“A piedade que se satisfaz com o necessário, escrevia são Paulo a Timóteo, (1) é uma grande riqueza, porque nada trouxemos ao entrarmos no mundo e, sem dúvida, nada levaremos. Se, pois, temos com que nos alimentar e nos vestir, estamos satisfeitos. Os que querem ser ricos, caem em grande tentação, em ciladas, em inúmeros desejos insensatos e funestos, que lançam os homens na ruína e na perdição, pois o apego ao dinheiro é o principio de todos os males, e quantos que se entregaram a esta inclinação, naufragaram na fé e se tornaram vítimas de muitos tormentos !” “O ouro, diz o Sábio, tem perdido muita gente.” (2)
As Escrituras Santas nos fornecem exemplos pasmosos destes males causados pelo amor ao dinheiro. Por ter cedido à cobiça, Giezi, servo de Eliseu, foi ferido de lepra (3); Ananias e Saphira foram castigados de morte e Judas atraiçoou a seu Mestre.
As palavras proferidas por Nosso Senhor contra os perigos das riquezas figuram entre as mais fortes caídas dos seus lábios divinos: “Ai de vós, ricos, pois já tendes a vossa consolação; ai de vós que estais fartos, pois tereis fome.” (4) “Como é difícil para os que possuem as riquezas entrarem no reino de Deus! Com efeito, é mais fácil a um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que a um rico entrar no reino de Deus.” Estas palavras causariam o desespero de muitos, se o Salvador não acrescentasse: “o que é impossível aos homens é possível a Deus.” (5) A parábola do mau rico e de· Lázaro também nos mostra como as privações, para os pobres, são preciosos auxílios à própria salvação e as delícias e os gozos, para os ricos, sérios perigos de condenação. “Não podeis ao mesmo tempo servir a Deus e ao dinheiro,” (6) declarou ainda o Senhor. Ao moço que observara fielmente os mandamentos e que Ele olha com amor, Jesus dá esta grande lição: “Uma coisa de falta: se quiseres ser perfeito, vende quanto tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e, depois, vem e segue-me.” (7)
– Santo Tomás enumera três obstáculos que apresentam as riquezas, em relação ao exercício da caridade: os cuidados que dão, o apego que se lhes têm e que vai crescendo à medida· que elas aumentam, o orgulho e a vanglória que elas alimentam e excitam. {8) Acrescente-se ainda a facilidade que proporcionam de gozar dos prazeres de que a natureza é tão ávida.
Os cuidados existem, nota santo Tomás, até nos que possuem pouco, por serem estes obrigados a prover-se do necessário à sua subsistência. Entretanto, quando se procura apenas o indispensável, muito poucos cuidados se tem e não há nisto empecilho algum à santificação. Os que têm muitas riquezas têm também muito mais preocupações: pensam na sua fortuna, nas suas empresas; calculam de antemão os lucros que poderão realizar e incomodam-se com os prejuízos que poderão ter. Os bens deste mundo não dão, pois, a felicidade. “O amor insaciável das riquezas, declara são Bernardo, atormenta muito mais a alma pelo desejo do que a satisfaz pelo gozo; sua aquisição é penosa, sua posse enche de temor e sua perda mergulha na dor.” (9) “Onde está o vosso tesouro ali está o vosso coração, disse o Salvador. Com efeito, as pessoas que possuem os bens deste mundo e que a eles se apegam, se deixam absorver pelos negócios materiais e mal consagram uma atenção diminutíssima ao negócio incomparavelmente mais grave de seu adiantamento espiritual. As graças que lhes advém das instruções, das boas leituras, dos piedosos exemplos, não aproveitam quase nada, como Nosso Senhor o proclama na parábola da sementeira: “Os que recebem a semente nos espinhos, são os que escutam a palavra, mas os cuidados do mundo, a sedução das riquezas e outras concupiscências entram-lhes no coração, abafam a palavra divina e ela não dá fruto.” (10)
Como todos os afetos que invadem o coração humano, o apego dos bens terrenos, quando não combatido, vai crescendo sempre. A criança não dá importância ao dinheiro, mas afeiçoa-se a seus brinquedos e aos pequenos objetos que possui. A’ medida que o homem envelhece, se cede a esta inclinação, apega-se cada vez mais a tudo o que tem e acabará – o que é uma verdadeira loucura – amando a riqueza pela riqueza, o dinheiro pelo dinheiro. “Tenho considerado outra vaidade debaixo do sol: tal homem está só, não tendo ninguém consigo, nem filho, nem irmão; contudo, seu trabalho não conhece tréguas e seus olhos não se fartam de riquezas, e ele nem pensa: porque estou trabalhando?” (11) “Aquele que gosta de dinheiro, não se farta de dinheiro e aquele que está apegado às riquezas, não goza do seu fruto; . . . que vantagem tiram delas os que as possuem senão de as terem debaixo dos olhos?”
É de experiência quotidiana que, quem possui objetos preciosos e, com maior razão, quem é favorecido dos dons da fortuna, se prevalece disto para se elevar a seus próprios olhos e procura tirar disto uma certa glória. Estas disposições de orgulho e de vaidade representam um grande obstáculo às graças de Deus e desviam do desejo da perfeição quem a elas se entrega.
Emfim, as tentações de proporcionar à natureza as satisfações de que se mostra tão ávida, não deixam de se robustecer, quando a fortuna permite tão facilmente de as obter. Pelo contrário, quando a pobreza impõe privações, é bastante mostrar “bom coração contra má fortuna” para
lucrar grandes méritos.
Os que querem trabalhar para sua santificação, devem desapegar-se dos bens terrenos e seguir este conselho de santo Agostinho: “Considerai o dinheiro como urna provisão de viagem; usai dos bens da terra como o viajante no hotel usa da mesa, dos pratos, da cama que põem à sua disposição e que não leva consigo. (12)
As restrições dos gozos que proporcionam os bens deste mundo, as privações das coisas agradáveis ou mesmo úteis, muito favorecem o desapego. A generosidade na esmola, tão encarecidamente recomendada pela Igreja e admiravelmente praticada em todas as épocas pelos verdadeiros cristãos, é o melhor remédio contra o apego desordenado aos bens da terra.
Manual de Espiritualidade por A. Saudreau, Cônego honorário de Angers. Primeiro Capelão da Casa Madre do Bom Pastor, 1937.
(1) VI, 6.
(2) Ecl. VIII, 3.
(3) IV Reis, V, 27.
(4) Luc VI, 24.
(5) Luc XVIII, 24-27.
(6) Math VI, 24.
(7) Math XIX, 21. – Math X, 21.
(8) 2. 2, q. 188, a. 7.
(9) De conversion, VIII, 14.
(10) Marc IV, 18.
(11) Ecl V, 7-8.
(12) Ibiden, V, 9.
Última atualização do artigo em 13 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico