Ó Senhor, ensinai-me a sofrer com simplicidade, sem inúteis retornos sobre mim mesmo, a abandonar-me à Vossa vontade divina.
1 – O segredo para aprender a sofrer virtuosamente está, em grande parte, em esquecer-se e abandonar-se; esquecer-se de si mesmo e das próprias dores e abandonar-se a Deus.
Quem se dobra sobre os próprios sofrimentos, concentrado sobre eles a sua atenção, torna-se incapaz de os suportar com serenidade e coragem. “A cada dia basta o seu cuidado” (Mt. 6, 34), disse Jesus; esforcemo-nos, pois, por suportar em paz, dia a dia, momento a momento, aquelas penas e aquelas cruzes que Deus põe no nosso caminho, sem pensar quanto sofremos ontem, sem nos preocuparmos com o que sofreremos amanhã. Ainda que o sofrimento seja intenso, não o encareçamos, não lhe demos excessiva importância, não nos deixemos prender pela tendência um pouco doentia de acariciarmos o nosso sofrimento, de nos determos a contemplá-lo, a analisá-lo e a pesá-lo sob todos os aspectos. Deste modo viríamos a paralisar o nosso espírito de sacrifício, a nossa capacidade de aceitação e de ação, tornando-nos muitas vezes inúteis a nós mesmos e aos outros. Quem é muito sensível e anda muito ocupado com os próprios sofrimentos torna-se muitas vezes insensível e indiferente perante os sofrimentos dos outros. Para reagir contra estas tendências de egoísmo que foram justamente definidas como “o caruncho da aflição cristã” (P. Faber), é preciso esquecer-se de si, sair de si próprio e do círculo dos próprios sofrimentos e ocupar-se antes dos dos outros, esforçando-se por os aliviar. Este é um meio eficacíssimo para encontrar, nos momentos de desânimo, a força de levar a própria cruz. Devemos pensar sempre – como é verdade – que não estamos nunca sós a sofrer, que se os nossos sofrimentos são grandes não falta nunca quem os tenha maiores; devemos pensar que as nossas penas são uma gota em comparação com o mar de dores no qual navega a humanidade e são quase nada em comparação com a Paixão de Jesus.
Quem se ocupa demais com o que sofre, acaba por exacerbar as próprias dores, por se afogar nelas, matando em si todo o ímpeto generoso. Quem, ao contrário, sabe esquecer-se de si, mantém-se em equilíbrio, sempre capaz de pensar mais nos outros do que em si mesmo, sempre aberto à caridade e à generosidade para com Deus e para com o próximo. A alma simples, esquecida de si, é a que sabe sofrer com maior coragem, tirando maior proveito para a própria santificação.
2 – Apesar de todos os esforços para se lançar para além das próprias dores, para esquecer as próprias penas, pode haver momentos de angústia tão profunda, de trevas tão cerradas que a pobre alma não sabe como sair delas, sobretudo quando o horizonte em vez de aclarar, se torna mais escuro e ameaçador. Nestes caso só nos resta dar um salto na escuridão, abandonando-nos totalmente nas mãos de Deus. Somos tão pobres e fracos que temos sempre necessidade de um ponto de apoio; embora a alma se esqueça e desocupe de si, tem necessidade de alguém que a ampare e pense nela. Este alguém é Deus que nunca Se esquece de nós, que conhece a fundo o nosso sofrimento, sabe as nossas necessidades, vê a nossa fraqueza e está sempre pronto para socorrer aqueles que se refugiam nEle. Podemos, é verdade, procurar um pouco de conforto e de ajuda também junto das criaturas, mas não nos iludamos: nem sempre nos compreenderão, nem sempre poderão estar à nossa disposição. Mas se nos voltarmos para Deus, não ficaremos nunca desiludidos; ainda que Ele não mude a nossa situação, nem nos tire as nossas penas, interiormente, porém, se bem que de um modo escondido e silencioso, confortará o nosso coração, dando-nos a força de prosseguir o caminho. “Descarrega sobre o Senhor os teus cuidados e Ele te sustentará” (Sal. 54, 23). Eis a atitude de abandono que devemos ter nos momentos de sofrimento e que devemos reforçar quanto mais este se tornar profundo. A um maior sofrimento deve corresponder um maior abandono a Deus e então não andaremos perdidos.
Muitas almas exageram os seus sofrimentos, dramatizam-nos, porque não sabem ver neles a mão paternal de Deus, porque não acreditam bastante na Sua divina Providência e, por consequência, não sabem abandonar-se a ela com plena confiança. Se a nossa vida, com todas as circunstâncias, por mais penosas que sejam, não estivesse nas mãos de Deus, teríamos razão para temer, mas como tudo está sempre nas Suas mãos, não devemos ter receio, não devemos atemorizar-nos. A alma que está segura de Deus e se abandona a Ele, sabe manter-se tranquila ainda nas maiores dores, sabe enfrentar com simplicidade os momentos trágicos, sabe sofrer com serenidade e coragem, porque está sempre amparada por Deus.
Colóquio – “Ó Senhor, fazei que a minha alma corra continuamente para Vós, sem descanso, olhando sempre pra Vós só. Consolada ou desolada, corra sem se deter em coisa nenhuma, corra tão depressa que não tenha tempo de olhar nem de ver as coisas da terra por o seu passo ser rapidíssimo. Portanto, por Vosso amor, longe de mim o gozo, o repouso, a confiança nos juízos dos homens, nas suas aprovações, as apreensões pelo mal estar físico, pelas tristezas morais, pelos acontecimentos prósperos ou adversos. Longe de mim, em suma, tudo o que não é Deus.
“As minhas penas, reconheço-o, foram permitidas e queridas por Vós, meu Senhor, para me ensinardes apesar de tudo, a ter confiança.
“Ó Senhor, sede o meu único amparo nas apreensões, nas fraquezas, nas angústias; sede o meu único confidente, ou melhor, a minha confiança. Hóspede divino, que residis em mim, sobre o trono do meu coração, habitai nele como Senhor; a Vós pertence o domínio, o amor, o governo de todo o meu ser!
“Porque perturbar-me ou temer ainda? Tudo é Vosso, ó Deus e Vós tomais cuidado e providenciais às minhas necessidades. Vós sois amor e providenciais às minhas necessidades. Vós sois amor infinito e amais a obra das Vossas mãos mais do que ela mesma sabe e pode amar-se. Quem ousará duvidar do vosso poder, do cuidado previdente e afetuoso que prodigalizais às Vossas criaturas, da eternidade e da eficácia do Vosso amor?
“Creio que Vós fazeis tudo e permitis tudo para meu bem e minha salvação e abandono-me à Vossa conduta com confiança, com amor, sem ânsias, apreensões, ou cálculos” (B.M. Teresa de Soubiran).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.