1 – O gênero humano afirma a existência de uma lei moral.
2 – Essa lei moral é uma realidade.
3 – Mas não é possível existir a lei moral sem Deus existir; logo Deus existe.
1 – O gênero humano afirma a existência de uma lei moral
A honradez, a justiça, o dever e o direito, o bem e o mal moral, a virtude e o vício, são noções comuns, reconhecidas por todos como verdadeiras e como afirmadas tanto pela consciência de cada indivíduo como pela vida prática das sociedades humanas. Honrar a mãe ou matá-la, respeitas os bens de outrem ou roubá-los, guardar a palavra dada ou violá-la, nunca foram coisas, para um homem de juízo, igualmente boas ou igualmente más em moral. Podem, sem dúvida, os povos divergir quanto à apreciação moral de tal ou tal ato, e assim poderá ser além dos Pyrineus olhado como verdade o que, aquém deles, será considerado como um erro. Mas estas divergências acidentais não obstam a que todos os povos, apesar das suas aberrações, das suas fraqueza e dos seus crimes, não creiam na existência do bem e do mal; não impedem que eles tenham vergonha de ser criminosos ou que pelo contrário se prezem de ser virtuosos. Todos os povos admitem este axioma: Faze o bem e evita o mal.
2 – Esta lei moral é necessária
Se se recusasse o valor do testemunho humano sobre a existência da lei moral, forçosamente se haviam de admitir as seguintes consequências:
1) A razão humana havia de enganar-se invencível e necessariamente nas questões mais fundamentais e essenciais à vida, e só pensariam retamente os que rejeitassem todas as leis, todos os direitos e toda e qualquer obrigação, isto é, os que a sociedade humana repele como monstros horrendos.
2) A sociedade, que é indispensável aos seres humanos, e que tem por base a lei moral não teria por fundamento mais que uma abominável mentira. Poder-se-ia por ventura imaginar uma sociedade, formada por homens, que olhassem o perjúrio e os demais crimes como coisas indiferentes e que não quisessem ter por lei ou norma de vida senão o prazer e que não reconhecessem outro poder ou autoridade senão a força bruta?
3) Seria mister admitir-se uma de duas consequências igualmente funestas: ou considerar como normal uma sociedade humana, em que ser vivesse sem lei moral e em completa desordem, ou crer que esta mesma sociedade para subsistir precisasse estar persuadida, baseando-se numa falsidade, de que existe uma lei moral.
3 – Esta lei moral é obrigatória
Ainda os idealistas mais céticos quanto aos seus deveres, nunca o são, pelo menos, quanto aos seus direitos: o direito de propriedade individual ou coletiva, o direito à reputação, ao respeito, etc. Ora a que ficaria reduzido qualquer direito, se qualquer pessoa o pudesse livremente violar? Não seria um contrassenso? O direito, que eu tenho, de possuir um campo necessariamente implica a obrigação de os meus vizinhos me respeitarem essa posse. Sempre um direito pressupõe uma obrigação.
4 – Mas sem Deus não existe lei moral obrigatória
Porque, com efeito:
A. Só Deus pode obrigar. a) A razão não pode realmente impor uma obrigação, segundo pretende Kant com os seus sequazes, partidários da moral independente.
A razão não é senão uma parte do homem; que direito pode ela, pois, ter sobre o homem por inteiro?Poderá ela dar conselhos, que será prudente seguir; mais em virtude de que princípio poderia ela obrigar? Menosprezando as suas luzes, poderemos nós ser uns insensatos, mas nunca uns revoltados. Ninguém se revolta senão contra quem é seu superior. “Que poder tem sobre mim uma lei, que eu não sei de quem e porque título me vem? Pergunta Van Tricht. Que força pode ter uma lei que eu posso muito bem quebrantar, por não haver um juiz que por isso me peça contas, nem um Senhor para me punir, nem um Pai para me recompensar?”. O próprio schopenhauer claramente confessa, quando diz: “A ideia do dever só pertence à moral Teológica”. E é grande o número dos racionalistas que neste ponto o acompanham, e por isso é que não cessam de excogitar sistemas para salvaguardarem a sua moral independente (Guyan, Greusson, etc.). b) As relações essenciais das coisas também não podem impor obrigação. Só, está claro, para elas se podem tomar em conta os outros homens, ou os animais ou a natureza. Somos nós, porventura, inferiores a estes seres? Mas com que razão lhes deveríamos nós então em certos casos sacrificar até a nossa própria vida e a nossa honra? c) Nem tão pouco a sociedade pode apresentar uma base para esta obrigação. É uma consequência da argumentação precedente, pois que a sociedade se compõe de homens que, tendo a mesma natureza, nos não são superiores. O Estado, pelo fato de ser estado, não pode ser fonte de obrigação; porque primeiramente a vontade do Estado é uma coisa tão volúvel que não pode servir de fundamente a uma lei, que a razão não poderia conceber sem o caráter de uma absoluta imutabilidade. O Estado, além disto, também está sujeito á obrigação de promulgar leis justas; ora quem diz leis justas, ou legislador justo, já supõe uma justiça anterior a toda a lei humana, com a qual se deve conformar o próprio legislador.
Do sobredito se deduz, pois, que o único autor possível da lei moral é Deus, cuja vontade se impõe necessariamente ao homem.
B. Toda lei exige forçosamente uma sanção, e a lei moral só Deus lhe pode dar uma sanção suficiente. a) A experiência nos demonstra com efeito que os homens não têm ordinariamente ao seu dispor a necessária sanção. Quem é que, de fato, pode recompensar satisfatoriamente o mérito das suas boas ações? Pode, sim, a sociedade, em certos casos, obrigar-nos a observar a moral; dispõe ela para esse fim de opinião, de certo número de recompensas e da força. Mas em compensação é impotente para sancionar os atos internos; e além disto acontece-lhe galardoar o mal, proscrever o bem ou deixar impune o crime e esquecida a virtude. b) E não se diga que o testemunho da boa consciência é o prêmio dos que fazem o bem, porque esta recompensa não está em proporção com os sacrifícios, por vezes heroicos, que o dever impõe. E um homem que morre vítima do seu dever, poderá, porventura, lograr o testemunho da sua consciência?
A não ser, portanto, que se admita uma lei sem legislador, ou uma obrigação desprovida de sanção, temos direito para propor o seguinte dilema: Ou negar a lei moral, ou afirmar a existência de Deus². Mas negar a lei moral, e negar que ela seja obrigatória, é igualmente impossível e absurdo; logo Deus existe.
Pe Walter Devivier S. J., Curso de Apologética Cristã, versão portuguesa pelo Pe Manoel Martins S. J., 1924
[1] Para prevenir qualquer equívoco, observamos que, partindo de pontos de vista diferentes, se pode, segundo as boas normas da lógica, não somente descer da existência de Deus à da lei moral, senão também subir da existência da lei moral à existência de Deus. Quando por aquela via se chegou ao conhecimento certo de Deus, fácil é concluir depois que, sendo Ele soberanamente perfeito, houve estabelecer uma lei moral; e neste caso será a lei moral uma consequência lógica da existência de Deus, que se supõe conhecida. Mas quando, pelo contrário, se começa por verificar a existência de uma lei moral e se procura a explicação deste fato, se verá que ela é impossível sem se admitir a existência de Deus. Esta segunda via é que nós aqui seguimos.
[2] Dir-se-ia talvez que a sanção da vida futura, por si, não impede as seduções do prazer. É claro que ela não suprime a liberdade; mas quem não vê ser uma loucura arriscar a sua felicidade eterna por um prazer ilícito, de um momento? Que seria então, se houvesse apenas o receio de uma problemática sanção na vida presente?.
Última atualização do artigo em 23 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico