Bem-aventurados os misericordiosos

Ó Espírito Santo, fazei o meu coração misericordioso à imitação do Coração de Jesus.

1 – Pelo dom de conselho, o Espírito Santo quer assumir a direção prática da nossa vida para nos conduzir à santidade. Por isso toda a perfeição cristã, objeto da doutrina de Cristo, é igualmente objeto do dom de conselho e das inspirações do Espírito Santo: “Ele vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo, 14, 26), declarou o Mestre. Como a nota característica da doutrina de Jesus é o amor, pois chama-lhe o Seu mandamento, da mesma forma, entre as inspirações do dom de conselho há uma geralmente reconhecida como o efeito próprio deste dom: é a misericórdia.

Jesus, ao propor o Seu mandamento, disse: “Amai-Vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo. 15, 12); pois bem, a característica fundamental do Seu amor, do amor de Deus aos homens, é exatamente a misericórdia. Todas as criaturas são miséria diante de Deus, miséria incapaz de subsistir sem a Sua contínua intervenção. E nós, homens, o que somos? Não só miséria incapaz de subsistir, mas miséria capaz de pecar; sozinhos “nada somos, nada podemos, nada valemos, nada temos a não ser o pecado” (S. João Eudes). Somos portanto miséria, em toda a extensão da palavra. Por isso, quando Deus nos ama, o Seu amor é essencial e necessariamente uma to de misericórdia, é amor que Se inclina sobre a nossa miséria para a levantar, sustentar, enriquecer com a Sua riqueza infinita. O que o Espírito Se propõe levar a efeito em nós de um modo particular pelo dom de conselho é ensinar-nos a imitar esta misericórdia, característica principal do amor de Deus por nós. O Espírito Santo quer fazer-nos chegar à perfeita observância do mandamento de Jesus, isto é, quer levar-nos a imitar o amor misericordioso do Seu Coração divino: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”; quer levar-nos a imitar a misericórdia infinita do Pai celeste: “sede misericordiosos como também vosso Pai é misericordioso” (Lc. 6, 36).

2 – Deus é infinitamente misericordioso porque conhece a fundo a nossa miséria; nós somos tão pouco misericordiosos porque a conhecemos muito pouco. O Espírito Santo, por meio do dom de conselho, ilumina-nos sobre este ponto, sobretudo no que diz respeito à nossa miséria pessoal: nos fracassos, nas quedas, repete-nos no fundo do coração as advertências de Jesus: “Se, mim nada podeis fazer… Sois servos inúteis” (Jo. 15, 5; cfr. Lc. 17, 10). Pouco a pouco esta lição, tornada mais viva e eficaz pela experiência, penetra profundamente nas nossas almas; então já não precisamos de longos raciocínios para nos persuadirmos da nossa insuficiência, do nosso nada: vemo-lo, tocamo-lo. O dom de conselho abriu-nos os olhos.

A compreensão da nossa miséria pessoal também nos torna compassivos com a miséria alheia. Como pode atrever-se a condenar os outros quem está verdadeiramente convencido da própria fragilidade, fraqueza e inconstância? “O que de vós está sem pecado, seja o primeiro que atire a pedra” (Jo. 8, 7), sugere-nos interiormente o Espírito Santo quando, indignados pelas faltas alheias, nos sentimos talvez tentados a imitar o gesto duro dos fariseus para com a mulher adúltera. O Espírito Santo quer esculpir em nós os traços de Jesus, quer transformar-nos em imagens vivas do Salvador, e por isso, suave e incessantemente, incita-nos à misericórdia. Faz brotar no nosso coração o amor para com os miseráveis: tanto para com os miseráveis na ordem material como na ordem moral, a fim de irmos, como Jesus, á procura deles, dispostos a sacrificar-nos pela sua salvação. Impele-nos, sobretudo, a procurar aqueles que, tendo-nos feito sofrer, têm especial direito à nossa misericórdia; então já não poderemos contentar-nos com perdoar-lhes, com tratá-los com mansidão, mas sentiremos a obrigação de lhes fazer bem para nos conformarmos plenamente com o que Jesus ensinou: “Fazei bem aos que vos odeiam” (Mt. 5, 44).

Eis onde nos quer levar o Espírito Santo com o dom de conselho, e desse modo estabelecer-nos-á naquela misericórdia perfeita da qual o divino Mestre disse: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt. 5, 7). Este é o conselho prudentíssimo do Espírito Santo: sede misericordiosos porque “segundo o juízo com que julgardes, sereis julgados” (ib. 7, 2).

Colóquio – “A Vós recorro, Senhor, movido pela Vossa bondade e misericórdia, pois sei que não desprezais os pobres nem tendes horror aos pecadores. Não repelistes o ladrão que confessava os seus crimes, nem a pecadora desfeita em lágrimas, nem a cananeia suplicante, nem a mulher surpreendida em flagrante adultério, nem o cobrador no seu banco de impostos, nem o publicano que implorava misericórdia, nem o Apóstolo que Vos negava, nem mesmo aqueles que Vos crucificavam. O perfume das Vossas graças atraiu-me.

“Senti o aroma da Vossa misericórdia, e venho a Vós para me fornecer dela. Feliz o homem que, seguindo os Vossos exemplos, tem o coração cheio de compaixão para com os miseráveis. Feliz o que é misericordioso e pronto para socorrer os indigentes, que se considera mais ditoso em dar do que em receber, que está pronto para perdoar e é lento em se irritar, que nunca se vinga e considera em todas as circunstâncias as necessidades alheias como se fossem suas. Ó Senhor, derramai na minha alma o rocio da Vossa misericórdia, enchei o meu coração de caridade a fim de que eu saiba fazer-me tudo para todos e morrer de tal maneira a mim mesmo que viva só para o bem alheio. Ensinai-me a destilar o suave perfume da misericórdia, composto das necessidades dos pobres, das angústias dos oprimidos, das ânsias dos aflitos, das faltas dos pecadores, e enfim de todos sofrimentos daqueles que estão na dor, mesmo que sejam nossos inimigos. Todas estas coisas parecem desprezíveis à minha natureza, mas o perfume que delas se extrai supera todos os aromas porque, como Vós dissestes, tem o poder de nos dar a vida eterna: Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia. Senhor, fazei que eu possa derramar este perfume não só sobre a Vossa cabeça e os Vossos pés, mas também sobre o Vosso corpo inteiro, que é a Igreja, para mitigar as dores de todos os Vossos membros que sofrem” (cfr. S. Bernardo).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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