A principal, ou antes, a única devoção do cristão deve ser amar a Jesus Cristo. Se as almas não fazem grande progresso na prática das virtudes. e continuam a cair nos mesmos defeitos, e não raro em faltas graves, é porque pouco se aplicam a adquirir o amor a Jesus Cristo, esta cadéa d’ouro que une as almas a Deus. Só para conquistar nossos corações é que o Verbo eterno veio a este mundo; outro não é seu desejo. Por isso Ele disse: Eu vim trazer fogo sobre a terra, e que desejo, senão que se acenda? (1) Deus Pai quer que amemos a Jesus Cristo; Ele o enviou à terra a fim de ganhar nosso amor, mostrando-nos quanto nos ama, e declara que nos ama à proporção do amor que temos a Jesus Cristo. (2) Ele não nos dá suas graças senão quando lh’as pedimos em nome de seu divino Filho: Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, ele vos concederá. (3) Enfim, ele não admite à felicidade eterna senão aquele cuja vida é conforme à de Jesus Cristo. (4) Jamais, porem, adquiriremos esta conformidade, e nem sequer a desejaremos, se nos não aplicarmos a considerar o amor que nos tem nosso amável Salvador.
Com este mesmo fim é que nosso Salvador se dignou revelar à bem-aventurada Margarida Maria que Ele queria que seu coração fosse honrado com um culto especial, a fim de que as almas devotas reparassem, por suas piedosas homenagens, as injúrias que este Coração sagrado recebe no Sacramento da Eucaristia. Um dia em que ela estava em oração diante do santo altar, Jesus Cristo lhe fez ver seu Coração num trono de chamas, cercado de espinhos e encimado por uma cruz: Eis aqui, diz Ele, o Coração que tanto amou os homens, nada poupou, até se esgotar e consumir para lhes testemunhar seu amor; e em reconhecimento, não recebo da maior parte senão ingratidões pelas suas irreverências, sacrilégios, friezas e desprezos com que me tratam neste Sacramento de amor. Mas, o que ainda mais sinto, é serem corações a mim consagrados que assim praticam.
Ele ordenou-lhe depois que se empregasse com todas as forças em fazer celebrar uma festa particular em honra de seu divino Coração, e isto para três fins: o primeiro, para que os fieis lhe deem ações de graças pelo grande dom que lhes fez da adorável Eucaristia; o segundo, para que as almas fervorosas reparem, por sua afetuosa devoção as irreverências e os desprezos que Ele recebeu e recebe neste Sacramento da parte dos pecadores; o terceiro enfim, para que lhe ofereçam, por este meio, compensação pela honra e culto que os homens deixam de lhe dar em muitas igrejas. E Ele promete derramar com abundância as riquezas de seu Coração naqueles que Lhe derem esta homenagem, não somente no dia da festa, mas ainda em todos os outros dias, quando forem visitá-Lo no Sacramento do altar.
Assim, a devoção do Coração de Jesus, não é outra coisa que um exercício de amor para com este amável Salvador.
Prática
Este exercício de amor constituíra minhas delícias cada vez que eu visitar o Santíssimo Sacramento. Então rezarei com fervor particular a mais bela oração de Santo Affonso, na qual se acham também declarados os três fins da devoção ao Sagrado Coração, e agora vou meditar cada uma das palavras desta preciosa oração.
Afetos e súplicas
Senhor meu Jesus Cristo, que por amor dos homens ficais, noite e dia, no Sacramento do altar, onde, cheio todo de misericórdia e bondade, estais, chamais e acolheis todos os que vos vem visitar, eu creio que estais presente neste augusto mistério. Desde o abismo de meu nada vos adoro, e rendo graças por todos os benefícios que me tendes feito, especialmente porque vos destes a mim neste Sacramento, me concedestes para advogada vossa Mãe, a Santíssima Virgem Maria, e me chamastes a vos visitar nesta igreja.
Venho saudar vosso Coração amantíssimo, e quero fazê-Lo por três fins: 1° – em reconhecimento do grande dom que de vós mesmo nos fazeis; 2° – em reparação dos ultrajes que de vossos inimigos tendes recebido neste Sacramento; 3° – na intenção de vos adorar, por esta visita, em todos os lugares do mundo onde sois menos honrado e mais abandonado neste divino Sacramento.
Amo-vos, meu Jesus, de todo o meu coração. Pesa-me de ter, no passado, desagradado tantas vezes vossa bondade infinita. Proponho, com o socorro de vossa graça, não vos ofender mais no futuro.
E nesta hora, miserabilíssimo como sou, me consagro todo a vós: eu vos dou e sacrifico sem reserva minha vontade, meus afetos, meus desejos, e todos os meus interesses. D’ora avante fazei de mim e de tudo o que me pertence o que for do vosso agrado.
Somente peço e quero vosso santo amor, a perseverança final e a graça de cumprir perfeitamente vossa vontade.
Recomendo-Vos as almas do Purgatório, principalmente as mais devotas do Santíssimo Sacramento e da Santíssima Virgem Maria.
Recomendo-Vos também todos os pobres pecadores.
Enfim, amadíssimo Salvador meu, uno meus afetos e orações aos afetos e orações de de vosso Coração ardente de amor, e assim unidos. eu os ofereço a vosso eterno Pai, pedindo-lhe, em vosso ·nome e por vosso amor, se digne de os aceitar e atender. (5)
Oração Jaculatória
Dulcíssimo Coração de Jesus, tornai-Vos Senhor de todo o meu coração.
Exemplo
Santo Afonso de Ligório pode ser considerado como um dos mais fervorosos adoradores do Coração de Jesus na santa Eucaristia. Quando moço e um dos mais distintos advogados de Nápoles, ele se aproximava da santa mesa muitas vezes por semana. Além disto, ia cada dia visitar o Santíssimo nas igrejas onde se fazia a adoração das Quarenta Horas, e não ficava lá alguns momentos apenas, como é costume da maior parte dos devotos, mas perseverava em oração durante duas horas, edificando assim o povo, e enchendo seu próprio coração de grande consolação. Que belo espetáculo era vê-lo ao pé dos altares, mormente quando ele se apresentava com as insígnias de sua profissão! Afonso comprava as flores que deviam adornar o altar da igreja de sua paróquia, quando nela se expunha o Santíssimo. Nosso serafim terrestre tinha inveja, como ele diz num dos seus cânticos, das flores que tem o feliz destino de poderem ficar dia e noite diante de seu Criador. O Coração de Jesus comoveu-se com as piedosas homenagens que Afonso lhe tributava. Pelo que, dignou-se recompensá-lo, separando-o do mundo e chamando-o todo para si. Um dia, Afonso perdeu uma causa muito importante. Este revés lhe fez tanta impressão, que disse consigo: Ó mundo, aprendi a conhecer-te: adeus. – Adeus, tribunais, não me vereis mais. Alguns dias depois, dirigiu-se ao hospital dos incuráveis, esperando achar no exercício da caridade alívio à sua dor. No momento em que ele estava mais ocupado com os enfermos, vê-se de repente cercado de grande luz; toda a casa parece – lhe abalada com violência, e no fundo do seu coração uma voz lhe diz: Affonso, abandona o mundo para te entregares a mim sem reserva. Continuou Afonso a servir aos doentes, e depois, ao descer a escada do hospital, de novo se vê cercado de luz, e ouve uma voz celeste que lhe diz clara e distintamente: Afonso, deixa o mundo para te entregares sem reserva a mim.
O jovem advogado compreende logo que é uma graça do Coração de Jesus que o chama, e então profere estas palavras: Meu Deus, eis me aqui, de mim fazei o que quiserdes. Vivamente comovido, e como fóra de si, ele vai a uma igreja da Santíssima Virgem, e prostra-se ao pé de seu altar. Aí, penetrado de profunda comoção, faz a Deus oferta de si mesmo, renuncia ao mundo, à sua fortuna e família, e, tirando sua espada, a depõe sobre o altar como penhor de sua constância.
O Sagrado Coração de Jesus segundo Santo Afonso de Ligório ou Meditações para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a Primeira Sexta Feira do Mês, 5ª Edição, 1926.
1) Luc. 12, 49.
2) Jo. l6, 27.
3) Jo. 16, 23.
4l Rom. 8, 29.
5) 300 dias de indulgência, cada vez que se rezar devotamente esta oração diante do Santíssimo Sacramento. Indulgência plenária uma vez no mez, para aqueles que a tiverem rezado todos os dias durante um mês, no dia, em que, tendo-se confessado e comungado, orarem pelas necessidades da Igreja e segundo a intenção do Sumo Pontífice. 7 Set. 1854.
Última atualização do artigo em 7 de abril de 2025 por Arsenal Católico