Ó Senhor, ensinai-me a ser um fiel e prudente administrador dos Vossos bens.
1 – Hoje, tal como no domingo passado, S. Paulo, na Epístola da Missa (Rom. 8, 12-17), confronta as duras vidas que se debatem sempre em nós: a vida do homem velho, escravo do pecado e das paixões, que produz frutos de morte, e a vida do homem novo, escravo, ou melhor, filho de Deus, que produz frutos de vida: “Se viverdes segundo a carne, morrereis; mas se, pelo espírito, fizerdes morrer as obras da carne, vivereis”. O batismo fez-nos nascer para a vida do espírito, porém não suprimiu em nós a vida da carne; o homem novo deve combater sempre contra o homem velho, o espírito deve lutar contra a matéria. A graça batismal não nos isentou desta luta, embora nos tornasse capazes de a sustentar. Importa muito estarmos bem convencidos disto para não termos ilusões, para não nos admirarmos de que, depois de longos anos de ida espiritual, se levantem ainda em nós certas batalhas, que talvez pensássemos ter vencido para sempre. É esta a nossa condição: “A vida do homem sobre a terra é uma guerra” (Job. 7, 1), tanto mais que Jesus disse: “O reino dos céus adquire-se à força” (Mt. 11, 12). Mas a luta contínua não nos deve assustar porque a graça fez-nos filhos de Deus e, como tais, temos todo o direito de contar com a Sua ajuda paternal: “Não recebestes o espírito de escravidão – insiste S. Paulo – para estardes novamente com temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, mercê do qual chamamos, dizendo: ‘Abba, Pai!'”. E, para fortalecer a nossa fé nesta grande verdade, acrescenta: “O mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus”. É como se o Apóstolo nos quisesse dizer: Não sou eu que vos afirma isto, é o Espírito Santo que vo-lo diz e dá testemunho dentro de vós. O Espírito Santo está em nós, em nós suplica ao Pai celestial, em nós suscita a esperança e a confiança; não sois escravos – diz-nos Ele – mas filhos: que temeis? Eis as nossas riquezas: ser filhos de Deus, co-herdeiros de Cristo, templos do Espírito Santo.
2 – Sob o véu duma parábola, à primeira vista um pouco desconcertante, o Evangelho de hoje (Lc. 16, 1-9) ensina-nos a sermos prudentes ao administrar as grandes riquezas da vida da graça. Ao propor esta parábola, certamente que Jesus não pretendeu louvar a conduta do servo “infiel” que, depois de ter roubado em todo o tempo do seu serviço, continuou também a roubar quando soube que ia ser despedido. Contudo louvou os ervo pela astúcia com que soube prevenir-se para o dia de amanhã. A lição da parábola incide precisamente sobre este ponto: “os filhos deste século são mais hábeis, na sua geração, que os filhos da luz. Portanto eu vos digo: granjeai amigos com as riquezas da iniquidade para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos”. Jesus exorta-nos, a nós os “filhos da luz”, a não sermos menos hábeis em olhar pelos interesses eternos do que os filhos “das trevas” em assegurar os bens da terra.
Também nós, como o servo da parábola, recebemos de Deus um patrimônio para administrar: são so dons naturais, mas muito especialmente os dons sobrenaturais com todo o conjunto de graças, de santas inspirações, de incitamento ao bem, que Deus nos prodigalizou. também para nós chegará o dia de prestar contas, e também nós teremos de reconhecer que fomos tantas vezes infiéis ao negociar com os dons de Deus, em fazer frutificar na nossa alma as riquezas da graça. Como remediar, portanto, as nossas infidelidades? É chegado o momento de pôr em prática a lição da parábola por meio da qual, diz Sto Agostinho, “o Senhor aconselha todos a valerem-se dos bens terrenos para granjear amigos entre os pobres. Estes, por seu turno, fazendo-se amigos dos seus benfeitores, serão causa da sua admissão no céu”. Por outras palavras, trata-se de saldar as nossas dívidas para com Deus por meio da caridade para com o próximo porque, como diz a Sagrada Escritura, “a caridade cobre a multidão dos pecados” (I Ped. 4, 8). E não se trata apenas da caridade material, mas também da espiritual: não só de coisas grandes, mas também de pequenas, até de mínimas, com um copo de água dado por amor de Deus. Estes pequeninos atos de caridade estão sempre ao nosso alcance e são as riquezas com que pagaremos as nossas dívidas e regularizaremos a “nossa administração”.
Colóquio – “Ó Senhor, é o Vosso Espírito quem combate dentro de mim. Vós destes-me o espírito para dar morte às obras da carne. Movido pelo Vosso Espírito, sustento a luta porque tenho uma poderosa ajuda. O meu pecado atingiu-me, feriu-me, abateu-me; Vós, porém, meu Criador, deixastes-Vos ferir por mim e com a Vossa morte vencestes a minha. Trago em mim a fragilidade humana e também os grilhões da minha primeira escravidão, tenho nos meus membros uma lei que se opõe à lei do pecado; o corpo corruptível oprime a minha alma. Por mais que me sinta firme mercê da Vossa graça, tenho sempre de sofrer por causa da minha fraqueza, enquanto levar o Vosso tesouro neste vaso de barro. Sois Vós a minha fortaleza, para permanecer forte contra as tentações; se as tentações se multiplicam e me assustam, Vós sois o meu refúgio. ‘Sois a minha esperança e a minha herança na terra dos vivos’.
“Oh! como Vos sou devedor, Senhor Deus meu, já que por Vós fui remido por tão elevado preço! Oh! quanto Vos devo amar, bendizer, louvar, honrar, glorificar, já que tanto me amastes! Louvarei, ó Senhor, o Vosso nome, porque em tornastes capaz de tanta glória que cheguei ao ponto de ser Vosso filho. Devo-Vos tudo o que tenho, tudo o que necessito para a minha vida, tudo o que sou e amo. Quem possui alguma coisa que não seja Vossa? Vós, ó Senhor nosso Deus, ofereceis-me os Vossos dons a fim de que, enriquecido por Vós, Vos sirva e agrade e, dia após dia, Vos dê graças pelos inumeráveis benefícios da Vossa misericórdia. Não posso servir-Vos nem agradar-Vos senão empregando os Vossos próprios dons” (cfr. Sto Agostinho).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.