Sobre os deveres de um filho da Igreja

Na Igreja, José Gallegos y Arnosa, antes de 1977 - public Domain - Wikimedia Commons

Os deveres dum filho da Igreja são mais extensos do que em geral supomos, e poucos são os cristãos que os cumprem exatamente. Devo à Igreja uma inalterável fidelidade. Devo-lhe um terno reconhecimento pelos seus cuidados maternos, pois ela me gerou à vida espiritual, nutriu-me do leite de sã doutrina, instruiu-me a respeito de minhas obrigações, fortaleceu-me com seus Sacramentos, e, ainda hoje, esclarece-me nas dúvidas e obscuridades com sua autoridade infalível; dirige-me com sábios conselhos; ergue-me e repõe-me no caminho com suas advertências e admoestações; consola-me e sustenta-me nas adversidades com orações que incessantemente oferece por mim; não me abandona um instante sequer, da infância ao último suspiro, quando redobra de solicitude e de zelo pela minha salvação; e nem depois de morto se esquece de mim, rezando pela minha alma no Santo Sacrifício. Como poderia ser insensível ao carinho de tão boa Mãe?

Devo, pois, interessar-me vivamente pelo êxito da Igreja, pela sua glória e expansão, pela conversão dos hereges e dos infiéis, e auxiliar as boas obras que mantém, com meus bens, meu crédito, meus talentos. Se tiver alguma autoridade, devo empregá-la para proteger a Igreja, fazer com que seja respeitada, e rebater seus inimigos para lhes neutralizar os esforços e os intentos. Devo afligir-me com aquilo que lhe perturba a paz, com os escândalos, os males, as perseguições de toda espécie que se abatem sobre ela, procurando aliviá-la pelo menos com meus votos e minhas orações.

Devo-lhe uma docilidade perfeita, em se tratando de tudo que me ensina, uma submissão inteira de espírito e de coração às suas decisões, uma obediência religiosa às suas ordens, uma fidelidade exata na observância do seu culto.

Devo acatar altamente a pessoa e o caráter de seus ministros, pela dignidade e autoridade que revestem. Se, por um lado, me é lícito, mais ainda, se me é um dever, evitar os de doutrina suspeita, de moral exagerada ou relaxada, ou de vida desordenada, que me fossem motivo de escândalo, por outro lado devo ser de uma extrema reserva em julgá-los, e silenciar-lhes as faltas secretas. Se, porém, motivos imperiosos me obrigarem a revelá-las, devo usar de muita moderação e circunspeção e, enquanto gemo sobre as desordens públicas dos indivíduos, sobre maus exemplos que dão aos fiéis, sobre a negligência com que se desempenham de seus encargos, devo tributar uma veneração profunda do Clero secular e regular em geral, e não querer estender a todos os membros as censuras que merece tal ou qual, abstendo-me de toda crítica, de toda censura maligna, acerba ou menoscabo. As heresias dos últimos séculos se devem a um zelo exagerado em relação aos abusos reais reinantes na Igreja no momento, zelo amargo e farisaico, gerado pelo orgulho, que produziu aversão e ódio, zelo muitas vezes hipócrito, que encobre intenções perversas. Sob pretexto de tudo reformar, os autores dessas heresias conseguiram tudo destruir, fazendo de suas declamações violentas, e quase sempre caluniosas, uma cilada para os fracos e um triunfo para os ímpios e os libertinos.

É mister, pois, precaver-nos contra os discursos dos inimigos da Igreja, sobretudo daqueles que trazem a máscara da piedade, que encobrem seus ditos mordazes com o véu das caridade, e cujas queixas violentas se exalam em suspiros e lamentações. São os mais perigosos de todos. É mister também precaver-nos contra nós mesmos. Vigiemos de perto as reações que despertam em nós os abusos de que somos testemunhas. Se suscitarem, de leve que seja, sentimentos de azedume ou de cólera, o orgulho não lhes é estranho; e são outras tantas tentações. Não hesitemos em condená-los.

Não procuremos tampouco ler livros de doutrina suspeita, que nos mova a simples curiosidade, que nos seduza a novidade da obra, quer a reputação do autor. Saibamos também escolher bem as pessoas com que formamos laços espirituais, mormente em se tratando de sacerdotes a quem confiamos a direção de nossa alma. Os artifícios do tentador, que se arremessa desde sempre contra a Igreja e procura arrancar-lhe os filhos, são grandes e suas ciladas sutis. Apeguemo-nos finalmente, com firmeza, àquela que é a coluna e fundamento da verdade (Tim 3, 15), e lembremo-nos da bela máxima de São Cipriano: Quem não tiver a Igreja por Mãe, não Terá a Deus por Pai.

Jean Nicolas Grou, S. J. in Retiro Espiritual Sobre as Qualidades e Deveres do Cristão, 1944

Última atualização do artigo em 6 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico

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