Vida de amor

Fazei, Senhor que eu comece a amar-Vos na terra como um dia Vos amarei no céu.

1 – Se se pode dizer que pela fé “começa em nós a vida eterna” (S. Tomás, IIª IIª q. 4, a. 1, co), outro tanto, e com maior razão, se pode afirmar da caridade, que permanecerá imutável mesmo no céu. A vida eterna será essencialmente vida de amor, de um amor plenamente desabrochado porque, conhecendo perfeitamente a Deus através da visão beatífica, poderemos enfim cumprir com absoluta perfeição, o preceito de amar a Deus com todas as nossas forças. Neste mundo tal perfeição só é possível de um modo relativo, todavia possuímos desde já a mesma caridade com que amaremos um dia no céu, e por isso podemos também desde já começar essa vida de amor que florescerá plenamente na eternidade. O nosso amor no céu terá as características de pleno vigor e de continuidade absoluta, de tal modo que jamais poderá diminuir; aqui na terra não podemos chegar a tanto, embora possamos tender para isso mediante o exercício de um amor puro, intenso e, tanto quanto possível, sempre em ato. Eis, portanto, as qualidades que deve possuir o teu amor para com Deus: pureza, intensidade, continuidade.

O teu amor para com Deus será puro quando Lhe quiseres tanto bem que procures somente a Sua glória, o cumprimento da Sua vontade: “santificado seja o Vosso nome, seja feita a Vossa vontade” (Mt. 6, 9 e 10). Este é o único e verdadeiro bem que tu, pobre criatura, podes querer para o teu Deus; toda a glória que Lhe podes dar consiste em responder um sim total à Sua vontade, em cumprir cá na terra o eu querer, com tanto amor, com tana plenitude, que rivalizes com os anjos e bem-aventurados do céu; “seja feia a Vossa vontade, assim na terra como no céu” (ib.). Eis em que sentido o teu amor deve ser puro: procurar só a glória de Deus, só a Sua vontade esquecendo-te completamente de ti, pronto a sacrificar por Ele qualquer querer, desejo ou interesse próprio. Por isso, mesmo na vida espiritual, o teu primeiro pensamento não deve ser a tua perfeição, o teu progresso, o teu conforto, mas sempre o gosto de Deus, o Seu beneplácito, a Sua glória. Tirarás disso grande vantagem, pois quem se dá a Deus, esquecendo-se inteiramente de si, atrai a plenitude do amor divino; e que maior bem poderás possuir do que se amado pelo amor infinito?

2 – Além disso é preciso que o teu amor para com Deus seja intenso e vigoroso porque assim a inclinação da tua vontade para Ele será cada vez mais forte. “Amor meus pondus meum”, diz Sto Agostinho: o amor é o peso que me arrasta, que arrasta todo o meu ser, todo o meu querer, toda a minha vida para Deus. É necessário que este peso aumente a fim de te arrastar para Deus num ritmo cada vez mais acelerado. S, João da Cruz ensina que basta um grau de amor para que uma alma esteja no seu centro, ou seja, em Deus, mas quantos mais graus de amor possuir, tanto mais se concentrará e mergulhará nEle e por isso “o amor mais forte será o mais unitivo” (CV. 1, 13).

O amor fortalece-se e cresce com o exercício; deve ser porém, um exercício generoso e intenso, um exercício que empregue todas as forças da alma. Quando realizas as tuas ações, não com mesquinhez ou negligência, mas com todo o ardor, isto é, com toda a boa vontade de que és capaz, o teu amor cresce imediatamente e a cada ato corresponde um novo aumento de caridade. Deste modo o teu amor crescerá cada vez mais, tornar-se-á forte, chegará à maturidade e será capaz de te arrastar todo para Deus. Procura pois que durante o dia estes atos de amor sejam frequentes, a fim de poderes viver o mais possível em contínua atualidade de amor. Mas há um momento do dia destinado de um modo particular a tornar-te mais fervoroso na caridade: é a o momento da oração; oração entendida como encontro íntimo da tua alma com Deus por meio do amor e como trato amigável entre Deus e tu. Nela te deves recolher e concentrar, nela deves renovar a decisão da tua vontade e de entregares todo a Deus, de procurares sempre a Sua vontade e o Seu gosto acima de todas as coisas. Vai à oração em busca de Deus, para estares com Ele como o amigo está com o seu amigo e pede-Lhe, submisso mas com doce insistência, que te ensine a amá-lO como um dia O amarás no céu. Como a amizade humana divina, a caridade, se fortalece na oração, neste amigável e amoroso encontro da alma com Deus.

Colóquio – “Ó Senhor, Vós fizestes-me compreender que os dons mais perfeitos não são nada sem o amor, que a caridade é o caminho excelente que nos condiz a Vós com segurança. Eu não desejo senão a ciência de amor; e tendo dado por ela todas as minhas riquezas, parece-me não ter dado nada. Compreendo tão bem que só o amor me pode tornar agradável a Vós, que este amor é o único bem que ambiciono.

“A minha ocupação é colher flores, as flores do amor e do sacrifício e oferecê-las a Vós, meu Deus, para Vos dar prazer. Quero trabalhar somente por Vosso amor, com o fim único de Vos agradar, de consolar o Vosso Sagrado Coração e de salvar almas que Vos amarão eternamente” (cfr. T.M.J. M.B. 233, 222, 236; Ato de oferecimento).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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