Senhor, Vós não desprezais o coração contrito e humilhado. (Salm. L, 19.)
Para se receber dignamente o sacramento da penitência, exige-se como condição essencial, a dor de ter ofendido a Deus.
Em caso de necessidade pode a contrição perfeita suprir a confissão.
A contrição porém, não há nada que a possa suprir, pois constitui a essência da conversão da alma para Deus. O coração há de se apartar das criaturas e voltar-se para o Criador. E esta separação deve necessariamente vir acompanhada da dor, sem a qual não há detestação do pecado, que nos afasta de Deus.
O arrependimento é pois, uma dor da alma, um aborrecimento do pecado, um sentimento de não se ter abstido dele, um desejo de reparar o mal cometido: e tudo isso, unido ao propósito de não tornar mais a cair nele.
É pois uma dor interior, que nos deve levar a sentir verdadeiramente a infelicidade em que incorremos pelo pecado.
A dor sensível, que se exterioriza em lágrimas, não é indispensável. Rasgai os vossos corações, e não os vossos vestidos, e converte-vos ao Senhor, vosso Deus [1].
Se te servires de alguma fórmula para exprimires esta dor, procura fazer teus os sentimentos que ela encerra, para não te expores ao perigo de a repetires só com os lábios, o que evidentemente não bastaria.
Inútil é lembrar que a dor deve ser universal, isto é, que deve abranger ao menos todas as faltas graves. Basta que uma só seja excluída para a tua reconciliação ser ilusória. Procura de um modo particular arrepender-te da paixão dominante.
Para haver verdadeira contrição é preciso que o pecador deteste o pecado, por ele ser o maior dos males. De fato, como não pode haver maior mal, por isso devemos abominá-lo mais do que a qualquer outro.
Finalmente, a contrição deve ser sobrenatural, isto é, deve ser suscitada a impulsos e com o auxílio da graça, e fundar-se em motivos sobrenaturais. Quando esse motivo é o amor de Deus, diz-se que a contrição é perfeita; quando porém, repousa no temor do castigo que merecemos, ou na recompensa que perdemos, então a dor é imperfeita ou atrição.
É certo que basta a dor imperfeita para a recepção dos sacramentos. Mas, serei eu tão interesseira ou egoísta, que só o meu proveito me leve a detestar o pecado? Não! Ainda que não houvesse céu nem inferno, aborrecê-lo-ia como o maior mal, por ser uma ofensa contra o meu Pai e Benfeitor, por vos negar a vós, sumo bem e suma beleza e perfeição, aquela honra que toda a criatura humana vos deve prestar.
Para excitarmos em nós a dor dos pecados, é muito útil começarmos primeiro pela consideração dos motivos naturais, para nos elevarmos depois aos sobrenaturais.
Que vergonha, ter cometido tal pecado?! E as consequências que dele resultaram para a minha saúde, bens materiais e honra? E os castigos que mereci? E a morte, acaso tão próxima, o juízo, a eternidade, o inferno… ou ao menos o purgatório? E o céu que perdi com sua eterna felicidade? E a companhia dos santos, e Deus, o Sumo bem?!
Que revolta contra Deus em cada pecado! Que ingratidão! Porventura merecia semelhante correspondência Deus, a quem devo tudo quando tenho?!
E o amoroso Coração de Jesus, a Cruz, o Cordeiro de Deus presente no tabernáculo, e a perfeição infinita de Deus, contra a qual se levantam os meus pecados, como espectros infernais!
Oh meu Deus! Onde me poderei ocultar da vossa presença? Confundida à vista dos meus pecados, não me atrevo sequer a levantar os olhos até vós! Oxalá, que eu pudesse reparar o mal que cometi contra a vossa infinita majestade, e apagar com lágrimas e com sangue a minha ingratidão e rebeldia contra vós! Confessarei ao Senhor a minha injustiça [2]. Empregarei com todo o empenho os meios que me aconselharem, para me corrigir. Concedei-me a vossa graça, para que ao menos comece desde agora a amar-vos sobre todas as coisas, a fim de que jamais me separe de vós. Amen.
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
[1] Joel. II, 13.
[2] Salm. XXXI, 5.
Última atualização do artigo em 12 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico