Ó meu Deus, que eu possa encontrar-Vos em mim, no pequeno céu da minha alma.
1 – Sta Teresa de Jesus aconselha vivamente às almas interiores uma outra espécie de oração, muito simples e proveitosa: a oração de recolhimento, O fundamento desta oração é a presença divina nas nossas almas; presença de imensidade, pela qual Deus está em nós como Criador e Conservador, de um modo de tal forma real e essencial que “nEle temos a vida, nos movemos e existimos” (Ac. 17, 28); de maneira que, se Ele deixasse de estar presente em nós, deixaríamos de existir; presença de amizade, pela qual Deus está também presente na alma em graça como Pai, como Amigo, como doce Hóspede que a convida a viver em companhia das três Pessoas divinas: com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo. É esta a consoladora promessa de Jesus à alma que O ama: “Se alguém me ama… meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele morada” (Jo, 14, 23).
A oração de recolhimento consiste em tomar consciência desta grande realidade: Deus está em mim, a minha alma é o Seu templo, na intimidade deste templo recolho-me para O adorar, para O amar, para me unir a Ele. “Ó alma formosíssima entre todas as criaturas – exclama S. João da Cruz – que tanto desejas saber o lugar onde está o teu Amado, a fim de O buscares e de te unires a Ele… é coisa de grande contentamento e alegria ver que… está tão perto de ti que está em ti”. (C. 1. 7 e 8). A alma que tem o sentido desta presença de Deus em si, possui um dos meios mais eficazes para fazer oração. “Pensais que importa pouco a uma alma distraída entender esta verdade [ou seja, que Deus está nela] e ver que para falar a seu eterno Pai não precisa de ir ao céu, nem para se consolar com Ele é mister falar em voz alta? Por muito baixo que fale, está tão perto que a ouvirá; nem é preciso asas para ir em busca dEle, basta pôr-se em solidão e olhá-lO dentro de si mesma” (Cam. 28, 2).
2 – Se bem que a oração de recolhimento seja a mais elevada entre as orações ativas, Sta Teresa faz notar que depende de nós alcançá-la, “porque isto não é uma coisa sobrenatural, [ou seja, um recolhimento passivo que é unicamente fruto da moção divina], senão que está no nosso querer e podemos fazê-lo com o favor de Deus” (ib. 29, 4).
É pois importante saber o que a alma tem a fazer para chegar a tal oração, e isto reduz-se a duas coisas: “recolher todas as suas potências e entrar dentro de si com o seu Deus” (ib. 28, 4). Os sentidos, a imaginação, a inteligência, tendem espontaneamente para as coisas externas em que muitas vezes se dispersam; a alma deverá, com um ato de vontade decidido e prolongado, retirar-se do mundo exterior para se concentrar dentro de si, no pequeno céu onde habita a Santíssima Trindade. Este exercício, sobretudo nos começos, requer esforço, e energia e não será logo suave; “a alma, porém – ensina a Santa – procure acostumar-se, embora a princípio tenha trabalho porque o corpo reclama os seus direitos”. Mas depois, pouco a pouco, “se se esforça, ver-se-á claramente o ganho…” (ib. 7), o recolhimento tornar-se-á fácil e gostoso, os sentidos obedecerão prontamente e, se não ficar totalmente livre das distrações, ser-lhe-á menos fatigante vencê-las.
Deste modo a alma pode concentrar-se toda em Deus presente nela, e ali, aos Seus pés, poderá entreter-se conforme for do agrado do seu coração. Não será difícil conseguir passar todo o tempo da oração em atos de fé, de amor, de adoração, não se saciando nunca de admirar, de contemplar o grande mistério da inabitação da Santíssima Trindade no seu pobre coração e de apresentar às três Pessoas divinas as suas humildes homenagens. Mas se isto não lhe bastar, poderá aplicar-se ainda a outros exercícios: “Recolhida em si mesma – diz a Santa – a alma pode pensar na Paixão e representar ali o Filho e oferecê-lO ao Pai e não cansar o entendimento andado a buscá-lO no monte Calvário, no Horto ou atado à coluna”; ou ainda, mais simplesmente, entretenha-se com o Hóspede divino “como com um Pai, com um Irmão, com um Mestre, com um Esposo, umas vezes de uma maneira, outras vezes de outra… Conte-lhe os seus trabalhos e peça-Lhe remédio para eles, reconhecendo que não é digna de ser Sua filha” (Cam. 28, 4, 3 e 2). “Quem – conclui a Santa – puder encerrar-se deste modo no pequeno céu da alma, onde habita Aquele que o fez… creia que leva excelente caminho e não deixará de beber da água da fonte” (ib. 5).
Colóquio – “Ó Senhor, concedei-me a graça de me saber recolher no pequeno céu da minha alma, onde pusestes a Vossa morada. Aqui, ó Mestre divino, Vós deixais encontrar e fazeis-Vos sentir mais perto que noutro lugar e preparais a alma pra entrar mais rapidamente na Vossa intimidade. A alma entende então que todas as coisas criadas não são senão um jogo e parece que subitamente se ergue acima de todas elas e deixa tudo como faz aquele que se esconde numa fortaleza para fugir aos golpes do inimigo. Ó meu Deus, se eu procurasse lembrar-me muitas vezes de que Vós habitais na minha alma, creio que seria impossível entregar-me com paixão às coisas do mundo, porque comparadas com Aquele que trago em mim, me apareceriam em toda a sua baixeza.
“Ajudai-me, ó Senhor, a retirar os meus sentidos das coisas exteriores, tornai-os dóceis às ordens da minha vontade para que, quando desejo estar conVosco, eles se recolham espontaneamente, semelhantes às abelhas que se abrigam na colmeia para fabricarem o mel” (cfr. T.J. Cam. 28, 4-10).
“Eis, Senhor, que dizeis à minha alma: ‘o meu reino está dentro de ti’. Grande contentamento é para mim saber que não Vos afastais nunca de mim e que eu não posso viver sem Vós. Que mais desejas, ó minha alma, que mais procuras fora de ti mesma, quando dentro de ti possuis as tuas riquezas, os teus deleites, a tua satisfação, a tua fatura e o teu reino, isto é, o Amado que tu desejas e buscas?” (cfr. J.C. C. 1, 7 e 8).
“Ó meu Deus, Vós estais em mim e eu em Vós. Encontrei o meu céu na terra, porque o céu sóis Vós, Senhor, e Vós estais na minha alma. Aqui Vos encontro sempre, mesmo quando o sentimento não adverte a Vossa presença. Mas Vós mesmo estais aqui e aqui me agrada tanto procurar-Vos, Oh! que eu nunca Vos deixe só” (cfr. I.T. Cart.).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.