Vida de oração

Ó Senhor, fazei que eu Vos procure não só em algumas horas ou momentos do dia, mas em todos os instantes da minha vida.

1 – A alma que aspira a uma vida de intimidade com Deus, não se contenta com limitar as suas relações com Ele ao tempo da oração, mas procura prolongá-las durante o dia todo. É um desejo mais que legítimo, pois aquele que ama procura ter relações cada vez mais estáveis e contínuas com a pessoa amada. Assim acontece à alma que ama a Deus: o seu desejo é realizável porque o próprio Deus está sempre conosco, está sempre presente e operante em nós. É verdade que se trata de uma presença espiritual, invisível, mas real, e não apenas afetiva e moral, como pode ser a presença da pessoa amada na mente e no coração daquele que ama.

Se Deus está sempre conosco, porque não podemos manter-nos em contínuo contato com Ele? Este contato realiza-se por meio do pensamento e do afeto, mas muito mais com este do que com aquele. Com efeito, não é possível pensar sempre em Deus porque a mente cansa-se e porque muitas ocupações exigem toda aplicação da inteligência e esta não pode atender, ao mesmo tempo, a dois objetos diferentes. Ao contrário, o coração pode amar sempre e jamais se cansa de tender para o objeto do seu amor, mesmo quando o pensamento está ocupado noutra coisa. Como o amor sobrenatural não consiste no sentimento, mas num íntima orientação da vontade para Deus, vemos que esta orientação é possível mesmo durante o desempenho dos deveres que absorvem toda a inteligência. Assim a vontade poderá reforçar a sua orientação para Deus com o desejo de cumprir todos os deveres por Seu amor, para Lhe dar prazer, para Lhe dar glória. S. Tomás ensina, a este propósito, que o coração pode tender sempre para Deus, mediante o “desejo de caridade”, ou seja, mediante o desejo de O amar, de O servir, de se unir a Ele em cada ação. “A oração não é outra coisa senão um desejo do coração; se o vosso desejo é contínuo, a vossa oração é contínua. Quereis então não cessar nunca de orar? Não cesseis nunca de desejar” (S.to Agostinho).

2 – Como a oração não consiste em pensar muito, mas em amar muito, assim a vida de contínua oração consiste muito mais no amor do que no pensamento. Todavia, é necessária uma certa atividade do pensamento, quer para orientar o coração para Deus, quer para manter em tal direção.

A alma que se aplica bem à sua oração mental, facilmente colherá nela bons pensamentos que lhe poderão servir durante o dia para manter o seu coração dirigido para Deus. Será pois útil que, frequentemente, entre as suas ocupações, procure despertar esses pensamentos e aplicá-los à sua vida prática.

Se na oração consideramos, por exemplo, a misericórdia infinita de Deus a nosso respeito, procuraremos que este pensamento nos acompanhe nas nossas ocupações, reconhecendo em todas as circunstâncias em que nos venhamos a encontrar, outras tantas manifestações desta misericórdia. Come feito, tantos acontecimentos que, sob o ponto de vista humano, são desagradáveis e penosos, escondem, na realidade, verdadeiras misericórdias do Senhor que, por meio dos sofrimentos, das fadigas e dos dissabores da vida, deseja desprender-nos das criaturas, fazer-nos praticar a virtude e progredir no bem. Por outro lado, nos nossos contatos com o próximo, procuraremos imitar a misericórdia do Senhor: “Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso” (Lc. 6, 36). Se, no entanto, a nossa oração se passar em aridez, sem nos deixar nenhum pensamento determinado, mas apenas um sentimento mais profundo do nosso nada e da infinita grandeza de Deus, faremos disso um tesouro, procurando, durante o dia, cumprir os nossos deveres em espírito de humildade e de homenagem a Deus, alegrando-nos se se nos apresentar alguma ocasião de nos humilharmos e de reconhecermos a nossa pequenez, mesmo perante as outras criaturas, e de exaltarmos as grandezas do Senhor.

Deste modo a oração não será um fato isolado no nosso dia, mas penetrá-lo-á inteiramente, dando a cada ação e circunstância, um valor de oração contínua.

Colóquio – “Ó Senhor, fazei que a minha vida seja uma oração contínua, oração a que está obrigada toda a criatura racional. Esta oração nasce do amor, é fogo e verdadeiro desejo fundado na caridade, que impele a alma a fazer tudo por Vosso amor. Despertai em mim, ó Senhor, a caridade, a fim de que eu sempre Vos deseje e, desejando-Vos, esteja continuamente em oração. Em todo o lugar e em todo o tempo, em tudo o que faço, a minha alma ora sempre diante de Vós pelo afeto da caridade” (Sta Catarina de Sena).

“Ó meu Deus, se eu estivesse inebriado de amor por Vós, nada mais procuraria em todas as coisas senão a maneira de Vos servir com mais diligência e perfeição e, negando a minha vontade em tudo e por tudo, me esforçaria com o ímpeto do coração, por fazer somente aquilo que é do Vosso agrado.

“Dai-me, Senhor, tão grande fervor e tão excessivo amor, que eu não distinga entre vida e vida, estado e estado, pessoa e pessoa, tempo e tempo, lugar e lugar, mas que em toda a parte e a toda a hora me esforce por cumprir o que Vos apraz, tendendo sempre para Vós com o afeto da alma. Fazei que eu veja todas as coisas em Vós, e que em todas as coisas não veja senão a Vós, sempre ansioso, desejoso de Vos servir em tudo, todo inflamado, todo ardente de amor, que eu não procure o que me é mais fácil e suave, mas somente o que me torne mais agradável a Vós.

“Concedei-me, ó Senhor, a graça de imitar os espíritos angélicos que , embora estejam conosco, não interrompem a contemplação divina. Fazei que trate e sirva os meus irmãos, considerando-Vos e vendo-Vos em cada um deles e fazei que eu preste ajuda ao próximo, oferecendo-Vos o meu coração. E quando tiver de me afastar deste nobre exercício, ajudai-me a reencontrar-Vos sem demora, fazendo to o esforço para conseguir, a fim de que, com o Vosso socorro, eu possa viver sempre com o coração fixo em Vós” (cfr. S. Boaventura).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Este texto foi útil para você? Compartilhe!

Deixe um comentário