Catecismo do Matrimônio (Parte 2) – Capítulo 8: Mais alto!

P. – Existe um estado preferível ao do casamento?

R. – Sim; é o celibato, a virgindade.

P. – Em que funda semelhante afirmação?

R. – Na própria palavra de Deus, citada na primeira epístola de S. Paulo aos Coríntios.

P. – A que texto alude?

R. – Ei-lo: “É conveniente ao homem não tocar mulher nenhuma. Mas para evitar a desonestidade cada um tenha a sua mulher e cada uma tenha o seu marido… Digo isto como uma coisa que se vos concede, não como mandamento. Porque queria que todos vós estivésseis como eu; porém cada um recebe de Deus o seu próprio dom, um d’uma maneira, e outro de outra. Digo também aos solteiros e ás viúvas que lhes é conveniente permanecer como eu permaneço. Mas, se não têm o dom da continência, casem: porque é melhor casar do que abrasar-se (no fogo dos maus desejos)…

“Quanto, porém, às virgens, não tenho mandamento do Senhor, mas dou conselho, como quem do Senhor tem alcançado a graça de ser fiel (seu ministro). Julgo, pois, que, por causa das dificuldades presentes, é bom o estado de pureza. Estás ligado à mulher? Não procures desligar-te. Estás livre de mulher? Não procures mulher. Entretanto, se tomaste mulher, não pecaste; e, se a virgem se casa, não peca. todavia, os que tomaram este estado sofrerão tormentos na carne, a que eu desejaria poupar-vos…

“Queria, pois, que vivêsseis sem inquietação. O que está sem mulher pensa unicamente nas coisas que são do Senhor, em como há de agradar a Deus. Pelo contrário, o que está com mulher, preocupa-se com as coisas que são do mundo, com o modo como agrade À mulher, e o seu pensamento está dividido. E a mulher solteira e a virgem cuida nas coisas que são do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito; mas a que é casada, cuida nas coisas que são do mundo, procura a maneira como há de agradar ao marido.

“Digo-vos isto, porém, para vossa utilidade, não para vos prender (e obrigar-vos à continência), mas somente para que saibas o que é mais conveniente e próprio para vos ligar ao Senhor sem esforço.

“Deste modo, o que casa a sua filha faz bem, e o que a não casa, procede melhor”… (I aos Coríntios, cap. VII).

P. – Pode resumir os ensinamentos deste texto?

R. – S. Paulo faz a comparação entre o casamento, por um lado, e o celibato e a virgindade por outro. Não censura o casamento; longe disso, louva-o, e chama-lhe “um grande sacramento“, mas prefere-lhe a virgindade. Não impõe esta a ninguém, mas aconselha-a, em virtude das suas grandes vantagens; evita as tribulações inerentes ao casamento; cria uma união mais íntima entre a alma e Deus; pois aquele que se não casa e aquela que permanece virgem não dividem o coração, e pensam muito mais nas coisas do Senhor. Enfim, e como feliz consequência deste maior interesse pelas coisas de Deus, os que renunciam ao casamento mais facilmente podem ser santos do corpo e de espírito.

P. – Teve eco esta doutrina de S. Paulo na tradição cristã?

R. – Sim, repercutiu-se de século em século nos escritos dos Santos Padres, os quais celebram com entusiasmo as glórias da virgindade.

a) Segundo S. Cipriano, “as virgens são flores odoríferas da Igreja, o esplendor da graça, o ornamento da natureza, uma obra perfeita e incorruptível, imagem de Deus em que reflete a santidade do Senhor, a porção mais ilustre do rebanho de Cristo”. (De disciplina et habitu virginum, circa init).

b) Inspirando-se na palavra de Nosso Senhor: Não haverá maridos nem mulheres na ressurreição, sendo todos como os anjos de Deus no céu (S. Mat. XXII); um grande número de Santos Padres reconhece a virgindade como uma imitação perfeita da vida dos anjos.

“Ó virgindade, exclama Santo Atanásio, riqueza infinita, coroa imortal, templo de Deus, tabernáculo do Espírito Santo, pérola preciosa, tu és a vida dos anjos e a mais bela coroa dos santos!” (De Virg., in fine).

S. João Crisóstomo compara a vida do anjo e a da virgem, e diz: “Os anjos não se prendem nos laços do casamento, nem tão pouco a virgem. Conservam-se sem cessar na presença de Deus, e sem cessar O servem, da mesma forma que a virgem. Vedes a glória da virgindade? Ela comunica àqueles que vivem ainda na terra uma singular semelhança com os habitantes dos céus; não permite que seres revestidos dum invólucro material se tornem inferiores a seres incorpóreos; faz que os mortais rivalizem com os imortais” (Opera, t. I, de Vig., § 10, 11).

c) Outros, como S, Jerônimo, exaltam na virgindade “um holocausto perfeito e uma imolação perpétua” (Psalm, XCIV).

Muito antes de S. Jerônimo, Santo Inácio de Antioquia escrevia já nestes termos aos fiéis de tarso: Em certo sentido, podem chamar-se as virgens sacerdotes de Jesus Cristo, pois oferecem também a Deus um sacrifício perpétuo, sacrifício menos perfeito do que o do altar, é certo, mas, no entanto, semelhante a ele sob alguns aspectos, pois é o sacrifício do seu próprio corpo, o qual foi unido uma vez, pelo batismo, ao corpo místico de Cristo, e muitas mais vezes ao Seu verdadeiro e divino Corpo nas riquezas da união eucarística (Ep. ad. Tarsenses, citada por Corn. A. Lap.).

d) Muitos padres comprazem-se ainda em louvar o casamento espiritual e todo celeste que a virgem contrai com Jesus Cristo.

“É com toda a razão, diz Santo Ambrósio, que a virgem recebe do céu a sua maneira de vier, ela que no céu encontrou um esposo” (De Virg. I, 1, circa init).

Na mesma ordem de ideias, S. Jerônimo escreve a Eustochio: “Que dê os seus afetos a um marido unicamente aquela que não tenha Jesus Cristo por esposo” (Ep. ad. Eust. de Virg., circa med.).

“Tendes o mais belo esposo, diz Santo Agostinho à alma virgem. Quantos ansiaram pela graça que vos foi concedida e se viram repelidos! Preferiu-vos a eles todos os vosso Redentor. Ele vos escolheu como esposo, o vosso Deus!” (De diligendo Deo, c, IV e seg).

E S. Bernardo, seis séculos mais tarde, celebra com o entusiasmo duma alma virgem essa castidade, a única que, entre todas as bodas da terra, lembra os costumes da região bem-aventurada onde não há esposas nem maridos, e oferece à Terra a experiência antecipada da vida do céu (Ep. XXIV).

P. – Houve alguém que se levantasse contra este coro de louvores à virgindade?

R. – Sim; no século XVI, um religioso infiel ao seu voto de castidade, Martinho Lutero, atreveu-se a dizer que o casamento era preferível á virgindade.

P. – Essa afirmação do frade libertino manchou a glória da virgindade?

R. – Muito pelo contrário; as calúnias de Lutero, provocando uma definição do Concílio de Trento, deram maior realce à grandeza e beleza da virgindade cristã.

Eis o cânon do Sagrado Concílio: – “Se alguém disser que o estado conjugal deve ser preferido ao estado de virgindade… e que não é melhor nem mais feliz (melius ac beatius) permanecer na virgindade, (anathema sit. sess. 24m can. 10).

P. – Podem tirar-se corolários práticos deste Cânon do Concílio de Trento?

R. – Sim, principalmente três, relativo um aos ímpios, outro aos cristãos ignorantes, e o último aos rapazes e raparigas que renunciam ao matrimônio por amor de Jesus Cristo.

1º corolário – As declarações dos ímpios, que ousam dizer ao Parlamento serem os religiosos e as religiosas indignos de ensinar por observarem a castidade, caem sob os anátemas do Concílio de Trento. A verdade é serem aqueles que guardam castidade mais dignos de ensinar do que os outros, pois o seu estado, em si, é preferível ao do casamento.

2º corolário – Só podem ter a desculpa da ignorância os cristãos que, em conversas e apreciações, parecem lamentar essas virgens admiráveis a que chamam, por desprezo, “raparigas velhas”, e tratam com piedade essas valorosas jovens que renunciam ao casamento para se consagrarem, como vítimas puras, à vida religiosa ou, no mundo, às lutas do apostolado ou às deliciosas alegrias da imolação. Se falassem seriamente, esses cristãos revoltar-se-iam, eles próprios, contra o ensino do Concílio de Trento que nos diz: “O estado de virgindade é preferível ao do casamento”.

Se são casados, que esses cristãos agradeçam a Deus o tê-los prendido nos laços dum sacramento que é grande; mas que não deixem de ver com os olhos da fé e com respeito aqueles outros laços dos parentes ou amigos que Deus reservou para o estado mais nobre da virgindade.

3º corolário – Segundo o Concílio de Trento, o estado de virgindade é preferível ao do matrimônio e uma condição mais feliz.

Três deveres se impõem, pois, àqueles que são chamados a esse estado; um grande reconhecimento, uma santa altivez, e uma completa fidelidade.

P. – Obrigação de reconhecimento porquê?

R. – Por ser um dom absolutamente gratuito de Deus esse chamamento a uma vida mais perfeita e feliz. É o efeito da predileção divina que os escolheu entre a grande multidão.

Aqueles que são objeto desta complacência divina, não devem atribuí-la a eles próprios, mas dizer a Deus, com o coração a transbordar de reconhecimento: “Bem-aventurado o que escolhestes, porque ele habita no átrio da Vossa divina morada” (Ps. LXIV).

P. – Um santa altivez, porquê?

R. – Porque não há nada que se iguale à glória da aliança para que foram convidados.

Jesus Cristo, já o dissemos, considera-se esposo das virgens. – Por isso elas podem repetir com Santa Ignez: “Jesus Cristo deu-me o seu anel como um presente de amor: e, como a uma esposa, adornou-me com a sua coroa” (Brev. rom., 21 de Janeiro).

Razão tem S. Jerônimo, em vista de semelhante dignidade, para dizer á virgem cristã: “Esposa de Jesus Cristo, enche-te de santa altivez!” (Ep. ad Eust. de Virg., circa med.).

P. – E como cumprir o dever d’uma completa fidelidade?

R. – Repelindo com horror tudo aquilo que lhe seja contrário. Aqueles que tiverem a felicidade de renunciar ao casamento por amor de Jesus Cristo devem responder, portanto, a qualquer solicitação como Santa Domitila ao conde Aureliano: “Para me dar a Aureliano, deveria deixar o Rei do Céu; que loucura!” Ou ainda o que a amável Ignez respondeu ao filho do prefeito de Roma: “Afasta-te, veneno de morte; o meu coração pertence já a outro amante. Sou noiva daquele que os anjos servem cuja beleza o sol e a lua admiram”.

EXTRATOS

I – Definição da virgindade – Uma página de Santo Agostinho, comentada por Bossuet. – Perguntai aos doutores com definem a virgindade cristã. Responder-vos-ão: unanimemente que ela é uma imitação da vida dos anjos, que leva os homens a elevarem-se acima do corpo, pelo desprezo de todos os seus prazeres, erguendo de tal sorte a carne que ela iguala de algum modo, se ousamos dizê-lo, a pureza dos espíritos. ò grande Santo Agostinho: explicai-vos e fazei-nos compreender, numa palavra, o apreço em que tendes as virgens. Eis aqui uma bela frase: Habent aliquid jam non carnis in carne: Têm na carne, diz ele, alguma coisa que não é da carne, e mais pertence ao anjo do que ao homem. Vedes, pois, que, segundo este padre, a virgindade é como um meio entre os espíritos e os corpos e nos faz aproximar das naturezas espirituais (Bossuet, Panegirico de S. José, Depositum custodi, prim. parte).

II – Predileção de Nosso Senhor pela virgindade. – Que eloquência poderá exprimir o amor de Jesus Salvador pela santa virgindade? Ele foi concebido na eternidade por uma geração virginal; nascendo no tempo, não quer mãe que não seja virgem; celebrando a Páscoa, encosta ao seu coração um discípulo virgem, e inebria-o de prazeres celestes; morrendo na cruz, apenas distingue com as suas últimas palavras as virgens; reinando na sua glória, quer ter aas virgens em sua companhia.

“São as virgens, diz S. João, no Apocalipse, (Apoc, XIV, 4) quem segue o cordeiro por toda a parte”, acompanhando os seus passos de piedosos cânticos. Jesus não tem templos mais belos do que aqueles que a virgindade lhe consagra; é ali que ele se compraz em repousar (Bossuet, id. p. 287).

III – Pensamentos de Montalembert sobre a virgindade. – “Sim, desde o começo do nosso século que todos os dias milhares de criaturas amadas saem dos castelos e das cabanas, dos palácios e das fábricas para oferecerem a Deus o seu coração e a sua alma, o seu corpo virginal, a sua ternura, a sua vida. Aqui, e em toda a parte, não se passa um dia, sem que donzelas de grande fortuna e grande coração e outras de coração ainda maior do que a fortuna, se dêem logo no alvorecer da vida a um esposa imortal.

“É a flor do gênero humano; flor contendo ainda a sua gota de orvalho que só refletiu o raio do sol nascente e que nenhuma poeira terrestre manchou ainda; flor rara e encantadora que, mesmo de longe, inebria com o seu perfume casto, ao menos por momentos, as almas mais vulgares. É a flor, mas é também o fruto; é a selva mais pura, o sangue mais generoso da estirpe de Adão, pois todos os dias essas heroínas alcançam as mais estupendas vitórias, graças à energia mais corajosa, capaz de arrancar a criatura aos instintos terrestres e aos bens mortais…

“Debalde os espoliadores e demolidores começarão a sua obra: a castidade dedicada recomeçará também a sua. nas águas furtadas ou nas cavas dos palácios habitados pelos triunfadores de amanhã, acima de sua cabeças ou debaixo de seus pés, não deixará de haver virgens que jurarão a Jesus Cristo só a Ele pertencerem, e que cumprirão esse juramente à custa da própria vida, se tanto for preciso.

“Neste século de tanta fraqueza e de universal decadência, essas mulheres vitoriosas encontraram, conservaram o segredo da força e, não cessemos de repeti-lo, na fraqueza do seu sexo manifestam a energia máscula e perseverante que no falta para encarar de frente e dominar o egoísmo, a cobardia, o sensualismo do nosso tempo e de todos os tempos. Essa missão, cumprem-na elas com triunfante e casta ousadia” (Les Moines d`Occident, t. V, pag. 317).

* * *

Na página que segue, toda emoção, o autor conta a despedida de sua filha e a sua entra no convento:

“Certa manhã, ela levantou-se e veio dizer a seus pais:

“Adeus. Está tudo acabado. Vou morrer, morrer para vós, para toda a gente. Nunca serei esposa nem mãe; deixarei até de ser vossa filha; Só pertencerei de hoje em diante a Deus.

“Nada a retém. Statim relictis retibus et patre, secuta est eum! Ei-la que surge já preparada para o sacrifício, resplandecente e encantadora, de sorriso angélico nos lábios, com uma decisão serena, radiante de graça e frescura, verdadeira obra, prima da criação.

“Ufana desses seus últimos e risonhos atavios, intrépida e radiosa, caminha para o altar, ou antes, corre para ele, voa para ele como o soldado ao assalto, a custo contendo a febre que a devora, para curvar a fronte debaixo desse véu que lhe será um jugo para o resto da vida e, ao mesmo tempo, a coroa da sua eternidade.

“Está tudo consumado: e ei-la que transpôs o abismo com o ardor, a espontaneidade, a renúncia generosa que é a glória da juventude, com esse entusiasmo invencível e puro que coisa alguma pode extinguir ou igualar, neste mundo.

“Mas quem é esse amante invisível, morto num patíbulo há dezenove séculos, que assim atrai a juventude, a beleza e o amor? que se mostra às almas com um esplendor e um encanto a que elas não podem resistir? que de súbito se precipita sobre elas e as arrebata? que se apodera da carne palpitante da nossa carne e se banha no nosso sangue mais puro? É um homem? Não, é um Deus. Eis o grande segredo, a chave deste sublime e doloroso mistério. Só um Deus pode alcançar semelhantes triunfos e merecer tais abandonos. Este Jesus, cuja divindade é insultada todos os dias, ou negada, todos os dias a testemunha, entre mil outras provas, por esses milagres de desinteresse e coragem que se chamam – vocações. Para o recompensar do dom que ele nos faz de si mesmo, dão-se a ele corações jovens e inocentes; e esse sacrifício que nos prende à cruz, não é senão a resposta do amor humano ao amor d’um Deus que se fez crucificar por nós” (Les Moines d’Occident, t. V, pag. 383-385).

Catecismo do Matrimônio por P. Joseph Hoppenot, S. J., Obra aprovada por 48 cardeais, arcebispos e bispos de França e Bélgica, 1928.

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