Ó Senhor, fazei que a fé seja a luz que me guie em todas as circunstâncias da vida.
1 – A fé deve ser a luz que envolve toda a nossa vida, e não apenas as nossas horas de oração. Na oração tu dizes: “Creio em Deus Pai todo-poderoso”, mas poucos instantes depois, perante um dever difícil, uma pessoa importuna, uma circunstância que transtorna os teus planos, esqueces que tudo foi querido e disposto por Deus para teu bem; esqueces que Deus é Pai e que, como tal, pensa no teu bem mais do que tu mesmo podes pensar, esqueces que Deus é onipotente e que, como tal, pode ajudar-te em qualquer dificuldade. Perdendo de vista a luz da fé, que te faz ver todas as coisas na dependência de Deus e por Ele ordenadas para teu proveito, perdes-te em considerações e em protestos puramente humanos, como se Deus nada ou muito pouco tivesse a ver com a tua vida; perdes a coragem à semelhança daqueles que não têm fé. Sim, crês em Deus Pai onipotente, mas não crês a ponto de reconhecer a Sua vontade ou, pelo menos, a Sua permissão, em todas as circunstâncias. Todavia, enquanto a fé não impregnar a tua vida, fazendo-te ver tudo em relação a Deus, tudo dependente dEle, não poderás dizer que a luz da fé é o guia da tua vida; ou antes, só o é parcialmente. Quantas vezes esta luz verdadeira que participa da luz de Deus permanece oculta debaixo do alqueire da tua mentalidade demasiado humana, demasiando terrena! Jesus disse que “não acendem uma lucerna e a põem debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, a fim de que ela dê luz a todos os que estão em casa” (Mt. 5, 15). A lucerna da fé acende-se em ti no dia do teu batismo e tu deves elevá-la bem alto, acima de todos os teus pensamentos, de todos os teus raciocínios, para que alumie toda a tua vida, toda a tua casa: a casa interior da tua alma, a casa exterior em que vives, o ambiente em que te moves, as pessoas com quem tratas.
2 – Para atingir este olhar de fé viva e profunda, deves habituar-te nas tuas relações com as criaturas, a ultrapassar as causas segundas para subir à Causa primeira, a Deus que, com a Sua providência, tudo governa e ordena para os Seus santíssimos fins. Sabendo e crendo que é teu Pai quem dirige todas as coisas, entregar-te-ás ao Seu governo com plena confiança, e saberás conservar-te sereno mesmo nas adversidades, bem convencido de que Ele sabe valer-Se do mal, dos erros dos homens e até dos seus pecados e da sua malícia para o bem dos eleitos: “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom. 8, 28). Não há olhar mais compreensivo e concreto do que o olhar da fé, porque leva em conta a inteira realidade das criaturas e dos acontecimentos, considerando-os não só na sua entidade material, mas ainda nas suas relações de dependência para com Deus. Quanto melhor souberes ver todas as coisas a esta luz tanto mais te aproximarás do pensamento eterno, da sabedoria infinita de Deus, tanto melhor julgarás tudo segundo a verdade infalível de Deus. O olhar de fé tornar-te-á assim menos difícil aceitar certas situações dolorosas, certas amarguras da vida, porque também nelas te fará descobrir a mão paternal de Deus, que tudo ordena para a tua santificação. Se, julgando estas coisas sob o ponto de vista humano, te sentes tentado a protestar, a fazer valer as tuas razões, os teus direitos, a revoltar-te contra procedimentos de si injustos, levantando os olhos para Deus e considerando que Ele permite tudo isto para te exercitar na virtude e te estimular à santidade, terás força para aceitar em paz seja o que for e para te mostrares benévolo para com quem te faz sofrer. Mas, ao mesmo tempo, lembra-te de que a fé é luz obscura para o teu entendimento e de que, por isso, te pedirá muitas vezes que acredites no governo sábio e amoroso de Deus mesmo sem compreenderes nada, mesmo que te pareça melhor o contrário. Nisto consiste a vida de fé, e o homem “justo vive de fé” (Rom. 1, 17).
Colóquio – “Meu Deus, para Vos dar gosto e alcançar muito de Vós, devo crer simplesmente no Vosso amor, no Vosso poder, na doçura dos Vossos dons; devo crer que Vós mos desejais comunicar e que o Vosso desejo excede em muito o que eu tenho de os receber. Devo acreditá-lo porque o justo vive de fé. Quero ser como uma filha carinhosa que não quer ver nem saber que meios escolhereis para lhe prodigalizar os Vossos inefáveis benefícios. Devo crer apenas porque o justo vive de fé.
“Ó Senhor, Vós penetrais em toda a parte com a Vossa bondade, com o Vosso amor individual, infinito, e com a Vossa onipotência. Dai-me uma fé muito simples pela qual, sem nenhuma reflexão eu me mova e permaneça nesta verdade como no meu centro e num asilo de paz onde nada me pode atingir se nele ficar bem escondida. Ó Senhor, Vós amais-me muito mais do que eu me amo a mim mesma e podeis tudo; além disso, quereis o meu bem, devo crer que o desejais mais do que eu. Eis-me diante de Vós, constantemente e em todo o tempo, porque sei que os atos de adoração perfeita e de abandono total são mais verdadeiros, humildes e simples quando, privados de todo o sentimento, se exprimem apoiados só na fé… sobretudo quando a alma, na sua parte inferior, vê e toca o vazio profundo no tempo e na eternidade. Pois bem, Senhor, fazei que nesse estado, mais do que nunca, eu possa permanecer presente diante de Vós, pela fé. Ó prodígio! Quando apraz à Vossa divina bondade, a alma pode sentir-se inundada de paz na sua parte superior, embora entretanto continue a tempestade. Ó paz inefável, que excedes todo o sentimento, tu tiras para sempre o gosto do sensível, e fazes correr para a fé pura, como para a única fonte de um bem divino de que sois o fruto inefável e mil vezes bendito” (cfr. B. M. Teresa de Soubiran).
“Ó Senhor é tão doce servir-Vos na noite e na prova, não temos senão esta vida para viver de fé!” (T.M.J. CL.).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.