Ó meu bom Deus, salvai-me (1); salvai-me, que por instantes estou perecendo: vejo-me quase submergido nesta horrorosa tempestade (2), e por momentos me vejo ir ao fundo: já quase que não posso fazer mais força para resistir ao ímpeto das ondas, que, sem cessar, sobre mim se revolvem para submergir-me. Forcejo, mas falta-me já o ânimo e alento para. sustentar o meu coração ao de cima destas ondas (3). Senhor, Senhor, vinde depressa em meu auxilio, e dai -me a mão, que me sinto já soçobrado.
As ondas desta tormenta se têm empolado cada vez mais: já as águas amargosas da minha tribulação me têm repassado até às entranhas (4): não há dentro em mim doçura, nem consolação, nem paz, nem alegria, nem ordem; nem sinto a presença de vosso suave espírito, que me tranquilizava: tudo dentro em mim é tumultuoso; e a mesma tempestade, que por fora me cerca, por dentro me perturba: tudo dentro em mim é amargura, e amargura tudo o que vejo à roda de mim. Se volto os olhos em redondo, por toda a parte vejo mar (5); mar alto, onde não posso descobrir praias nem limites ao meu padecer: não vejo remedia, nem ainda o caminho por onde possa vir a tê-lo. Só Vós, meu Deus, me podeis acudir; só a Vós, clamarei do profundo da minha tribulação; e, mais que as minhas vozes, falarão as minhas lágrimas, dará gemidos o meu coração aflito. Ó meu Deus, e como pusestes alto (6), como pusestes distante o meu refugio! Clamo a Vós, e não me ouvis; repito e com bem lágrimas, os meus clamores; e Vós, que sois a suma bondade e clemência, parece que endurecestes para mim o vosso coração. Se me é lícito, Senhor, direi com o Santo David, que a minha alma enrouquece de clamar por Vós (7): até os meus olhos já estão cansados de olhar para o céu, esperando ó Voss auxílio (8). Porém Vós, Senhor, destes a mão ao vosso Apostolo, quando se ia quase submergindo nas ondas; e não me acudireis a mim, clamando, como ele, a Vós!
Os meus inimigos cercam-me por toda a parte, e não tenho por onde possa escapar à sua fúria: toda a terra e o inferno parece que se têm posto em campo contra mim só. Que terrível consternação! Os demônios tentam-me, os homens perseguem-me, o céu não me ouve, as próprias paixões se amotinam umas contra as outras, e, como feras assanhadas dentro da prisão, despedaçam-se; e o pobre coração padece todo esse dano e experimenta o estrago. Eu mesmo sou contra mim, e, sem o querer, me faço o maior mal; e neste desamparo quem me há de socorrer, Deus meu, senão Vós? Cada hora é uma nova batalha; nem repouso me dão, nem sossego, os meus inimigos: umas sobre outras, chovem as setas, que me ferem e magoam: já não há em meu coração lugar para novas feridas; mas umas, caindo sobre as outras, as vão agravando, e cada vez é mais agudo o meu sentimento. Ah pobre de mim, miserável de mim! Ai, infeliz, se Vós me não valeis, Deus de amor, Deus de bondade, Deus de clemência! Senhor, que escutais os meus gemidos, que vedes os meus trabalhos: Senhor, que estais junto a mim no meio da minha tribulação; fazei que eu sinta os doces efeitos da vossa presença: não Vos escondais, Deus meu no tempo de tanta aflição; e neste aperto grande em que me vedes, cumpre, que é tempo, a vossa palavra, que dissestes pelo Profeta (9): Com ele estarei na tribulação, eu o livrarei e farei bem-aventurado.
Tesouro da Paciência nas Chagas de Jesus Cristo ou Consolação da Alma Atribulada na Meditação das Penas do Salvador, Padre Theodoro de Almeida da Congregação do Oratório, 1902.
(1) Ps. 68, 2 : Salvum me fac Deus.
(2) Vers. 3 : Et tempestas demersit me.
(3) Vers. 3: Infixus sum in limo profundi: et non est substancia.
(4) Vers. 2 : Quoniam intraverunt aquæ usque ad animam meam.
(5) Vers, 3 : Veni in altitudinem maris.
(6) Ps. 90, 9 : Altissimum posuisti refugium tuum.
(7) Ps. 68, 4 : Laboravi clamans; raucae factae sunt fauces meae.
(8) Ps. 68, 4 : Defecerunt oculi mei, dum spero in Deum meum.
(9) Ps. 90, 15 : Cum ipso sum in tribulatione , eripium eum et glorificabo eum.