Senhor, vós sois aquele a quem devemos adorar (Bar. VI, 5).
A passagem daquela vida tranquila e ordenada que reina nos bons estabelecimentos de educação para a chamada vida da sociedade, é muito perigosa.
Logo que a jovem entra na categoria das pessoas adultas, alarga-se também o círculo das suas relações, e seguem-se de todos os lados os convites, bailes, teatros e concertos. A jovem não pode renunciar absolutamente a todos os prazeres e diversões. Mas ai daquela que os converte em objeto principal dos seus pensamentos e desejos! Porque, sem o notar, vai fazendo suas aquelas máximas sedutoras do mundo, segundo as quais ela deve fazer como as outras, divertir-se e deixa-se arrastar pela corrente.
Desaparece a noção de virtude e o fruto da boa educação. Os hábitos piedosos perdem o seu atrativo; a antiga delicadeza de consciência e o objeto de riso e alcunhada de mesquinhez de coração; e o que antes se afigurava santo, parece-lhe agora estranha simplicidade.
A delicadeza de sentimentos desaparece. A licença dalgumas companheiras no vestir, no falar e nos modos não ofende, e longe de lhe causarem horror os seus extravios, sente-se inclinada a imitá-los. Já não ouve a voz da graça e despreza os avisos da consciência. Uma paixão arrasta à outra, uma onda à outra, e a voz do céu emudece no meio do grande estrondo do mundo.
Quantas jovens se veem finalmente a perder por este caminho! Sem o advertirem, infiltra-se-lhes no coração alguma feto desordenado que lhes fere profundamente a alma.
Ainda que as jovens no meio deste torvelinho dos prazeres mundanos se conservem livres da maior desgraça que lhes pode acontecer, contudo não podem deixar de perder o amor de Deus e a piedade, que há pouco ainda era o seu mais esplêndido adorno. Finalmente a indiferença em matéria de religião leva-a a vacilar na fé, e dar inconsideradamente a mão a um homem que, ou não tem religião nenhuma, ou se a tem, não é a católica.
O espírito do mundo triunfou no seu coração; as riquezas, as paixões e a soberba apagaram a lembrança duma educação piedosa. O mundo dá-lhe os parabéns por casamento tão excelente; os anjos pranteiam a queda de mais uma alma.
Jovem cristã, queres-te guardar desta infelicidade sem nome? Conserva o coração livre do amor do mundo, sê prudente e vigilante.
o bem e o mal são imutáveis por natureza; o que é em si mau, sê-lo-á em todo o tempo.
A justiça de Deus é eterna (2), funda-se na eterna verdade, e participa da imutabilidade da sua essência.
A criancinha e a donzela têm todas o mesmo fim; para elas, como para toda a humanidade, a única coisa necessária é conhecer, amar e servir a Deus, e deste modo alcançar a bem-aventurança eterna.
A piedade e a religião são úteis para tudo e encerram em si as promessas desta vida e as da futura (3). A piedade é principalmente o ornamento da jovem, o seu escudo, e a prenda mais segura da sua felicidade temporal e eterna.
Por isso não deixes o bem que aprendeste (4), nem as virtudes que adquiristes.
Evita como antes, o mal e os que o praticam.
Entra no mundo cheia de desconfiança, como quem se arreceia de ciladas perigosas.
Sê fiel no cumprimento das práticas de piedade, e sobretudo continua a receber os sacramentos com frequência e boa disposição. Porque razão queres abandonar as práticas que concorreram para a tua preservação e adiantamento na virtude? No momento em que vais entrar no mundo serão porventura menores os perigos e menos violentos os combates?
Frequenta as pessoas piedosas.
Sendo possível, tem um confessor fixo para te aconselhar e dirigir.
Sê ativa, e considera que hás de dar conta a Deus do emprego da mais pequenina parcela de tempo.
Não te deixes seduzir pelo exemplo do maior número. Aplica a ti as palavras que Jeremias escrevia aos israelitas no cativeiro: Quando chegardes a Babilônia, vereis os ídolos de ouro e prata, e de pedra e de pau, que incutem terror à multidão. Não imiteis o que fazem os estrangeiros, de modo que também vós respeiteis e temais tais deuses. Quando virdes a multidão aglomerada em torno deles, prestando-lhes homenagem, dizei: Só vós, Senhor, deveis ser adorado (5).
Verás certamente pessoas de certo modo idólatras: os seus ídolos são as riquezas, as honras vãs, os prazeres; dobram diante deles o joelho e prostram-se por terra na sua presença.
Verás muitas vezes honrado o vício, vilipendiada e desprezada a virtude, e até a tua piedade e santa fé católica serão talvez alvo de chufas e desprezo.
Foge dessa gente com dignidade e desprezo santo, e diz com o Apóstolo: Se ainda agradasse ao mundo, não seria servo de Cristo (6).
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Ex. XXIII, 20-21.
(2) Salm. CXVIII, 142.
(3) I Tim. IV, 8.
(4) Apoc. III, 11.
(5) Bar. VI, 3-5.
(6) Gal. I, 10.