A devoção à Santíssima Virgem

Diego Velázquez, Coroação da Virgem [croped], entre 1635 e 1636, Museo del Prado, Domínio Público, Wikimedia Commons

1. Necessidade da devoção à Virgem Maria. – 2. Caracteres desta devoção; a) Confiança na Virgem; b) Imitação da Virgem; c) Recitar-lhe certas preces; d) Constância na sua devoção; – 3. A consagração a Jesus por Maria.

1. Depois de vos haverdes persuadido de que em Cristo está a nossa salvação, e na imitação d’Ele a nossa santificação; depois de saberdes que o amor de Cristo é o nosso fim último, e que, pela comunhão, cobrareis forças para perseverar, parece que não havia mais do que pedir, e, todavia, quase falta o principal.

Tereis observado que sempre terminamos as nossas explicações com três Ave-Marias, e que muito a miúdo vos falo da Virgem. É, meus filhos, que Ela há de estar em tudo o que de bom fizerdes, se quiserdes agradar a Jesus.

Porquanto haveis de saber que tudo quanto Jesus nos dá, no-lo dá por intermédio de Sua Mãe; Ele se vestiu da nossa carne por meio de Sua Mãe; tudo o que se deduz da Encarnação do Verbo chega a nós em forma de dádiva preciosa por meio de Sua Mãe. Quão excelente será, pois, e necessária a devoção à Mãe de Deus! É vontade de Deus que as riquezas que Ele tem por natureza, Ela as tenha por graça.

Para me entenderdes, figurai um Rei que manda na vida e na morte dos seus vassalos, e os alimenta e os defende; mas, como ele ama muitíssimo sua mãe, quer que ela goze, a respeito dos vassalos, dos mesmos direitos e autoridade que ele. Como ela não é severa nem carrancuda, antes é toda doçura e piedade, os vassalos, que lhe conhecem o fraco, quando procuram reconciliar-se com o Rei por alguma ofensa que lhe fizeram, recorrem à mãe, ela recorre ao filho pedido perdão, e tudo sai como uma seda, porque o filho não sabe negar nada a ela.

Isto faz a Virgem. Como Jesus Cristo, embora esteja vestido da nossa carne, sempre é Deus, sentimos um pouco de medo quando o havemos ofendido. Então recorremos à Virgem, e Ela que é nossa Mãe, nos reconcilia com Jesus.

Mas não só nos reconcilia com Jesus, seu Filho, mas nos consegue d’Ele inúmeras graças; por isso, quem acha Maria acha o maior tesouro, porque, nela e por Ela, acha Jesus Cristo. Maria é, pois, o meio para chegarmos a Jesus. Já sei, e vós também o sabeis, que o nosso Mediador junto a Deus é Jesus, porque é Deus e Homem ao mesmo tempo; mas Deus quer que vamos a Ele pelo mesmo meio pelo qual Ele veio a nós, pela Virgem Maria.

Um vez havia um menino faminto que pedia o pão de porta em porta, e não lho davam. Morto de fome, ele saiu para o campo e chegou aonde havia uma árvore. No mais alto da árvore havia frutos maduros, frutos que pareciam dizer ao pobrezinho: “Sobe e come-nos”. Subir! Mas quem era lá capaz de subir? O tronco era sem apoio, e com pontas aceradas além disso. O menino faminto experimentou subir. Impossível! Já começava a desesperar, quando viu ali pertinho uma escada de mão. Toma-a, encosta-a à árvore e, num instante, sobe até o topo, e, noutro instante, transfere uma boa porção de rica fruta dos galhos para o seu estômago, de modo que, quando desceu da árvore, a sua pancinha, antes funda e triste, estava agora redondinha e bem cheia, e ele contente e prometendo-se voltar à árvore quando a fome o apertasse.

A árvore representa Deus Nosso Senhor; as frutas, os seus dons; as pontas ou espinhos do tronco, a sua justiça; o menino faminto, a pobre humanidade, faminta de felicidade que não lhe dão as criaturas, como ao menino as pessoas não davam o pão que ele pedia de porta em porta. Finalmente, o menino, ou seja, a humanidade, chega debaixo da árvore, olha para Deus, mas ai! Ele está muito alto e é preciso uma escada: a escada é a Virgem Maria; por ela o menino sobe à árvore, por Ela o homem ascende a Deus. Sem essa escada, impossível subir; sem a Virgem Maria, impossível chegar a Deus. “É, pois, necessária a devoção à Virgem para alcançar a salvação” (1).

Agora que, ouvindo as minhas práticas, chegastes a fazer atos de amor de Deus e concebestes desejos de possuir Jesus Cristo, como conseguireis isto sem uma devoção grandíssima à Virgem Maria?

Como Maria é Filha do Pai, Mãe do Filho e Esposa do Espírito Santo, de certo modo é dona dos tesouros infinitos das Pessoas divinas. Que pode o Pai negar a Sua Filha? Que pode o Filho negar a Sua Mãe? Que pode o Espírito Santo negar a Sua Esposa? Além disto, embora Ela não o haja pedido, é vontade de Deus que todas as Suas graças nos venham por intermédio d’Ela.

A governante de casa rica tem tudo da casa nas suas mãos. As crianças o sabem, e procuram ser muito amigas dela. Se querem uma guloseima, festejam a governante, e ela lhes dá a guloseima; se querem um brinquedo, ela tem a chave, e é preciso recorrer a ela. O mesmo se dá com a Virgem: Ela tem as chaves dos tesouros de Deus. Pois tratemos de ganhar-lhe o coração.

Ganhar-lhe o coração! ó minha Rainha e minha Mãe muito amada do meu coração! Ganhar-te o coração, quando Tu no-lo ofereces risonha dizendo-nos: Eu sou vossa Mãe, “a Mãe do belo amor e da santa esperança”!

Recorrei, pois, sem temor a nossa Mãe. Ignorais que a mãe só sabe perdoar? Sobejamente o sabeis, vós as crianças… Quando fazeis uma travessura das de maior calibre, e o papai se zanga, vós, que conheceis o fraco da mamãe, recorreis a ela para vos livrar do castigo do papai. Às vezes sucede ao revés; mas o comum é recorrerdes à mamãe como ao vosso escudo. Ademais, fazeis este cálculo: “Como mamãe tem menos força, mesmo que ela me bata, não de doerá tanto”. Enfim, nisto e noutras particularidades ligadas ao castigo, sois muito espertos e avisados.

Pois bem: isto que fazeis com vossos pais deveis fazê-lo com Deus e com a Virgem Maria. Às vezes vossas maldades vos confundirão, e talvez digais: “Pode ser que Deus me castigue. É justíssimo, e ai de mim se Ele me toma nos seus braços vingadores!” Então recorrei à Virgem Maria: Ela é só misericórdia: boa, benigna, Mãe dos pecadores… Quem não confiará n’Ela? Ditoso o menino que tenha devoção verdadeira a tão boa Senhora!

2. Persuadidos de que a devoção à Virgem é uma verdadeira necessidade para nos salvarmos, persuadidos, além disso, de que quem encontra esta devoção encontra um verdadeiro tesouro, vejamos em que é que ela consiste, e quais são as qualidades que a caracterizam.

a) A primeira condição para se ser verdadeiramente devoto da Virgem Maria é a confiança n’Ela. Diz São Bernardo: “Quem há que, havendo-a invocado devotamente, não o haja Ela escutado?” Estai seguros de que, cada vez que recorreis a Ela, Ela vos escuta e acolhe as vossas súplicas, apresentando-as imediatamente a seu Filho, que, vendo-as vir por meio daquelas mãos, imediatamente as despacha favoravelmente. Como não confiar n’Ela?

Por isso os seus devotos recorrem a tão doce Mãe em todas as aflições. Esta confiança, embora muito maior, é algo parecida com a que a criança tem em sua mãe. Qualquer o acidente que lhe suceda, qualquer o perigo que a ameace, ela imediatamente diz: “Mamãe!” Assim, nas nossas necessidades, terrores e dúvidas, recorremos à Mamãe do céu, que nos socorrerá incontinente.

b) A devoção à Virgem deve, além disso, ser santa, imitando-a nas suas virtudes. Um pequeno que recorre à Virgem e lhe reza e lhe diz que a ama, se não procura imitá-la nas suas virtudes, mas, antes, a ofende com pecados, esse não é devoto da Virgem; é um impostor e enganador.

Imaginai um menino que diz a sua mãe mil ternuras, misturadas com mil afagos, mas de repente lhe bate e a injuria. Esse menino não ama sua mãe, é um hipócrita e um malvado. Assim o menino que diz ser amante da Virgem e a ofende e não a imita, vilão é e falso devoto.

As principais virtudes da Virgem são: humildade, obediência, castidade, oração, caridade, paciência, e angélica doçura. Sede humildes e puros, orai, amai e obedecei, à imitação d’Ela. Se não o sois, procurai sê-lo, e, se cairdes, levantai-vos quanto antes e segui adiante. Então, sim, e que tributareis o verdadeiro caminho da devoção à Virgem.

c) Convém lhe reciteis certas preces, porque não entendo como se possa ter amor a uma pessoa sem se comunicar com ela.

A oração principal à Virgem é a Ave-Maria. Nos ofícios litúrgicos, a Igreja repete-a com frequência, e não há ato de devoção de certa importância em que não se diga esta saudação e prece. Sempre deveis ter esta bela oração na boca. Ao sair de casa, em qualquer aflição, nas vossas tentações, dizei a Ave-Maria.

Ótimo seria que, antes de vos deitardes e ao vos levantardes pela manhã, de joelhos e com muita devoção rezásseis cada dia, sem faltar um só, de manhã e á noite, três Ave-Marias, pedindo à Virgem o seu auxílio, sobretudo na hora da morte: a primeira Ave-Maria pelo poder que Ela recebeu do Pai; a segunda, pela sabedoria que lhe comunicou o Filho; a terceira, pelo amor e misericórdia que lhe deu o Espírito Santo. Lembrar-vos-eis? Repito-o. A primeira Ave-Maria, pelo poder que Ela recebeu do Pai; a segunda, pela sabedoria que recebeu do Filho; a terceira, pelo amor e misericórdia que Ela recebeu do Espírito Santo. É de tanta eficácia esta breve devoção, que por meio dela se hão visto coisas maravilhosas: conversões de pecadores, mortes santas, toda sorte de empreendimentos espirituais levados a feliz termo. Praticai, meus filhos, esta tão grande quão simples devoção; recomendo-vo-la muito. De hoje em diante ides começá-la, ou continuá-la com mais fervor, como um dos frutos dos Exercícios.

Outra devoção à Virgem, a principal entre todas, é o rosário ou o terço. – Mas como é comprido, e como custa! – direis. Mais comprido e mais custa o purgatório, e de quantas penas do purgatório vos livrareis com rezá-lo, e quantas almas livrareis que só esperam o vosso terço para saírem daquele terrível cárcere! Comprido e difícil?

Era uma vez um pequeno a quem a rainha havia dado audiência e havia dito que trouxesse uma lista bem longa, quanto mais longa melhor, de tudo o que ele desejava, pois ela lhe concederia tudo e ainda mais. O pequeno fez a sua lista bastante longa e complicada. Lia-a para si e dizia:

– Que comprida! Oxalá fosse mais curta!

– És tolo em demasia – dizia-lhe sua mãe. – Não é para teu bem? Não sabes que a rainha te há de dar quanto lhe pelas na lista? Pois quanto mais comprida, melhor, tolinho.

Assim fazem os meninos que dizem ser longo e pesado o terço. Não vedes, meus filhos, que pelo terço ou rosário pedis à Virgem a vossa salvação e os verdadeiros bens, que são os bens do espírito, e além disso a cumulais de louvores? Pois quanto mais louvor e quanto mais petição, melhor; tereis mais riquezas para a glória. Porém deveis, isto sim, rezar com devoção. Lembrai-vos do que eu vos disse ao tratar da oração vocal: que rezar voluntariamente distraídos e atabalhoadamente não é rezar, mas zombar de Deus. Rezai bem o rosário ou o terço, e, se não haveis de rezá-lo, rezai outra devoção mais curta, porque mais vale uma só Ave-Maria com devoção do que cem ditas de qualquer maneira.

d) De pouco serviriam estas devoções se nelas não fôsseis constantes. “A verdadeira devoção à Virgem, diz o Beato Grignon de Montfort, é constante; confirma uma alma no bem e leva-a a não abandonar facilmente as práticas de devoção; torna-a animosa para se opor ao mundo, ao demônio e à carne. Não quer dizer que ela não caia, alguma vez, nos seus hábitos; mas, se cai, levanta-se em seguida, estendendo a mão à sua boa Mãe.”

3. No decurso destes Exercícios tereis notado que sempre tendemos a um fim, a sermos de Jesus Cristo, a copiá-lo em nós, a entregarmo-nos a Ele por completo. As explicações de “O fim do homem”, do “Reino de Cristo”, da “Paixão”, do “Amor a Cristo”, e mesmo o fundo de todas as outras, vão a este fim, a nos entregarmos a Jesus Cristo. Mas eu vos disse há pouco que, para nos chegarmos a Jesus Cristo, sendo Ele, como é, Deus, necessitamos de um meio, que é a Virgem Maria. Mas agora vos digo que, para nos entregarmos a Cristo, necessitamos parecer-nos com Ele parecendo-nos com quem com Ele mais se pareceu, com quem recebeu em seu próprio ser os traços de Cristo, como o molde tem os traços do objeto moldado. Esta criatura perfeita é a Virgem Maria. É preciso entregarmo-nos a Ela, se nos quisermos entregar a Cristo. Bem vos dizia eu que ao terminarem os Exercícios, faltava o principal.

Esta, meus filhos, é a devoção mais excelente à Santíssima Virgem, e a que vos peço adoteis como coroa e remate dos Exercícios: a consagração de vós mesmos a Jesus Cristo pela consagração à Santíssima Virgem; a Cristo por Maria.

Que é que entregais à Virgem por esta consagração? Entregais-lhe o vosso corpo com seus membros e sentidos, entregais-lhe a vossa alma, entregais-lhe tudo o que tendes tanto no corporal como no espiritual. Os vosso brinquedos, os vossos livros, as vossas roupas, a vossa casa… tudo. Da alma, as vossas pequenas virtudes, as vossas mortificações, os vossos méritos do céu. Tudo podeis nas mãos d’Ela.

Quando se ama deveras uma pessoa, entrega-se-lhe tudo, tudo. E não custa nada entregar-lhe tudo, porque já se lhe deu o coração, que é o principal. Por isto, os que sabem que são amados não costumam agradecer quando recebem: às vezes sorriem. É o melhor prêmio para o amante. Vós outros que amais a Virgem, porque é impossível conhecê-la sem amá-la, estou certo de que lhe direis:

– Minha Mãe, tudo o que é meu é teu. Aquele cavalo de papelão, aquela espada, aquela boneca… tudo, tudo é teu. Se quiseres tirar-mos, levai-os. Gosto deles, sim; porém gosto mais de dá-los a ti.

– Que singularidade! – direis. – Para que quererá a Virgem esses brinquedos?

Claro que para nada, pois no céu os anjinhos não brincam nem se entretêm com essas bagatelas. Mas, ao dizer-vos que lhe entregueis tudo, quero dizer que, se a Ela aprouver que vos despojeis das vossas ninharias, para lhe agradar despojai-vos de tudo. neste sentido é que lhe entregais tudo.

Ademais, entregar-lhe-eis, e isto já é mais caro, os vossos membros e sentidos; de modo que, se à Virgem aprouver despojar-vos deles e mesmo da vida, devereis estar prontos a pôr tudo nas mãos d’Ela.

– Queres a minha vida, minha Mãe? É tua: bem sabes que la entreguei. Queres os meus olhos? São teus. Por que é que eles não cegam antes que ver com gosto certas maldades? Queres os meus méritos e a pobreza das minhas virtudes? Oh! Virgem soberana, que jóia de ouro falso levas! Mas toma o que é teu; distribui a teu gosto os meus pequenos tesouros espirituais entre as almas do purgatório. Enfim, faze o que quiseres de mim e comigo.

E agora, assim, com tais disposições, apresenta-me a Jesus Cristo, porquanto, se por tuas mãos eu for preparado, a minha consagração a Ele será a mais perfeita possível.

Tal é o significado da consagração a Jesus Cristo por intermédio de Sua Santíssima Mãe e Mãe nossa. Quisera que vos penetrásseis bem dela. Repetir-vo-la-ei condensando-a em poucas palavras. Ouvi-me.

no último ato dos Exercícios consagrar-vos-eis a Jesus Cristo, consagrando-vos a Maria, pela entrega de tudo quanto sois e valeis, como os que amam se entregam sem reserva, completamente. Entendestes?

Agora recorrei a tão boa Mãe e pedi-lhe, pela consagração que lhe fareis no último ato dos Exercícios, que vos faça completamente seus, e para isto rezai comigo três Ave-Marias.

Exercícios Espirituais para Crianças, com um Apêndice de Exercícios Preparatórios para a Primeira Comunhão por Fr. Manuel Sancho Mercedário, 1955.

(1) São Luís Maria Grignon de Montfort: A verdadeira devoção à Santíssima Virgem, n. 1.

Última atualização do artigo em 12 de março de 2025 por Arsenal Católico

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