A aridez

Ó Senhor, ajudai-me a ser fiel para que o espírito de oração não se extinga em mim por minha culpa.

1 – Habitualmente, nos princípios de uma vida espiritual mais intensa, a alma goza de um fervor sensível que lhe torna fáceis e saborosos os exercícios espirituais. Os bons pensamentos, os afetos, os ímpetos do coração surgem espontâneos. Recolher-se a sós com Deus na oração é para ela uma alegria e o tempo que nela emprega passa rapidamente; não é raro que a presença de Deus se torne quase sensível. Semelhante facilidade encontra também a alma na prática da mortificação e das outras virtudes. Mas, habitualmente, este estado não dura muito e num certo momento a alma vê-se privada de todo o conforto sensível. Esta supressão da devoção sensível constitui o estado da aridez que pode depender de causas diversas.

Às vezes pode depender da infidelidade da alma que pouco a pouco se relaxou, permitindo-se pequenas satisfações – passatempos, curiosidades, egoísmo ou amor próprio – a que já tinha renunciado. Se as almas soubessem os bens de que se privam com tal conduta, fariam todos os sacrifícios para não se deixarem cair em tais fraquezas. O hábito da mortificação adquirido com tantos esforços, perde-se facilmente e então tornamo-nos escravos das próprias paixões. O amor próprio que não estava morto, mas apenas adormecido, retoma vigor e assim pode tornar-se não só a causa de muitas imperfeições voluntárias que já estavam vencidas, mas também de pecados veniais deliberados e pode, enfim, arrastar para a tibieza\ uma alma que já caminhava no fervor. Uma alma infiel, recaída na mediocridade, não pode, na sua oração, dizer ao Senhor que O ama e que deseja progredir no amor e muito menos pode saborear a alegrai de quem tem consciência de amar verdadeiramente o seu Deus. Cai inevitavelmente na aridez. Neste estado o único remédio é voltar ao fervor primitivo. Custar-lhe-á certamente muito, mas longe de desanimar, a alma deve recomeçar quanto antes. Aliás o Senhor gosta tanto de perdoar!

2 – Outras vezes, pelo contrário, a aridez provém de causas físicas ou morais absolutamente independentes de nós. Indisposição, mal-estar, cansaço, opressão motivada por dolorosas preocupações ou por trabalho excessivo, são outras tantas causas que podem fazer desaparecer qualquer sinal de conforto espiritual e muitas vezes sem que seja possível remediá-las. Trata-se então de uma prova que pode prolongar-se, mas na qual temos o direito de ver a mão de Deus que tudo dispõe para o nosso bem e não pode deixar de nos conceder graça suficiente para tirarmos proveito deste nosso sofrimento. Embora não sentindo já nenhuma consolação nem atrativo par aa oração, que a alma se aplique por dever, procurando dar remédio à sua incapacidade por qualquer meio. “Se alguém não pode fazer oração mental – ensina a propósito Sta Teresa de Jesus – dê-se à oração vocal, à leitura, aos colóquios com Deus e nunca deixe de consagrar à oração o tempo estabelecido”. (Cam. 18, 4).

Se, apesar de tudo, a alma não consegue comover o seu coração, ame o Senhor apenas com a vontade. Esta, mediante tal exercício que requer grande esforço, fortalecer-se-á e, ainda que a alma não dê conta disso, torná-la-á capaz de uma mor mais efetivo, mais generoso. Trata-se, é verdade, de um amor privado de sentimento, mas é preciso recordar que a substância do amor não está no sentir mas sim no querer a todo o custo, agradar à pessoa amada. Aquele que, para agradar a Deus, persevera na oração embora nela não encontre nenhuma consolação e sinta até repugnância, dá-Lhe uma bela prova de amor verdadeiro. O progresso na vida espiritual nãos e mede pela consolação que a alma experimenta. Isto não é de modo nenhum requerido porque a verdadeiro devoção consiste unicamente na prontidão da vontade no serviço de Deus. E a vontade pode estar muito pronta e decidida a servir o Senhor, embora esteja árida e deva lutar contra muitas repugnâncias sensíveis.

Colóquio – “Olhai, Senhor meu Deus, Vós que sois santo, e vede a minha aflição. Tende piedade deste Vosso filho que gerastes não com poucas dores e não considereis os meus pecados de modo que esqueçais que sou propriedade Vossa. Qual é o pai que não liberta o filho e qual é o filho que não é corrigido pela piedosa mão do pai? Ó Pai e Senhor, se bem que seja pecador, não posso deixar de ser Vosso filho porque Vós me gerastes e regenerastes! Poderia uma mãe esquecer o filho das suas entranhas? Mesmo que ela o esquecesse, Vós, ó Pai, prometestes não o esquecer. Eu grito e Vós não me ouvis; estou dilacerado pela dor e não me consolais. Que direi e que farei eu, miserável? Assim, privado da Vossa consolação, estou bem longe dos Vossos olhos.

“Ó Senhor Jesus, onde estão as Vossas antigas misericórdias? Continuareis irado contra mim? Aplacai-Vos, Senhor, eu Vos suplico e não me volteis a Vossa face… Confesso que pequei, mas Vossa misericórdia supera todas as minhas ofensas.

“Chora, alma minha, geme, miserável e chora, pois que o teu Esposo, Jesus Cristo, te abandonou. Senhor onipotente, não Vos ireis contra mim, pois não poderei suportar mais a Vossa cólera. Tende piedade de mim para que eu não caia no desespero. Se eu cometi aquilo que me torna digno de condenação, Vós não omitistes o que pode salvar os pecadores.

“Muito espero, Senhor, da Vossa bondade, pois que Vós mesmo me ensinais a pedir, a procurar, a bater; e por isso, ensinado pelas Vossas palavras, eu peço, procuro e bato. E vós, ó Senhor, que mandais pedir, fazei que eu receba; Vós que aconselhais a procurar, fazei que eu encontre; Vós que ensinais a bater, abri a quem bate, e fortalecei-me, pois estou enfermo, reconduzi-me, pois estou perdido, ressuscitai-me, pois estou morto e dignai-Vos dirigir e governar todos os meus sentidos, pensamentos e ações conforme o Vosso beneplácito, para que eu viva por Vós e a Vós me entregue inteiramente” (Sto Agostinho).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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