Oh morte, como é útil a tua lembrança. (Ecl. XLI, 3.)
Também para mim chegará aquela hora derradeira, que há de fechar o período da minha vida.
Prostrada no leito de dor e rodeada dos prantos dos meus parentes e amigos, será com angústia que verei chegar esse transe supremo.
É já certo que a hora se aproxima; já recebi o corpo do Salvador, como viático para a viagem tão cheia de dificuldades; já fui ungida com o óleo santo para o último e decisivo combate.
Despeço-me de todos aqueles a quem amava.
E a agonia começa: A vida vai0se retirando pouco a pouco dos membros, que se vão retirando pouco a pouco dos membros, que se vão resfriando. O peito respira com dificuldade; começa uma luta formidável; banha-me a fronte um suor frio; e brota-me dos olhos envidraçados a última lágrima.
No entretanto está-se travando na alma outro combate. O demônio, que tantas vezes a guerreou em vida, tenta os últimos esforços para se apoderar dela.
O astuto tentador, que antes encontrava uma desculpa para todos os pecados, agora procura inspirar à alma a dúvida e a desconfiança.
As frases consoladoras que o sacerdote segreda à moribunda, são bálsamo par ao seu coração angustiado; a fé aviva-se-lhe, e cobra novo ânimo, confiada no Sangue de Jesus Cristo.
Parte, alma cristã, parte deste mundo em nome de Deus Pai onipotente que te criou; em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, que te remiu com o Seu Sangue; em nome do Espírito Santo que te fez templo vivo de Deus; em nome dos santos anjos e arcanjos, dos patriarcas e profetas, dos apóstolos, mártires, confessores e virgens, em nome de todos os santos de Deus; oxalá chegues hoje mesmo á mansão da paz, e recebas um lugar na santa Sião: parte, pois, desta vida.
E o estertor torna-se cada vez mais violento; a voz extingue-se, o espírito perturba-se, e os olhos escurecem-se cada vez mais. O mundo exterior vai-se distanciando pouco a pouco; dentro dum momento tê-lo-ei perdido completamente de vista.
Adeus bens, riquezas, jóias, objetos a que o meu coração estava apegado: não me podeis acompanhar!
Oh morte, como é amarga a tua memória para os homens que vivem sossegados nomeio dos seus bens, para o homem que não conheceu a dor, que provou toda a sorte de prazeres! (1) A morte aproxima-se: morri!
E aí está o meu corpo feito cadáver, frio, hirto, horrível. Começam os preparativos para o retirarem de casa, depressa será pasto de vermes.
Os homens não tardarão a esquecer-se de mim, as lágrimas de dor dos meus parentes e amigos secar-se-ão, e os meus bens serão repartidos. Vaidade das vaidades, e tudo vaidade! (2)
O meu leito está preparado numa cova escura e ignorada. É lá que direi á corrupção: tu és a minha mãe; e aos vermes: vós sois o meu pai e os meus irmãos (3)
Contava com largos anos de vida, e transpus tão cedo os umbrais da eternidade. partiu-se-me o fio da vida, quando começava apenas a viver. (4)
Oh morte, como a tua lembrança é salutar! (5) Ensinas-me a julgar de tudo com retidão, dás-me lições preciosas sobre o valor das coisas terrenas que estão aquém do sepulcro, e que para nada servem na outra vida!
Ensinas-me eloquentemente o que há me nós de melhor e de mais nobre, por ser imperecedouro, isto é, a alma que não morre, que não baixa ao sepulcro como o corpo, nem é pasto da corrupção.
Curas-me do afeto desordenado às pessoas e coisas do mundo; desprendes-me dos bens e riquezas, do luxo e glória mundana, dos prazeres e dos deleites.
Oh morte, tu avisas-me de que devo viver acautelada, porque apareces de improviso como o ladrão noturno (6), que a cada momento me pode surpreender.
Como a tua lembrança é agradável! Anuncias aos que sofrem o fim dos seus trabalhos, e aos que lutam com denodo a coroa do triunfo. benvinda sejas, porta do descanso, porta do triunfo, umbral da felicidade; morte salvadora, libertadora.
Tu pões termo ás tentações e ao perigo de ofender a Deus.
Levas-me deste vale de lágrimas a Deus, a Jesus, aos santos.
Não temas pois, a morte, jovem cristã, toma-a por tua amiga e conselheira.
Deste modo viverás uma vida sem mancha, e a tua morte será preciosa aos olhos do Senhor (7).
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Ecl. XLI, 12.
(2) Ecl. I, 2.
(3) Job. XVII, 13-14.
(4) Is. XXXVIII, 12.
(5) Ecl. XLI, 3.
(6) I Thes. V, 2.
(7) Salm. CXV, 15.
Última atualização do artigo em 11 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico