Não nos glorifiqueis a nós, Senhor, mas sim ao Vosso santo nome (Salm. CXIII B, 1).
O homem vive cheio de si mesmo. Se possui algum dom particular, ou o considera superior à realidade, ou o atribui a si mesmo; se não possui nenhum, persuade-se de que o tem, e assim vive e se recreia numa aura de glória e grandeza imaginária.
A juventude então que é em demasia propensa à vaidade, umas vezes exagera o valor das suas qualidades exteriores, como são o merecimento, a fortuna, a formosura e a elegância no vestir; e outras julga que é dotada de excelentes qualidades interiores, como talento, habilidade, graça, bondade e virtude.
Daqui nasce a confiança própria, a pouca estima dos outros, o desprezo do próximo, a arrogância. todos os seus pensamentos e ações se encaminham a impressionar os outros, e impor-se à sua consideração. Assim, procura dissimular as suas faltas, excitar a admiração e conquistar o aplauso dos outros com o exagero no vestir, com certa maneira de ser singular, ou com uma simplicidade rebuscada e uma modéstia enganadora.
Que baixeza, e que mentira!
Que possuis tu, que não tenhas recebido do Senhor? E se o recebestes do Senhor, porque te glorias com se não o recebesses? (1) porque não te contentas com o que tens?
Imaginando-te pessoa de importância, és acaso independente daquele que te criou? Deixará de estar na sua mão privar-te de tudo isto, que julgas teu?
Valerias porventura mais, se conseguisses enganar os outros?
O que és aos olhos de Deus, isso és e nada mais.
Buscas a honra; repara bem: não te deixes enganar pelas aparências.
A verdadeira honra do homem consiste em ser filho de Deus, e em gozar um dia da sua felicidade.
Deus é grande, porque tem tudo em si, e não necessita do auxílio de ninguém; o homem só é grande, quando recebe e espera tudo daquele que o é infinitamente.
Toda a grandeza que o homem pode juntar a esta grandeza, é pobre e miserável. Porque vais mendigar às criaturas uma dita que substitui a verdadeira felicidade perdida pelo pecado, e porque vais mendigar delas uma grandeza que nem tu mesma possuis?
A verdadeira honra funda-se na verdade, nem poderá jamais consistir na mentira e no engano. Se te enganas a ti, atribuindo-te falsamente alguma qualidade, ou se enganas os outros, mostrando-te aos seus olhos como não és, que honra terás nisso? Não será para ti maior desonra? Por isso, em vez de buscares as aparências, procura a verdadeira honra e grandeza naquela bondade moral que resiste à prova dos olhos de Deus, que tudo vê.
De ti depende seres boa e virtuosa; se quiseres sê-lo ninguém te poderá impedir. Nisto deve consistir toda a tua honra.
E aquilo que não puderes alcançar, apesar de toda a tua boa vontade e trabalho, nunca será para ti motivo de desonra. A fraqueza, a pobreza, a falta de penetração ou de inteligência, não são motivo de desonra.
Como poderá sê-lo aquilo que não depende de nós? E é tão impossível fazê-la consistir na carência de tais qualidades, como a honra na posse das que recebemos sem trabalho nem merecimento nosso. Tudo o que somos e temos é um dom de Deus. A ele devemos pois, toda a gratidão, honra e louvor.
Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso santo nome dai honra e glória. (2)
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) I Cor. IV, 7
(2) Salm. CXII, B. 1