O caminho da união

Dai-me luz, Senhor, e dai-me força para arrancar de mim tudo o que me impede de me unir a Vós.

1 – “Deus comunica-Se mais à alma que mais adiantada está em amor; o que é ter a vontade mais conforme com a de Deus” (J.C. S. II, 5, 4). No plano concreto da vida, o amor, quando é verdadeiro, manifesta-se na vontade de fazer o que agrada à pessoa amada, no desejo de se conformar com os seus desejos, os seus gostos, os seus quereres, não querendo nada que lhe possa desagradar. A alma une-se a Deus na medida em que sabe conformar-se verdadeiramente com a Sua vontade: é evidente que esta união não será perfeita enquanto a alma resistir, ainda que coisas pequenas, ao querer divino ou não o aceitar de bom grado, como também enquanto conservar desejos e gostos que, embora levemente, estejam em desacordo com os de Deus. Todo o caminho espiritual para a divina união consiste num duplo movimento muito simples, mas essencial: despojar-se de tudo o que não agrada a Deus, renunciar a tudo o que é contrário à Sua vontade, conformando-se com ela e cumprindo-a com o maior amor. Movimento simplicíssimo, mas ao mesmo tempo muito amplo, porque deve estender-se a todas as circunstâncias da vida, sem excluir nenhuma, de modo que em todas elas – tanto nas grandes como nas pequenas – a alma se conforme perfeitamente com o querer divino; movimento muito profundo, que deve atingir os recantos mais secretos do espírito, para o desembaraçar dos mínimos resíduos e das últimas resistências do egoísmo e do orgulho, não só eliminando as suas manifestações, mas arrancando-lhe também as raízes. Enquanto este trabalho de profunda purificação não estiver terminado, a vontade da alma não poderá estar totalmente conforme com a de Deus, porque a isso se opõem muitas imperfeições e hábitos defeituosos. Só a alma que tem a sua vontade “inteiramente conforme e semelhante à divina, está totalmente unida e transformada em Deus”; por isso, para chegar à união, “não há mister senão despojar-se destas contrariedades e dissimilitudes naturais” (ib.).

2 – Se te examinares atentamente, verás que a tua vontade é ainda muito dissemelhante da de Deus. Deus só quer o bem, e quere-o de um modo perfeitíssimo; tu, ao contrário, juntamente com o bem, queres muitas vezes também o mal; além disso, o próprio bem que tu desejas, deseja-o sem energia e realiza-o de uma maneira muito imperfeita. Sempre que cometes alguma falta, ainda que seja uma simples imperfeição, queres alguma coisa que Deus não pode querer; poderão ser pequeninas faltas de preguiça, de negligência, de impaciência; poderão ser sutis buscas de ti mesmo, ou do afeto e da estima das criaturas; ou ainda segundas intenções que se infiltram nas tuas obras. Tudo isso deve ser eliminado para chegares à união com Deus.

S. João da Cruz diz expressamente que não só os principiantes no caminho espiritual, mas também os aproveitados, estão sujeitos a muitas imperfeições e conservam ainda hábitos imperfeitos, provenientes sobretudo de um sutil orgulho e de egoísmo espiritual. Tendo-se exercitado longo tempo na vida interior, facilmente se insinua neles uma certa presunção e segurança de si, pelo que no seu trato com Deus estão expostos a faltar à humildade e à reverência, ao passo que nas suas relações com o próximo caem muitas vezes na fraqueza de quererem ser tidos por perfeitos. Por isso, não estando ainda completamente desapegados de si mesmos, detêm-se a gozar um tanto egoistamente as consolações espirituais recebidas na oração e assim distraem-se e não buscam somente a Deus, retardam o caminho para a união com Ele e expõem-se a cair nos laços da fantasia ou do demônio (cfr. N. II, 2).

Isto demonstra quão profundas são em nós as raízes do orgulho e do egoísmo; mal desprendemos o coração das vaidades terrenas e dos bens materiais, logo estamos prontos a apegar-nos aos bens espirituais. Contudo não devemos desesperar de chegar à união, mas antes aproveitarmo-nos da nossa miséria para suplicar a bom termo a obra da nossa purificação. De resto, Ele deseja-o mais do que nós próprios e se o não faz como quereria, é somente por nos achar relutantes, impacientes e muito pouco dispostos a aceitar de bom grado aquilo que nos humilha e mortifica profundamente. No entanto é este o único caminho para chegar à união com Deus.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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