Cristo. Na ocasião em que este recebeu o recado das irmãs de Lázaro: “Senhor, quem amais, está doente” e Jesus disse aos Apóstolos: “Vamos à Judéia”, – resolução a que estes se opuseram, pelo perigo de Jesus ser apedrejado pelos judeus, foi Tomé quem disse: “Vamos com ele, para com ele morremos.” Na última ceia falou Jesus da sua ida ao Pai, das muitas moradas no céu e da intenção que tinha de preparar lá um lugar para os Apóstolos; “quando eu tiver ido e preparado um lugar para vós, voltarei e vos levarei comigo para que estejais onde estou. Para onde eu vou, vós o sabeis, como também sabeis o caminho.” Tomé respondeu: “Senhor, não sabemos para onde quereis ir e como é que podemos saber o caminho?” Jesus, porém, disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém chega ao Pai a não ser por mim.” (Jo, 14).
Apesar de Tomé ter-se prontificado a morrer com o Mestre, a prisão e crucificação do mesmo desanimaram e desorientaram-no tanto, que não quis mais lhe acreditar na Ressurreição, apesar dos outros Apóstolos, radiantes e jubilosos, lhe asseverarem que o Mestre tinha ressurgido dos mortos. Tomé não lhes pôs em dúvida a sinceridade, mas supunha que os companheiros talvez tivessem precipitadamente dado crédito a informações insuficientemente comprovadas, ou tivessem sido vítimas de uma mistificação diabólica. Daí a declaração peremptória: “Enquanto eu não vir nas mãos o sinal dos cravos enquanto eu não puser meus dedos nas chagas e minha mão no lado, não creio”. Passados oito dias, Jesus satisfez a exigência do Apóstolo, apostrofando-o e convidando-o a que lhe pusesse os dedos nas chagas das mãos, e chegasse perto, para pôr a mão na chaga do lado e que desse crédito à sua Ressurreição verdadeira. Diante deste fato, vendo-se na presença de quem reconhecia como Mestre, Tomé não persistiu na incredulidade e, prostrando-se diante de Jesus, profundamente o adorou e disse: “Meu Senhor e meu Deus!” Jesus fê-lo levantar-se e disse-lhe com bondade: “Por me teres visto acreditaste, Tomé, bem-aventurados aqueles que, embora não vejam, acreditam.”
Sobre este episódio escreve S. Gregório Magno: “A incredulidade de Tomé e a ordem que este Apóstolo de Jesus recebeu, de tocar-lhe nas chagas, não foi um acaso, mas alto desígnio de Deus. O discípulo que, duvidando da Ressurreição do Mestre, pôs as mãos nas chagas do mesmo, curou com isto a ferida da incredulidade da nossa alma.
A incredulidade de Tomé foi para nós de vantagem maior que a fé dos demais Apóstolos; porque tornando-se crédulo, pelo contato das chagas, consolidou a nossa fé, banindo qualquer dúvida.” Santo Agostinho diz a respeito da mesma questão: “Tomé, homem santo, justo e leal, exigiu tudo isso, não porque duvidasse, mas para excluir qualquer suspeita de superficialidade. Era-lhe bastante ver aquele que conhecia; mas para nós era necessário que tocasse naquele que via, para que ninguém pudesse dizer que os olhos o enganaram, quando não era possível as mãos o enganarem.”
Na divisão dos Apóstolos coube a Tomé a terra dos Partas, povo que ocupava a Pérsia e que nunca se sujeitou ao poder de Roma. É provável que Tomé tenha pregado o Evangelho na Índia, onde S. Francisco Xavier ainda no século XVI encontrou vestígios da Igreja ali fundada pelo santo Apóstolo. Julga-se que S. Tomé tenha morrido mártir pela fé do divino Mestre. Há quem diga e sustente (com que provas não conseguimos descobrir) que S. Tomé tenha sido o primeiro Apóstolo dos indígenas do Brasil e do Peru. Diz-se, que numa praia da Bahia existe uma grande pedra bem lisa, que apresenta a impressão de dois pés humanos, pedra a que os índios deram o nome de Sumé, palavra na qual muitos querem reconhecer uma corruptela de Tomé.
A arte cristã apresenta São Tomé com uma lança, instrumento do seu martírio. Foi a lança que o uniu para sempre ao divino Mestre, em cujo lado, aberto pela lança, o Apóstolo pusera a mão. Artistas há que o apresentam com um esquadro na mão, querendo assim simbolizar a retidão e sinceridade do caráter do grande Apóstolo.
REFLEXÕES
Jesus chama a Tomé de incrédulo, porque este negara a fé a um único artigo – a Ressurreição de Jesus Cristo. É certo que a pessoa que rejeita ou põe em dúvida um só artigo da fé não é mais católico. O católico deve confessar todos os artigos do Credo, por mais insignificantes que lhe pareçam. Deus é infalível também nas coisas pequenas. Negar um ou outro artigo da fé é dizer: Deus errou ou foi enganado; ou então: Deus não é verdadeiro; ensina-nos coisas erradas. Pouco importa agora, se um artigo em questão é de importância ou não.
Dizer que Deus se enganou ou quis enganar em coisas leves, é ofendê-lo mais do que lhe atribuir erro em matéria grave. O católico que nega uma verdade da fé, é como Tomé – incrédulo; é desobediente, como aquele que observa nove mandamentos da lei de Deus, desprezando um. Aos incrédulos acontecerá o que Jesus Cristo disse: ·’Quem não acreditar ao Filho, não verá a vida e sobre ele ficará a ira de Deus. (Jo. 3. 36.)
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.