O Liberalismo é Pecado – 08. Sombra e Penumbra, ou Razão Extrínseca desta mesma Seita Católico-Liberal

LIBERALISMO É PECADO

D. Félix Sardà y Salvany

08.  SOMBRA E PENUMBRA, OU RAZÃO EXTRÍNSECA DESTA MESMA SEITA CATÓLICO-LIBERAL

Havendo analisado no capítulo anterior a razão intrínseca, ou formal, como quiserem chamar-lhe, do Liberalismo católico, passemos a examinar agora a que poderíamos chamar sua razão extrínseca, histórica ou material, se a nossos leitores agradar mais esta última classificação escolástica.

As heresias que estamos hoje, no dilatado curso dos séculos que medeiam entre a vinda de Jesus Cristo e os tempos em que vivemos, apresentam-se-nos à primeira vista, como pontos clara e definidamente circunscritos a seu respectivo período histórico, podendo-se, segundo parece, demarcar como a compasso o ponto onde começam e onde terminam, isto é, a linha geométrica que separa estes pontos negros do restante campo iluminado em que se ostentam.

Porém, esta apreciação, se bem advertimos, não passa de uma ilusão da distância.

Um estudo mais detido, que com a lente de uma boa crítica nos acerque daquelas épocas, e ponha em verdadeiro contato intelectual com elas, nos permitirá observar que nunca em algum desses períodos históricos aparecem assaz geometricamente definidos os limites que separam o erro da verdade, – não na realidade dela, porque esta, claramente formulada, a dá a definição da Igreja, mas na sua apreensão e profissão externa, isto é, no modo por que a respectiva geração se houver negá-la ou professá-la com mais ou menos franqueza.

O erro na sociedade é como uma feia nódoa numa tela de primoroso tecido.

Vê-se claramente, mas custa precisar-lhe os milites; são vagas suas fronteiras, como os crepúsculos que separam o dia que finda da noite que se avizinha, e por sua vez a noite que passa do dia que renasce. Precedem o erro, que é negra sombra, seguem-no e rodeiam-no umas como vagas penumbras que podem tomar-se às vezes pela mesma sombra, iluminada todavia por um outro reflexo de luz moribunda, ou pela mesma luz, empanada e obscurecida já pelas primeiras sombras.

Assim, todo o erro claramente formulado na sociedade cristã, teve em volta de si outra como atmosfera do mesmo erro, porém, menos denso e mais tênue e moderado.

O arianismo teve o seu semi-arianismo; o pelagianismo o seu semipelagianismo; o luteranismo feroz o seu jansenismo, que não foi mais que um luteranismo moderado.

Assim, na época presente, o Liberalismo radical tem em volta de si o seu correspondente semiliberalismo, que outra coisa não é seita católico-liberal, que estamos analisando.

É o que Syllabus chamou um racionalismo moderado; é o Liberalismo sem a franca rudeza de seus primeiros princípios a descoberto, e sem o horror de suas últimas consequências; é o Liberalismo, para uso dos que não consentem todavia em deixar de parecer ou crer-se católico; é o Liberalismo, triste crepúsculo da verdade que começa a obscurecer-se a ganhá-lo e possuí-lo completamente.

Observamos com efeito que costumam ser católicos liberais os católicos que vão deixando de ser firmes católicos, e os liberais puros, que desenganados em parte dos seus erros, não acabaram todavia de entrar em cheio nos domínios da verdade íntegra.

É este além disso o meio sutil e engenhosíssimo que encontrou sempre o diabo para reter em sua rejeição muitos que de outro modo teriam aborrecido deveras, se bem as conheceram as suas maquinações, infernais.

Consiste este meio satânico em permitir que tenham um pé no terreno da verdade, contanto que tenham o outro já completamente no campo oposto.

Assim evitam o salutar horror do remorso os que não tem ainda completamente calejada a consciência; e livram-se além disso dos compromissos, que importa sempre toda a resolução decisiva, os espíritos fracos e vacilantes, que são que mais se encontram. Assim, conseguem os utilitários figurar, segundo lhes convém, um pouco em cada campo fazendo por aparecer em ambos como amigos e filiados; assim pode finalmente o homem dar um como paliativo oficial e reconhecido à maior parte de suas fraquezas e inconsequências.

Talvez não tenha ainda sido devidamente estudada por este lado a presente questão, na história antiga e contemporânea; lado, já que por infelicidade, no menos nobre e elevado é que muitas vezes se encontram o mecanismo secreto da maior parte dos fenômenos humanos. Pela nossa parte, pareceu-nos conveniente fazer aqui esta indicação, deixando a inteligências mais experimentadas e sutis o cuidado de ampliá-la por completo.

O Liberalismo é Pecado – Pe. Félix Sardá y Salvany, 1949.

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