Senhora, disseram-me que estáveis bem adiantada nas vossas vindimas: louvado seja Deus. Cumpre que meu coração vos diga esta palavra que eu disse outro dia a outra vindimadora que é bem das vossas mais caras primas.
No Cântico dos Cânticos, a Esposa sagrada, falando a seu divino Esposo, diz que seus “peitos são melhores que o vinho, odoríferos em unguentos preciosos” . Que peitos tem, porém, esse Esposo? São a sua graça e a sua promessa; pois ele tem o seu peito amoroso da nossa salvação, cheio de graças, que ele destila de hora em hora, mesmo de momentos em momentos, nos nossos espiritos; e, se quisermos pensar bem nisso, acharemos que assim é. E, por outro lado, tem ele a promessa da vida eterna, com a qual, como com um santo e amável leite, alimenta a nossa esperança, como com sua graça sacia o nosso amor. Esse licor precioso é bem mais delicioso que o vinho.
Ora, assim como se fazem as vindimas espremendo as uvas, vindima-se espiritualmente espremendo as graças de Deus e as suas promessas. E, para espremer a graça de Deus, há que multiplicar a oração pelos curtos mas vivos transportes de nossos corações; e, para espremer-lhe a promessa, há que multiplicar as obras de caridade, pois a elas é que Deus dará o efeito das suas promessas: “Estive doente, e me visitastes” , dirá ele. “Todas as coisas têm a sua estação“; há que espremer o vinho numa e noutra espécie de vindima; mas há que espremer sem se apressar, com cuidado mas sem inquietação.
Ainda pensando, minha cara Filha, que os peitos do Esposo sejam o seu lado traspassado na Cruz, ó Deus, como essa Cruz é uma cepa torcida, mas bem carregada! Não há nela senão uma só uva, mas que vale mais do que mil. Quantos grãos têm achado nelas as almas santas, pela consideração de tantas graças e virtudes que nela esse Salvador do mundo mostrou!
Fazei belas e boas vindimas, minha cara filha, e sirvam-vos umas de escada e passagem para outras. S. Francisco amava os cordeiros e os carneiros porque lhe representavam o seu caro Salvador; e eu quero que amemos essas vindimas temporais não só porque são coisas pertinentes ao cuidado correspondente ao pedido que todos os dias fazemos do pão nosso de cada dia, mas também e muito mais porque nos elevam às vindimas espirituàis.
Conservai vosso coração cheio de amor, mas de um amor suave, sossegado e tranquilo. Encarai as vossas faltas, como as dos outros, com compaixão antes que com indignação, com mais humildade do que severidade.
A Deus, Senhora; vivei alegre, já que toda vos dedicastes à alegria imortal que é o próprio Deus, que para sempre queira viver e reinar no meio dos nossos corações.
O Segredo da Salvação, A Lembrança da presença de Deus e as Orações jaculatórias, extraído das Obras de S. Francisco de Sales, por Fernando Millon, Missionário de S. Francisco de Sales, 1952.
Última atualização do artigo em 11 de março de 2025 por Arsenal Católico