A tempestade acalmada – Quarto Domingo depois da Epifania

A TEMPESTADE ACALMADA – QUARTO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA

Eu Vos adoro, Senhor, escondido na barquinha da minha alma: se estiverdes comigo, nada temerei.

1 – Na liturgia de hoje, e particularmente no Evangelho (Mt. 8, 23-27), Jesus aparece como o dominador dos elementos, o vencedor de todas as tempestades.

“E eis que se levantou no mar uma grande tempestade, de modo que as ondas alagavam a barca”. Podemos pensar nas perseguições que desde há séculos têm caído sobre a barca de Pedro, a Igreja, ou também nas provas que Deus permite a cada alma. Em todo o caso, o espírito de fé diz-nos que qualquer luta ou tempestade da vida é sempre querida, permitida ou pelo menos não impedida por Deus: “tudo é graça” (T.M.J. NV. 5-VI), tudo é fruto do Seu amor infinito. Deus não é um tirano que nos esmaga, mas um Pai que nos prova unicamente porque nos ama: se permite a dor, as tempestades interiores ou exteriores, individuais ou sociais, é só para tirar delas um maior bem. A virtude e o bem fortalecem-se nas dificuldades; o esforço feito para reagir leva-nos a ultrapassarmo-nos, o que não aconteceria em tempo de plena calma.

Jesus dorme tranquilamente no fundo da barca e os discípulos assustados acordam-nO, gritando: “Senhor, salva-nos, que perecemos!”; e Ele responde-lhes em tom de censura: “Porque temeis, homens de pouca fé?”

Quando no meio das provações nos assustamos e desanimamos, no fundo é sempre por falta de fé. Ainda quando Deus Se esconde e tudo parece ruir e nos sentimos horrivelmente sós, é absolutamente certo que Ele jamais nos abandona, se não formos nós os primeiros a abandoná-lO. Em vez de perder a paciência ou de cair no desespero, é o momento de intensificar a nossa fé, de fazer atos enérgicos desta virtude: “Conto com Ele – dizia Sta Teresa do M. Jesus -. Poderá o sofrimento atingir as barreiras da capacidade humana, mas tenho a certeza de que o Senhor nunca me há de largar da Sua mão” (H.).

2 – Os Apóstolos só foram salvos quando recorreram a Jesus: enquanto lutaram e se cansaram sós, nada conseguiram. Muitas vezes não chegamos a poder dominar certas lutas interiores precisamente porque trabalhamos sós, mas o Senhor quer fazer-nos experimentar que o nosso esforço não é suficiente sem a Sua intervenção e por isso deixa-nos na tempestade até que recorramos a Ele com plena confiança. Deus quer certamente os nossos esforços, mas não quer que fundemos neles toda a nossa esperança. Eis a causa de tantas faltas toda a nossa esperança. Eis a causa de tantas faltas de progresso no caminho da santidade: contar excessivamente com os nossos recursos pessoais e pouco com a ajuda de Deus. É preciso estarmos bem convencidos de que “a nossa capacidade vem de Deus” (II Cor. 3, 5); devemos ter menos confiança em nós mesmos e mais confiança em Deus. Jesus pode tudo e a confiança faz milagres. “A alma alcança d’Ele tanto quanto espera” (J.C.N. II, 21, 8).

Mas podemos ainda considerar outro gênero de tempestades: as provocadas pelas dificuldades que muitas vezes encontramos na convivência com o próximo. O remédio é-nos dado por S. Paulo na Epístola (Rom. 13, 8-10): “A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor mútuo. O amor tudo vence: o amor de Deus vence as tempestades interiores; o amor do próximo que ama os irmãos por amor de Deus, vence as tempestades que nascem de divisões, incompreensões, choques de temperamentos. Se de certas pessoas não recebemos mais que amarguras e ofensas, sigamos o precioso conselho de S. João da Cruz: “aonde não há amor, ponha amor e tirará amor” (Cart. 22).

Colóquio – “Senhor meu, como sois um amigo verdadeiro e poderoso que podeis quanto quereis e nunca deixais de mar a quem Vos ama! Louvem-Vos todas as criaturas, Senhor do mundo! Quem desse vozes para dizer quão fiel sois a Vossos amigos! Todas as coisas faltam, Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais. Pouco é o que deixais padecer a quem Vos ama. Que delicada, doce e saborosamente os sabeis tratar! Oh! Quem nunca se tivesse detido a amar ninguém senão a Vós!

Parece, Senhor, que se provais com rigor a quem Vos ama é para que, no extremo do trabalho se entenda o maior extremo do Vosso amor. Deus meu, quem tivesse entendimento e letras e novas palavras para encarecer Vossas obras como as entende a minha alma! Falte-me tudo, Senhor meu, mas se Vós não me desamparais, eu não Vos faltarei a Vós! Levantem-se contra mim todos os letrados, persigam-me todas as coisas criadas, atormentem-me os demônios, não me falteis Vós, Senhor, que eu já tenho experiência do lucro com que deixais a quem só em Vós confia! . . . ” (T.J. Vi. 25, 17).

Despojai-me, Senhor, de toda a confiança nas minhas forças e fazei-me compreender também na prática, ainda que isso seja para mim doloroso e humilhante. Não, Senhor, não quero mais fiar-me em mim mesmo, mas quero pôr só em Vós toda a minha confiança. Com o Vosso auxílio continuarei a esforçar-me por praticar a virtude, por progredir nos Vossos caminhos, mas sempre com o olhar fixo em Vós, Sol divino, já que só Vós podeis fecundar os meus pobres esforços e fazer amadurecer os frutos da virtude. E no meio das tempestades refugiar-me-ei em Vós, invocar-Vos-ei com toda a força do meu coração e da minha fé, certo de que me concedereis aquela paz e aquela vitória que em vão procuraria longe de Vós.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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