A Festa de Nossa Senhora do Carmo prende-se intimamente à Ordem Carmelitana, cuja origem remonta aos tempos antigos, envolvidos em nuvens de venerandas lendas. A Ordem dos Carmelitas tem por propósito especial o culto da Mãe de Deus, Maria Santíssima, e pretende ter origem nos tempos do profeta Elias. Não é este o lugar de alegar os argumentos pro e contra esta piedosa opinião ou digamos mesmo, convicção dos religiosos Carmelitas.
Está fora de dúvida que o paganismo anticristão não estava sem conhecimento das promessas messiânicas. A Mãe do Salvador vendo-a preconizada pelas Sibilas, simbolizada pelas imagens de Ísis e venerada nos mistérios pagãos. Suposto isto, causaria estranheza, se o povo de Deus, possuidor das profecias mais claras e especializadas sobre a Mãe-Virgem, a vencedora da serpente, não tivesse tido palavra, instituição nenhuma, que dissesse respeito à Mãe do Salvador. De fato, na Ordem Carmelitana é guardada a tradição, segundo a qual o profeta Elias, vendo aquela nuvenzinha, que se levantava no mar, bem como a pegada do homem, teria nela reconhecido o símbolo, a figura da futura Mãe do Salvador. Diz mais a tradição, que os discípulos de Elias, em lembrança d’aquela visão do mestre, teriam fundado uma Congregação, com sede no Monte Carmelo, com o fim declarado de prestar homenagens à Mãe do Mestre. Essa Congregação ter-se-ia conservado até os dias de Jesus Cristo e existido com o título de Servos de Maria.
Santa Tereza, a grande Santa da Ordem Carmelitana, reconhece no profeta Elias o fundador da Ordem.
Historicamente documentadas são as seguintes datas da Ordem de Nossa Senhora do Carmo. Foi no século XII que o calabrês Bertoldo, com alguns companheiros, se estabeleceu no Monte Carmelo. Não se sabe se encontraram lá a Congregação dos Servos de Maria ou se fundaram uma deste nome; certo é que receberam em 1209 uma regra rigorosíssima, aprovada pelo Patriarca de Jerusalém – Alberto. Pelas cruzadas esta Congregação tornou-se conhecida também na Europa. Dois nobres fidalgos da Inglaterra convidaram alguns religiosos do Carmelo, a acompanhai-os e fundar conventos na Inglaterra, o que fizeram.
Pela mesma época vivia no condado de Kent um eremita, que, havia vinte anos, habitava na solidão, tendo por residência o tronco oco de uma árvore. O nome desse eremita era Simão Stock. Atraído pela vida mortificada dos carmelitas recém-chegados, como também pela devoção Mariana, que aquela Ordem cultivava, pediu admissão, como noviço, na Ordem de Nossa Senhora do Carmo. Em 1225, Simão Stock foi eleito Coadjutor cio Superior Geral ela Ordem, já então bastante conhecida e espalhada.
A Ordem começou a sofrer muita oposição, e Simão Stock fez uma viagem a Roma. Honório III, avisado em misteriosa visão, que teve de Nossa Senhora, não só recebeu com toda diferença os religiosos carmelitas, mas aprovou novamente a regra da Ordem. Simão Stock visitou depois os Irmãos da Ordem, no Monte Carmelo, e demorou com eles seis anos.
Um Capítulo geral da Ordem, realizado em 1237, determinou a transferência para a Europa de quase todos os religiosos, os quais, para se verem livres das vexações dos Sarracenos, procuraram a Inglaterra, onde a Ordem possuía já 40 conventos.
No ano de 1245, foi Simão Stock eleito Superior Geral da Ordem e a regra teve a aprovação do Papa Inocêncio IV.
A Ordem de Nossa Senhora do Carmo, colocada sob a proteção imediata ela Santa Sé, começou então a ter uma aceitação extraordinária no mundo católicos. Para isto concorreu poderosamente a irmandade do Escapulário, que deve a fundação a Simão Stock.
Homem de grandes virtudes, privilegiado por Deus com os dons da profecia e dos milagres, empregou Simão Stock toda energia para propagar, na Ordem e no mundo inteiro, o culto mariano. Sendo devotíssimo a Maria Santíssima, desejava obter da Rainha celestial um penhor visível de sua benevolência e maternal proteção. Foi aos 16 de julho de 1251 que, estando em oração fervorosa, a renovar o pedido, Nossa Senhora se dignou de aparecer-lhe. Rodeada de espíritos celestes, veio trazer-lhe um escapulário. “Meu dileto Filho – disse-lhe a Rainha do céu – eis o escapulário, que será o distintivo da minha Ordem. Aceita-o como um penhor do privilégio, que alcancei para ti e para todos os membros da Ordem do Carmo. Aquele que morrer vestido deste escapulário, estará livre do fogo do inferno”.
Estando-lhe assim satisfeita a maior aspiração, Simão Stock tratou então de divulgar a irmandade do escapulário e convidar o mundo católico a participar dos grandes privilégios, anexos. Extraordinária foi a afluência a tão útil instituição. Entre os devotos do escapulário de Nossa Senhora do Carmo, veem-se Papas, Cardeais e Bispos. Numerosos têm sido os príncipes que pediram ser inscritos na irmandade, como Eduardo III da Inglaterra, os imperadores da Alemanha, Fernando I e II, diversos reis da Espanha, de Portugal e da França, e ainda muitas rainhas e princesas de diversas nações. O escapulário teve uma aceitação favorável e universal entre o povo católico. Neste sentido só é comparável ao rosário. Como este, também teve adversários; como o rosário, também o escapulário tem sido agredido com todas as armas da impiedade da malícia, do escárnio e do ódio. Mas também, como o rosário, tem experimentado o efeito poderosíssimo da proteção da Mãe ele Deus; só assim é explicável o fato de ter o escapulário passado incólume, através de 600 anos e hoje em dia, mais do que nunca, gozar da predileção do povo cristão.
Se bem que a visão que S. Simão Stock afirma ter tido de Nossa Senhora, não possua o valor da autoridade de artigo de fé, tão averiguada se apresenta, que desarma qualquer dúvida que a respeito possa subsistir.
É relatada com todas as minúcias pelo confessor do Santo, Padre Swainton. Aprovada por muitos Papas, a irmandade do escapulário foi grandemente elogiada por Benedito XIV; mais de cem escritores dos séculos 13, 14 e 15, dos quais alguns que não pertenciam à Ordem Carmelitana, se lhe referem a visão de Simão Stock – como a como a um fato que não admite dúvida. As universidades mais célebres, as de Paris e Salamanca, declararam-se igualmente a favor.
Dois decretos da Cúria Pontifícia, exarados pelos Cardeais Belarmino e de Torres, declararam autêntica e verídica a biografia de S. Simão Stock, que contém a narração da maravilhosa visão.
Dois são os grandes privilégios da irmandade do escapulário, privilégios deveras extraordinários, que mereceram a instituição tão grande simpatia da parte do povo cristão. O primeiro desses privilégios Maria Santíssima frisou-o bem, quando, no ato da entrega do escapulário disse ao seu servo São Simão Stock: “É este o sinal do privilegio, que alcancei para ti e para todos os filhos de Carmelo. Todos aqueles que na hora da morte estiverem revestidos com este habito, ver-se-ão salvos do fogo do inferno”. O sentido desse privilégio é este: Maria Santíssima promete a todos que usam o habito do Carmo, sua proteção especial, principalmente na hora da morte, que decide sobre a sorte na eternidade. O pecador, portanto, por mais miserável que seja, pondo a confiança em Maria Santíssima e vestindo o seu habito, tendo aliás a intenção firme de sair do estado do pecado, pode seguramente contar com o auxílio de Nossa Senhora, a qual lhe alcançará a graça da conversão e da perseverança. O escapulário não é um amuleto, que assegure, sob qualquer hipótese, a salvação de quem o usar. Contam-se por milhares as conversões de pecadores na hora da morte, atribuídas unicamente ao escapulário de Nossa Senhora do Carmo; muitos também são os casos que mostram à evidência, que privilégio nenhum favorece a quem, de maneira nenhuma, se quer separar do pecado e levar uma vida digna e cristã. Santo Agostinho diz a verdade, quando ensina: “Deus, que nos criou sem nossa cooperação, não nos pode salvar sem que o queiramos e desejemos”. Quem não quer deixar de ofender a Deus, morrerá na impenitência; e se Maria Santíssima não vir possibilidade alguma de arrancar a alma do pecador aos vícios e paixões, fará com que na hora da morte, por uma casualidade qualquer, não se encontre o habito salvador, o que se tem dado muitas vezes.
O segundo privilégio é o tal chamado “privilégio sabatino”. Um decreto da Santa Inquisição romana, datado de 20 de Janeiro de 1613, dá aos sacerdotes da Ordem Carmelitana autorização para pregar a seguinte doutrina: “O povo cristão pode crer no auxílio que experimentarão as almas dos irmãos e membros da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo, auxílio este, segundo o qual todos aqueles que morrerem na graça do Senhor, tendo em vida usado o escapulário, conservado a castidade própria do estado, recitado o Ofício Parvo de Nossa Senhora, ou se não souberem ler, tiverem observado fielmente o jejum eclesiástico, bem como a abstinência nas quartas-feiras e sábados (exceto se a festa de Natal cair num desses dias), serão socorridos por uma proteção extraordinária da Santíssima Virgem, no primeiro sábado que se lhe seguir ao trânsito, por ser sábado o dia da semana consagrado a Nossa Senhora.
Desse privilégio faz menção o ofício divino da Festa de Nossa Senhora do Carmo, aprovado pelo Papa Clemente X e Benedito XIII. “A bem-aventurada Virgem – diz o ofício – não se limitou a cumular de privilégios aqui na terra a Ordem Carmelitana. Com carinho verdadeiramente maternal, ela, cujo poder e misericórdia em toda parte são muito grandes, consola também, como piedosamente se crê, aqueles filhos no purgatório, alcançando-lhes o mais breve possível a feliz entrada na pátria celestial”.
Para que se torne membro da Irmandade, é necessário cumprir as seguintes condições:
1. Inscrição no registro da Irmandade.
2. Ter recebido o escapulário das mãos de um sacerdote habilitado para fazer a recepção e usá-lo com devoção.
No caso da mudança de um escapulário velho e gasto por um novo, este novo não carece de bênção. Quem, por descuido, deixou de usar por algum tempo o escapulário, participa dos privilégios da Irmandade, logo que se resolver a pô-lo novamente.
3. Convém rezar diariamente algumas orações marianas, como sejam: a ladainha lauretana ou sete Pai-Nossos e Ave-Marias ou sejam ainda o Símbolo dos Apóstolos, seguida da recitação de um Pai-Nosso, uma Ave-Maria e Glória. As bulas pontifícias nada prescrevem a este respeito, desde o princípio, porém, se tem observado a praxe de fazer essas devoções diárias.
4. O privilégio sabatino exige ainda que se conserve a castidade própria do estado de cada um, e que se rezem as horas marianas. Quem não puder cumprir esta segunda condição, observe a abstinência de carne nas quartas-feiras e sábados. As duas obrigações de recitar o ofício mariano e a abstinência da carne nas quartas-feiras e sábados podem, se para isso subsistirem razões suficientes, ser comutadas em outras equivalentes.
5. Aos soldados o Papa Pio X concedeu o seguinte privilégio: Para se tornarem membros ela Irmandade de Nossa Senhora do Carmo, é suficiente que usem um escapulário bento por um sacerdote que possua a faculdade respectiva. Não se exige para eles a cerimônia da recepção e da inscrição no registro da Irmandade. Como os demais membros, também devem rezar diariamente algumas orações em honra de Maria Santíssima. (4-1-1908).
A Irmandade de Nossa Senhora do Carmo é enriquecida de muitas indulgências, podendo todas ser aplicadas às almas do Purgatório, com exceção da indulgência plenária na hora da morte.
REFLEXÃO
O fim, pois, a que a Irmandade de Nossa Senhora do Carmo se propõe é: propagar o reino de Deus, por meio da devoção a Maria Santíssima, meditar nas virtudes da Mãe de Deus e imitai-as, merecer uma proteção especial de Nossa Senhora, em todos os perigos do corpo e da alma, alcançar-lhe bênção na hora da morte e a libertação das penas do purgatório. O escapulário é o habito da salvação. Para que o possa ser, é preciso que seja a vestimenta da justiça. Se o maior interesse de Maria Santíssima é salvar almas, desejo maior não tem, senão que seus filhos se apliquem à prática das virtudes, do amor de Deus e do próximo, que sejam pacientes, humildes, mansos e puros e trabalhem pela santificação de sua alma.
A história da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo é uma epopeia de feitos maravilhosos, na ordem sobrenatural. O escapulário tem sido a salvação de milhares e milhares de cristãos, nas suas necessidades espirituais e materiais. Para que nas mãos de Nossa Senhora possa efetivamente ser instrumento de salvação, indispensável é o renascimento espiritual de quem o leva, o cumprimento fiel dos deveres do estado de quem se diz devoto a Nossa Senhora do Carmo. Certamente não é devoto a Maria Santíssima, quem vive em pecado e ofende a Deus sem cessar.
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.
Última atualização do artigo em 9 de abril de 2025 por Arsenal Católico