A Paixão do Senhor: Pilatos conversa outra vez com Jesus

Anthony van Dyck, Cristo coroado de espinhos [detalhe], por volta de 1620, domínio público, Wikimedia Commons

Mais numerosos que os cabelos de minha cabeça os que me detestam sem razão (SI 68, 5). Os sacerdotes e o povo odiavam o Senhor sem motivo, por isso quando Pilatos disse para o olharem, ao invés de ter piedade, chamaram-no de blasfemo e pediram a crucificação.

Os sacerdotes até aquele momento, tinham omitido a acusação de Filho de Deus, apenas usaram os argumentos de que queria ser rei e era contra César; pensavam que a acusação de ser contra Roma teria mais força com um gentio. Certamente Pilatos levou com seriedade a denúncia de que Jesus era contra César. Mesmo tendo com provado que tudo era por inveja e ódio, apenas a citação do nome do im perador o obrigava a ter muito cuidado; não podia condenar injustamente, mas absolvendo os sacerdotes poderiam acusá-lo de dar liberdade a um inimigo do império. Preocupado diante da situação, decidiu eximir-se.

Enviou Jesus para Herodes, depois tentou uma troca por Barrabás e por fim mandou flagelá-lo; nenhuma destas tentativas deu resultado.

Como Pilatos continuava indeciso e cheio de dúvidas, apresentaram uma nova acusação: fazer-se Filho de Deus. Ficou mais confuso ainda, pois tinha ouvido falar maravilhas sobre Jesus; ouviu do próprio Senhor que seu reino não era deste mundo; presenciou pessoalmente o silêncio e a prudência nas respostas. Como gentio, estava predisposto a acreditar que Jesus era Filho de Deus, acostumado no mundo pagão, tinha ouvido falar de filhos de deuses, cuja mãe era mortal e o pai um deus do Olimpo. Os relatos das heróicas façanhas de Jesus tornavam muito aceitável que realmente fosse filho de um deus, mesmo sendo um mortal.

Começava a achar um erro ter açoitado um filho de deus, não sabia mais o que fazer; poderia estar absolvendo um blasfemo ou condenando um filho de um deus; de qualquer maneira temia o castigo que viria do céu.

Entrou no pretório e falou outra vez com Jesus, perguntando: De onde és tu? Não perguntava de sua terra, pois sabia que era galileu, mas da origem e da natureza: O que dizem é verdade? Você é filho de um deus ou simplesmente um homem? Quem são os seus pais? Veio do céu ou de algum lugar escondido da terra?

Pilatos havia declarado várias vezes que não encontrava nele culpa alguma e como estava convencido da inocência, era obrigado a absolvê-lo. O Senhor sabia que as perguntas nasciam do medo de perder o cargo de governador e da superstição. Por isso, nada respondeu.

Aos judeus, Jesus deixou claro em várias oportunidades que era Filho de Deus, pois os sacerdotes conheciam muito bem as Escrituras e sabiam exatamente o que perguntavam. Pilatos, a o contrário, não sabia o que perguntava e nem queria conhecer a verdade; assustado, desejava apenas livrá-lo, mas o Senhor não quis fugir da cruz; todos os envolvidos sabiam o necessário, de modo que não tinham motivos ou justificativas para a condenação.

Pilatos estava disposto a livrar Jesus da morte e ficou surpreendido que ele nada respondesse em sua defesa. O silêncio, para um pagão sem fé e supersticioso, fazia aumentar a crença na divindade do réu.

Querendo mostrar que estava preocupado, Pilatos então disse: Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e para te crucificar? (Jo 19, 10). Assim se condenava, pois confessou que tinha o poder e de nada valeria depois, lavar as mãos e lançar a culpa apenas nos judeus.

Velho perverso! Eis que agora aparecem os pecados que cometeste outrora em julgamentos injustos, condenando os inocentes e absolvendo os culpados; no entanto, é Deus quem diz: não farás morrer o inocente e o íntegro (Dn 13, 52-53).

Pilatos era desses juízes em que o poder sobe à cabeça, não usam mais a justiça, apenas a ambição.

Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce! Ai daqueles que são sábios aos próprios olhos, e prudentes em seu próprio juízo! Ai daqueles que põem sua bravura em beber vinho, e sua coragem em misturar licores; daqueles que, por uma dádiva, absolvem o culpado, e negam justiça àquele que tem o direito a seu lado! (Is 5, 20-23}.

O Senhor não permaneceu mais calado, pois sabia que o abuso é uma injustiça contra a sociedade e não agrada Deus. Jesus, juiz dos vivos e dos mortos, que veio para dar testemunho da verdade, disse ao governador: Não terias poder algum sobre mim, se de cima não te fora dado. Por isso, quem me entregou a ti tem pecado maior (Jo 19, 11). Acabava com a soberba de Pilatos, que não tinha poder legítimo em condenar um inocente. Mostrava que a hora das trevas vinha da permissão de Deus e depois teria de prestar contas, por ter usado com perversidade o poder concedido.

Pilatos reconheceu a injustiça e que o seu poder era outorgado, teria de prestar contas ao imperador romano, aos deuses ou a esse poder de cima que Jesus se referia. Desde então Pilatos procura va soltá-lo. Mas os judeus gritavam: Se o soltares, não és amigo do imperador, porque todo o que se faz rei se declara contra o imperador (Jo 19, 12).

Confirmaram que a acusação de blasfêmia não surtiu efeito junto ao governador, então começaram a pressionar Pilatos: indicando que era procurador de César e governava em seu nome; que está na cidade para defender e fazer respeitar a autoridade do imperador; que como leais súditos era dever entregar um inimigo de Roma, mesmo que fosse um judeu; que estavam surpreendidos como defendia e desejava libertá-lo e logo César saberia em que espécie de governador tinha confiado.

Pilatos preferiu conservar o poder, mesmo que para isso fosse necessário fechar os olhos para a justiça e para a verdade. Como castigo, passados alguns anos foi exilado pelo próprio imperador e teve morte violenta. (12)

Vencido, Pilatos pronunciou então a sentença que lhes satisfazia o desejo ( Lc 23, 24).

A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.

(12) Nos Evangelhos Apócrifos encontram-se algumas versões para o final de Pilatos: morre com uma flechada lançada por César; um carrasco decepa sua cabeça; exilado em Damasco até morrer; suicidou-se com um cutelo. Nenhum destes relatos tem valor histórico.

Última atualização do artigo em 4 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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