A Virgem Maria conhecia a razão pela qual o Filho de Deus se tinha feito homem nas suas entranhas. Sabia que era para redimir os homens e que, por isso, sofreria um tormento cruel e derramaria o sangue na cruz. Sabia pelo que tinha lido e meditado na Sagrada Escritura, ainda antes do Filho encarnar. Sabia também pela profecia do velho Simeão, quando ela e José apresentaram Jesus no Templo e, além disso, soube graças às frequentes conversas que tinha tido com seu Filho. Naquelas longas conversas a sós com ela, Jesus explicava a Escritura e mostrava a necessidade de padecer antes de entrar na sua glória.
O Senhor avisou várias vezes os discípulos e, com muito mais razão, avisou sua Mãe, porque nela com certeza encontraria consolação e descanso. Os discípulos não entendiam o mistério e o Senhor não encontrava neles consolação. Na primeira vez que anunciou, quiseram convencê-lo de que não devia padecer; assim agiu Pedro.
Quando voltou a anunciar sua morte, já próxima, os apóstolos viram que Senhor estava disposto a padecer e não havia mais esperança de o impedirem, ficaram tristes e assustados. Depois, enqua nto rezava no Horto das Oliveiras e eles estavam prevenidos e repetidamente avisados, ao vê-lo naquela agonia e que procurava consolarse com eles, encontrou-os adormecidos pela tristeza. O Senhor não podia encontrar neles descanso; umas vezes tinha de repreender o zelo imprudente, outras animar a debilidade comum a consolação; outras vezes tinha de exortá-los com sua doutrina e fortalecê-los contra a tentação. Se, apesar disso, o Senhor Insistia em confiar-lhes a sua dor e buscar alívio onde encontrava tão pouca resposta, como não o faria tam bém com sua Mãe? Com Maria podia revelar suas preocupações e tristezas, porque nela encontra consolação. Contaria as calúnias e as invejas, o ódio e a perseguição que vinha sofrendo; revelaria como tudo terminaria no meio daquela tempestade e tormenta e que no fim morreria afogado entre as ondas (cf. SI 68, 3). Muitas vezes falaria com sua Mãe destas coisas, procurando alívio. Ela entendia profundamente o mistério e aceitava plenamente conformada, sentia com toda ternura e oferecia a sua dor cheia de fé, porque o seu coração é semelhante e muito unido com o coração do Filho.
Sempre que a Virgem Maria pensava na Paixão de Jesus, sentia pela experiência, o que Simeão tinha profetizado: E uma espada transpassará a tua alma ( Lc 2, 35). Todas as vezes que encontrava seu Filho, vinham à mente os tormentos que sofreria em cada um dos seus membros; imaginava a cabeça coroada de espinhos, o rosto esbofeteado, as costas sangrando pelos açoites, os pés e as mãos cravados, o seu peito ferido pela lança. . . Ao abraçá-lo, abraçava, juntos no seu coração, o seu corpo e aquelas torturas, e dizia: Meu bem amado é para mim um saquitel de mirra, que repousa entre meus seios ( Ct 1, 13).
Despertava na Virgem um grande e cada vez mais ardente amor. Pela luz do Espírito Santo conhecia bem a Majestade de Deus, a maldade dos homens e a amargura da dor que padeceria por eles. Conservava todas estas coisas no seu coração e dava-se conta da grandeza do amor de Deus e dos imensos benefícios que fazia a todos os homens. A este conhecimento correspondia na sua humildade, com profundo agradecimento a Deus, com um ardente amor pelos homens a quem Deus havia amado tanto, que entregava o próprio Filho. Ela também, estimulada pela generosidade divina, desejava entregar-se inteiramente à salvação dos pecadores.
Nossa Mãe nunca se cansará de interceder por nós, nisto está a nossa esperança, pois para nosso bem, quis que se realizasse a missão para qual seu Filho veio ao mundo: derramar o seu Sangue, preço da nossa redenção.
Estava a Virgem Maria prevenida, tinha meditado continuamente na Paixão do seu Filho, por isso veio a Jerusalém sabendo que naquela noite seu Filho seria entregue à morte. Entrou com as outras mulheres que normalmente acompanhavam Jesus, na mesma casa onde seu Filho celebraria a Páscoa. Embora em outro compartimento, inteirava-se do que o Senhor fazia, dizia e ordenava. Preparou a ceia como tantas outras vezes tinha feito. Que espécie de trabalho seria duro para ela, se o seu próprio Filho lavava os pés dos seus apóstolos? Soube como seu Filho dava a comer seu Corpo e a beber seu Sangue, e que transmitia a eles o poder de repetir este Sacramento, para que durasse até o fim dos tempos. Mais do que nenhuma outra pessoa, compreendeu a profundidade deste mistério; avaliou e agradeceu a grandeza deste benefício.
O Senhor levantou-se com firme resolução; os apóstolos fizeram o mesmo; juntos deram graças a Deus e cantaram como de costume no fim da ceia. A isso parece referir-se o Evangelho: Depois do canto dos Salmos (Mt 26, 30) saíram. Este hino constava de sete salmos completos e começava com o salmo 112: Louvai, ó servos do Senhor. . . e terminava com o salmo 118: Felizes aqueles cuja vida é pura. . . Nesta longa noite de ansiedade, cantando o Senhor deu graças a seu Eterno Pai. Verdadeiro exemplo de agradecimento, fidelidade e obediência ao que a lei ordenava: Comerás à saciedade, e bendirás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que te deu (Dt 8, 10).
A Virgem Maria, ao ver o seu Filho de pé, retirou-se para esperar a sós o último abraço, a última despedida que tanto esforço custava. Viu-o aparecer com a tranquilidade de sempre, o rosto estava caloroso pela conversa depois da ceia e pela comoção interior que sentia.
Diante dela, com amor que sentia este Filho por esta Mãe, disse: Mãe, não venho dizernada que já não saiba, venho despedir-me para o que já sabe. Consolei-me muitas vezes falando disto com a senhora. Dá graças a Deus, Mãe, porque recebeu a felicidade de ter um Filho que vai morrer pela justiça de Deus, e fazê-los seus filhos. Anime-se que o fruto é grande, tudo passará depressa; depois voltaremos a nos encontrar, imortal e cheio de glória. Ao fazer isto, cumpro a vontade do Pai. Se a senhora ficar um pouco mais consolada, partirei mais aliviado. Tenho pressa, Mãe; desejo sua benção e um abraço.
As lágrimas corriam pela face da Virgem. O coração se partia de dor pelo esforço constante, por obedecer e amar o que Deus dispunha. Era grande o seu amor, pois pode oferecer o Filho que tanto amava, pela glória de Deus e pela salvação dos homens.
A Virgem Maria provavelmente respondeu: Meu Filho, que seja o Pai do céu quem dê a benção. Eu sou a escrava do Senhor, que se cumpra em mim a sua vontade.
O Senhor comoveu-se e chorou ao ver as lágrimas de sua Mãe. Ambos calados, deixando falar somente o coração, se abraçaram e, em silêncio, se separaram. Ela seguiu-o com o olhar até perdê-lo de vista. E ficou sozinha. (1)
A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.
(1) A despedida de Jesus e Maria não é narrada nos Evangelhos, todavia é bem verossímil que tenha acontecido.
Última atualização do artigo em 13 de março de 2025 por Arsenal Católico