23. Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos esta parábola: O reino dos céus é comparado a um rei, que quis fazer as contas com os seus servos.
24. E tendo começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos.
25. E como não tivesse com que pagar, mandou o seu senhor que fosse vendido ele, e sua mulher, e seus filhos, e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida.
26. Porém o servo, lançando-se-lhe aos pés, lhe suplicava dizendo: tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo.
27. O senhor, compadecido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida.
28. Mas este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros, que lhe devia cem dinheiros; e lançando-lhe a mão, o sufocava, dizendo: Paga o que me deves.
29. E o companheiro lançando-se-lhe aos pés, lhe suplicava dizendo: tem paciência comigo e eu te pagarei tudo.
30. Porém, ele não quis: mas retirou-se, e fez que o metessem na prisão, até pagar a dívida.
31. Ora, os outros servos, seus companheiros, vendo isto, ficaram contristados, e foram, e referiram ao seu senhor tudo o que tinha acontecido.
32. Então o senhor chamou-o e disse-lhe: Servo meu, eu te perdoei a dívida toda, porque me suplicaste:
33. Não devias tu logo compadecer-te também do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?
34. E o seu senhor, irado, entregou-o aos algozes até que pagasse toda a dívida.
35. Assim também vos fará meu Pai celestial, se não perdoardes do íntimo dos vossos corações cada um a seu irmão.
O PURGATÓRIO
O rei, de que fala o Evangelho, entregou o devedor aos algozes, até que pagasse toda a dívida.
A parábola refere-se ao reino do céu, à outra vida; logo deve haver, na outra vida, um lugar de expiação temporária, onde os devedores de Deus possam pagar umas dívidas atrasadas ou expiar certos pecados.
Este lugar é o purgatório.
Após a morte, a alma em estado de graça, havendo ainda a expiar faltas leves, será obrigada a expiar estas faltas no purgatório.
Consideremos hoje:
1. A EXISTÊNCIA do purgatório.
2 A NATUREZA o purgatório.
I. A EXISTÊNCIA DO PURGATÓRIO
A existência do purgatório, como a do céu e do inferno, é verdade de fé, definida pela Igreja.
É provada pela Sagrada Escritura, e pela razão.
a) Sagrada Escritura:
No II Livro dos Macabeus (12, 43) lemos que Judas Macabeu ofereceu um Sacrifício pelos mortos, para que ficassem livres dos seus pecados. Ora, se é pensamento santo e salutar o rezar pelos defuntos a fim de que fiquem livres de seus pecados, é sinal de que estão num lugar donde é possível sair.
Ora, tal lugar é nem o céu, nem o inferno, que são eternos: É o purgatório.
Não é preciso que o nome de purgatório figure na Bíblia, basta o lugar estar indicado.
No Novo Testamento encontramos também a indicação do purgatório.
Jesus Cristo diz que o pecado contra o Espírito Santo não será perdoado, nem neste século, nem no século vindouro. (Mat. 12, 32).
Logo, há pecados que podem ser perdoados neste século e no século vindouro.
E qual é este lugar? É o purgatório.
São Paulo ensina: alguns serão salvos depois de terem passado pelo fogo. (I Cor. 3, 15).
Não é o fogo do inferno… e no céu não há expiações. Logo, é no purgatório.
São Paulo roga a Deus que se compadeça de Onesíforo que presta bons serviços à Igreja. (Tim. I, 16-18).
Logo, acredita que Onesíforo precisa de orações…
Nem no inferno, nem no céu, as almas precisam de orações. Logo, está no purgatório.
A razão nos indica a existência do purgatório.
Para entrar no céu é preciso ser perfeitamente limpo. (Apoc. 21, 27).
Para ser réu do inferno é preciso ter cometido um pecado mortal.
Ora, há muitas pessoas que não estão bastante puras para entrar no céu, nem bastante manchadas para irem par ao inferno.
Logo, devem ir para um lugar, onde possam purificar-se, expiar as faltas leves, até poderem entrar no céu: este lugar de expiação, de purgação, é o purgatório.
II. NATUREZA DO PURGATÓRIO
No purgatório, como no inferno, há uma dupla pena: pena moral (de dano) e pena dos sentidos (de fogo).
A pena moral consiste na separação de Deus, pena suavizada, entretanto, pela esperança.
A pena dos sentidos, segundo o ensino de muitos teólogos, é da mesma natureza que as do inferno, menos a eternidade e consequente desespero.
As amas sofrem no purgatório, pois sendo salvas, tarda-lhes entrar na contemplação de Deus e de outro lado são atormentadas pelo fogo, até expiarem as penas temporais devidas aos pecados mortais perdoados e ás penas dos pecados veniais não perdoados.
“Reuni, diz Sta. Catarina de Gênova, todas as penas que os homens têm sofrido, sofrem e sofrerão, juntai-lhes todos os tormentos que os algozes têm feito sofrer aos mártires, será uma pálida imagem dos tormentos do purgatório”.
Deus, escolhendo o fogo, soube achar um reparador digno de sua justiça.
Não há dor, dizem os químicos, que iguale à dor do fogo.
Não objetem que o corpo não está no purgatório: “A dor, diz Sto. Tomás, não é o golpe que se recebe, mas a sensação dolorosa desse golpe”.
Quanto mais delicadeza há nessa sensação, mais via é a dor, e a alma, ainda sendo ferida ela sozinha, experimenta, ao mesmo tempo, a aflição que lhe fariam sofrer todos os membros do corpo atacados separadamente.
A pena moral, ou pena do dano, é mais terrível ainda que a pena os sentidos.
A alma, por instinto de sua natureza, quer unir-se a Deus… mas uma força irresistível a afasta bruscamente de seu ideal.
Pode-se fazer uma idéia deste suplício, comparando-o ao tormento de uma mãe que, chamada por seu filho prestes a ser devorado por uma fera, fosse retida por força qualquer, no momento em que se precipitasse em seu socorro, e isso não uma só vez, mas centenas de vezes em seguida.
III. CONCLUSÃO
Quanto tempo durará esta expiação? Não o sabemos; sabemos apenas que esse tempo é proporcionado à dívida de cada alma – que as almas do purgatório nada podem fazer por si mesmas – e que as suas penas podem ser abreviadas pelas nossas orações.
É, pois, um dever sagrado para nós, um dever de caridade, e muitas vezes de justiça, orar pelas almas dos nossos defuntos.
Talvez haja no purgatório almas que ali sofrem, por causa de nós, porque as temos escandalizado, ou não as temos afastado do mal, quando era dever nosso fazê-lo.
Elas sofrem por causa de nós; é, pois, lógico que sejam libertadas por nós.
É talvez o nosso pai, a nossa mãe, são filhos queridos, amigos íntimos, benfeitores?!
Oh! Oremos pelos nossos queridos defuntos!…
Depois de entrarem no céu, estas almas serão os nossos protetores e intercessores perto de Deus.
Comentário Dogmático, Padre Júlio Maria, S.D.N., 1958.