Santa Maria Madalena

Ocupamo-nos hoje de uma Santa, em cuja fronte não fulgura o diadema das virgens de Cristo, mas de uma santa penitente. Era Maria Madalena conhecida na cidade por pecadora, como afirma o Santo Evangelho, que relata a história da conversão dessa alma predileta de Deus. Dos espinhos da penitência brotou-lhe a rosa do amor. As lágrimas de arrependimento lavaram-lhe a veste maculada da alma.

“Veni, sponsa Christi!” Vem, oh esposa de Cristo! – é o cântico com que a Igreja entra hoje na festa de Santa Maria Madalena. Será passível que estas palavras se apliquem a uma pecadora? Será possível que uma pessoa nas condições de Maria Madalena possa merecer o qualificativo honroso de esposa de Cristo? A coroa da inocência, que perdera, foi substituída pela coroa do amor penitente. As graças abundantes que do Senhor recebeu, provam-nos o amor imenso que Deus tem à nossa alma.

Nas margens do lago Genesareth havia, no tempo de Nosso Senhor, uma rica vivenda, chamada Magdala. Quer a tradição que aquela vivenda tenha sido a residência de Maria Madalena, jovem descendente de família nobre e rica, dota-la de qualidades invejáveis de corpo e espírito.

Órfã de tenra idade, bem cedo adquiriu uma certa independência, o que lhe foi perdição. Cortejada pelos jovens mais distintos; que lhe cobiçavam a grande fortuna, Madalena deixou-se arrastar para um terreno perigosíssimo, à vaidade, ao desejo de agradar. O resultado foi que, pouco a pouco, perdendo a prudente reserva e o recato próprio de uma donzela, deu ouvidos à voz sedutora da paixão. Na ambição de ser rainha dos corações, chegou a ser escrava do pecado.

Anos se passaram. Madalena sorvera o cálice do prazer até ao fundo, quando, um dia, o coração se lhe sentiu tocado pela graça divina.

Quis a Providência divina, como por acaso, que o olhar se lhe cruzasse com o olhar sereno e majestoso do Divino Mestre. Pela primeira vez lhe veio a compreensão de que outra coisa, que não a sensualidade, era capaz de ferir o coração humano: o amor divino. Bastou um olhar de Jesus Cristo para dissipar as nuvens do pecado, que ofuscavam o espírito da pobre pecadora; bastou um olhar de Jesus, para fazer derreter-lhe o gelo do coração.

Foi uma circunstância singular que trouxe Madalena aos pés de Jesus. A conversão efetuou-se durante um banquete. Assim o tinha determinado a Providência Divina. Aquela, cujo pecado tinha sido público, devia, prestar reparação pública. Escrava da sensualidade, por ocasião de um grande banquete devia derramar lágrimas de penitência. Com santa impaciência o divino Pastor tinha esperado a volta da ovelha perdida. Se aceitara o convite do fariseu para o banquete, era com a esperança de encontrar aquela ovelha.

Reunidos os convivas, em meio do banquete, aparece a figura da pecadora. Nas mãos trêmulas segura um vaso de alabastro, com unguentos preciosos para, segundo o costume do país, ungir a testa e o cabelo dos que jaziam à mesa. A rica cabeleira cai lhe desordenadamente sobre as espáduas, e o belo rosto traz-lhe estampadas a tristeza e a confusão.

O fariseu, vendo-a entrar, finge não ligar importância ao fato. Para ele Madalena é uma decaída, objeto de desprezo. Que não se atrevesse a chegar perto, para urgir-lhe a cabeça!

Eis que a pobre mulher se aproxima do Cordeiro de Deus. Estupefação geral! Mas o olhar da pecadora não ousa enfrentar a luz do Sol divino. “Retro”, diz o Evangelho, – de costas se chega aos pés do divino Salvador.

Pouco se lhe dá que a persigam olhares malévolos e a firam censuras sarcásticas. Uma só coisa quer, uma idéia a ocupa: obter o perdão d’Aquele que veio trazer a salvação.

Ei-la, de joelhos, perante o Senhor da vida e da morte; ei-la na presença do juiz. Palavra nenhuma os lábios lhe articulam. A dor embarga-lhe a voz. Dos olhos lhe jorra a fonte amarga da penitência. Se viera para ungir a seu Deus e Senhor, as lágrimas pressurosas estão a substituir o nardo precioso. E assim, prostrada aos pés do Mestre, não mais as retém, orvalhando-os abundantemente com a linfa preciosa do arrependimento. Não era o que queria; não era essa sua intenção; mas não mais possível lhe é abafar o fogo, que lhe invade o peito; não mais resiste ao calor abrasador, que lhe arde no coração. Não tem palavra para dizer o que lhe vai na alma. Mais eloquentes são as lágrimas, que gotejam sobre os pés de Jesus. Grande silêncio fez-se na sala, interrompido somente pelos discretos soluços da mulher.

No meio da dor que lhe dilacera o coração, como se sente bem! Oprimida pelo peso dos crimes, sabe que está aos pés d’Aquele que é a Caridade. O único olhar que teve a felicidade de receber, dos olhos do Filho do homem, disse-lhe que está aberta a porta do perdão a todos, – também a ela o está.

Entre os convivas corre um malicioso cochichar: “Se este fosse profeta, deveria saber quem é essa mulher, e não permitir que o tocasse”. Têm eles razão e quem de nós, em seu lugar, teria formado conceito contrário? Mas Jesus Cristo assim não pensa.

Vendo os pensamentos dos fariseus, disse a Simão: Um credor tinha dois devedores; um devia-lhe quinhentos dinheiros e o outro cinquenta. Como não tivessem com que lhe pagar, perdoou-lhes a dívida a ambos. Qual dos dois lhe ficará querendo mais bem? Simão respondeu: “Penso que é aquele a quem perdoou maior soma”. Jesus disse-lhe: “Julgaste bem”. voltando-se para a mulher, disse a Simão: “Vês esta mulher?  Entrei em tua casa, e não me deste água para lavar os pés; ela os regou com as lágrimas e enxugou com os cabelos. Não me deste o ósculo da boa vinda; e ela não cessou, desde que entrou aqui, de beijar me os pés. Tu não me derramaste óleo perfumado na cabeça; ela me ungiu os pés com perfumes. Por isso te declaro: Muitos pecados lhe são perdoados, porque ela amou muito. Pois ama menos a quem menos se perdoa.” Silenciosa, tinha ouvido essas palavras a pecadora. De joelhos, os olhos ainda embasados de chorar, tímidos e confiantes, procuraram o rosto do Senhor. O coração diz-lhe que já achou o perdão; sente pousar sobre o olhar da caridade, que purifica, perdoa e eleva.

Como lhe jubila o cora­ção, quando o Bom Pastor se lhe dirige, com palavras doces como mel: “Teus pecados estão perdoados. Tua fé te salvou; vai em paz”.

Ela se levanta e, silenciosa como viera, se retira. Não é mais pecadora. Perdoada, santificada, inteiramente transformada a alma de Madalena nada em felicidade, abrasada de amor divino, de um amor forte, durável e eterno.

No monte Calvário encontramos a santa penitente, entre as almas eleitas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Surda aos gritos blasfemos de uma multidão sacrílega, indiferente aos motejos sarcásticos e injuriosos, a atenção concentrasse-lhe toda na vítima, que na cruz se oferece ao eterno Pai, em expiação dos pecados do mundo. Com o mesmo ardor com que na mocidade se entregava aos paroxismos da paixão, que a devorava, sem que se deixasse incomodar pela crítica, que a censurava e invectivava assim na hora suprema do sacrifício sanguinolento, no Golgotha, a vemos ao pé da cruz, com a fidelidade inquebrantável, entregue ao amor divino.

Esse mesmo amor, na ma­drugada da Páscoa, a levou ao túmulo do querido Mestre, para receber recompensa superabundante. Tendo achado vazio o sepulcro, lá se deixou ficar debulhada em, lágrimas. Assim chorando, se debruçou sobre a sepultura. Ai viu dois anjos, vestidos de branco, assentados em lugar do corpo, um a cabeceira outro aos pés. Eles lhe disseram: “Mulher, porque choras?” Ela respondeu: “Porque tiraram meu Senhor e não sei onde o puseram”. Então se voltou e viu Jesus em pé, mas sem o reconhecer. Ouviu: “Mulher, porque choras?” Ela, pensando fosse o jardineiro com quem estava falando, disse-lhe: “Senhor, se fostes vós quem o tirou, dizei-me onde o pusestes e irei busca-Io”. Jesus disse-lhe: “Maria!” Ela se virou e respondeu: “Rabboni! ” (isto é, Mestre!)

Essa única palavra, “Maria”, foi o bastante para tirar-lhe o véu dos olhos.”Maria!” – nome que pronunciado por Nosso Senhor, despertou na alma de Madalena uma longa série de reminiscências.

O nome de Maria, falado naquela ocasião por Jesus Cristo, era a expressão sintética de uma história, de uma vida inteira. Dizendo “Maria”, Jesus Cristo exprimira tudo que se tinha passado, entre ele e a penitente.

Na casa de Simão fôra o juiz, que a tratara de mulher, dizendo-lhe: “Mulher, vai em paz. Teus pecados estão perdoados”. No dia da Ressurreição, Madalena, ouvindo seu nome de Maria, pronunciado pelo Salvador ressuscitado, reconhece a voz do Pai.

Desde aquele dia, o nome de Maria Madalena, da santa penitente de Magdafa, Apóstola dos Apóstolos, é pronunciado com respeito pela leitura do Evangelho da Ressurreição.

O santo Evangelho nada mais diz de Maria Madalena. É provável que tivesse estado presente À grandiosa manifestação do Divino Espírito Santo, no dia de Pentecostes. Igualmente é de supor que, junto com os santos Apóstolos e Maria Santíssima., tenha assistido à Ascensão de Nosso Senhor.

Um escritor grego, referindo-se à Maria Madalena, afirma que a mesma, depois da Ascensão de Nosso Senhor, se mudou com Maria Santíssima e S. João Evangelista, para Éfeso, onde teria morrido santamente.

Há uma outra lenda, segundo a qual a família de Lázaro, isto é, Lázaro, Martha e Maria Madalena, para evitar as perseguições que os judeus lhes faziam, teriam fugido da Palestina e fixado residência em Marselha. Diz a mesma lenda que Maria Madalena teria vivido mais trinta anos, depois da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo e passado esse tempo todo numa gruta, onde se entregara à prática de penitências as mais austeras. Seja como for, o certo é que Maria Madalena, Rainha das almas penitentes, entre as santas mulheres, exceto Maria Santíssima, é a mais venerada pelo povo cristão, graças ao seu grande amor a Deus e extraordinária penitência.

REFLEXÕES

Em Maria Madalena temos o exemplo de como uma grande pecadora se converte, tornando-se grande Santa. À mão deste exemplo, os pecadores devem convencer-se de que a grandeza e o número dos pecados não é motivo para se entregarem ao desânimo, ao desespero. Como Maria Madalena, também poderão alcançar o perdão das faltas, desde que, semelhantes à grande Santa Penitente, se resolvam a fazer penitência. O início da conversão de Maria Madalena foi a audição da palavra de Deus. Há muitos, que permanecem nos pecados, porque fogem da palavra divina.

Grande foi a mortificação, a que Maria Madalena se sujeitou, quando na presença de muitas pessoas, prostradas aos pés do Divino Mestre, fez a confissão pública. Da mesma forma deve o pecador humilhar-se, caso queira praticar penitência e obter perdão dos pecados. Deus não lhe exige confissão pública, mas a declaração dos pecados ao sacerdote, no tribunal da penitência. Lembre-se o penitente de que é mais fácil aceitar a humilhação da confissão, do que sofrer penas eternas no fogo do inferno. – Maria Madalena não pediu outra coisa, senão o perdão dos pecados. Muitos se aproximaram de Nosso Senhor, para pedir-lhe alivio nas aflições. “Mas esta, – diz S. Crisóstomo, – pediu a saúde da alma, a libertação das cadeias do pecado e foi atendida imediatamente”. É um aviso para nós, que antes de tudo devemos procurar o bem da nossa alma e pedir a Deus as graças necessárias para salvá-la.

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

Última atualização do artigo em 17 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico

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