A SEMENTE DIVINA – DOMINGO DA SEXAGÉSIMA
Eis-me aqui, Senhor, na Vossa presença: que o meu coração seja o bem terreno, pronto a receber e fazer frutificar a Vossa divina palavra.
1 – Jesus, o divino semeador, vem hoje espalhar a boa semente na Sua vinha, a Igreja; Ele mesmo quer preparar as nossas almas para uma nova florescência de graça e virtude.
“A semente é a palavra de Deus”. O Verbo, palavra eterna do Pai, incarna, faz-se homem, chama-se Jesus Cristo e vem espalhar no coração dos homens a palavra divina, que não é outra coisa senão um reflexo de Si mesmo. A palavra de Deus não é um som que fere o ar se perde imediatamente como a palavra dos homens; mas é luz sobrenatural que ilumina sobre o verdadeiro valor das coisas, é graça que dá capacidade e força para viver segundo a luz de Deus. É, portanto, semente de vida sobrenatural, de santidade, de vida eterna. Esta semente nunca é estéril em si mesma, encerra sempre uma poderosa força vital, capaz de produzir não só algum fruto de vida cristã, mas abundantes frutos de santidade. Esta semente não é confiada a um agricultor inexperiente que, por sua incapacidade, pode arruinar a melhor sementeira; é o próprio Jesus, o Filho de Deus, o semeador.
Porque motivo a semente não dá sempre os frutos desejados? Porque frequentemente o terreno que a recebe não tem as disposições necessárias. Deus não cessa de espalhar a Sua semente no coração dos homens, de convidá-los, solicitá-los para o bem com a Sua luz e Seus apelos, de distribuir a Sua graça por meio dos sacramentos; mas tudo sito será vão e estéril se o homem não oferece a Deus um terreno – ou seja, um coração – preparado e bem disposto. Deus quer que nos salvemos e santifiquemos, mas não força ninguém: respeita s nossa liberdade.
2 – O Evangelho de hoje (Lc. 8, 4-15) apresenta quatro categorias de pessoas que recebem de modo diverso a semente da palavra divina, e compara-as ao caminho pisado, ao chão pedregoso, ao solo espinhoso e, finalmente à boa terra.
Caminho pisado: almas inconstantes, abertas, com o caminho, a qualquer distração, ruído e curiosidade; abertas á passagem de qualquer criatura e afeto terreno. Logo que a palavra de Deus chega ao seu coração, imediatamente o inimigo, encontrando livre o acesso, arrebata-a, impedindo-a de germinar.
Chão pedregoso: almas superficiais, nas quais o bom terreno se reduz a uma leve camada, que o vento das paixões levará bem depressa juntamente com a boa semente. Estas almas entusiasmam-se facilmente, mas não sabem perseverar, “no tempo da tentação, voltam atrás”. Não sabem perseverar porque não têm a coragem de abraçar as renúncias e os sacrifícios necessários para se manterem fieis à palavra de Deus, para pô-la em prática em todas as circunstâncias. O seu fervor é fogo de palha que cessa e se extingue com a mais pequena dificuldade.
Solo espinhoso: almas preocupadas com as coisas terrenas, com os prazeres, os negócios, os interesses materiais. A semente germina, mas logo os espinhos a sufocam, roubando-lhe o ar e a luz. Os excessivos cuidados das coisas temporais acabam por abafar os direitos do espírito.
A boa terra, enfim, é comparada por Jesus “àqueles que, tendo ouvido a palavra com um coração reto e bem disposto, a conservam e dão fruto pela perseverança”. Coração bom e reto é aquele que dá sempre a Deus o primeiro lugar, que busca primeiro o reino de Deus e a Sua justiça. A semente da palavra divina, das inspirações e da graça dá fruto abundante na medida das boas disposições que encontrar em nós: recolhimento, seriedade e profundidade de vida interior, desapego, busca sincera das coisas de Deus, além e acima de todas as coisas terrenas. E depois, “perseverança”, porque sem ela é impossível que a palavra de Deus produza em nós o seu fruto.
Colóquio – ó Jesus, Semeador divino, com quanta razão podeis queixar-Vos do terreno árido e infecundo do meu pobre coração!
Quantas sementes divinas de santas inspirações, de luzes interiores, de graça, espalhastes na minha alma! Quantas vezes me atraístes a Vós com apelos particulares e quantas vezes, depois de Vos ter seguido algum tempo, fiquei parado! Ó Senhor, pudesse eu ao menos compreender o motivo profundo da minha esterilidade espiritual, da minha leviandade e inconstância no bem. Faltar-me-á talvez a Vossa luz? Não, porque de mil modos e continuamente ensinais e admoestais a minha alma. Oh! Se tantas almas que vivem no erro, que não Vos conhecem, tivessem recebido só uma centésima parte da luz que me concedestes e continuais a conceder-me, quantos frutos de bondade não teriam já colhido!
Faltar-me-á então a Vossa força? Mas a Vossa graça não é acaso, força para mim?
Compreendo-o, Senhor! Não me falta nem a Vossa luz nem a Vossa força; o que me falta é só a perseverança. A perseverança que sabe suportar fielmente as tentações, as dificuldades, as obscuridades; que sabe enfrentar com coragem o sacrifício e a austeridade da vida cristã.
Sacrificar-se e negar-se um dia, é fácil. Sacrificar-se e negar-se sempre, todos os dias, toda a vida, é duro. Não é talvez por isto, ó Senhor, que – como Vós o dissestes – o coração dá bom fruto pela perseverança?
Ó Jesus, Vós que suportastes com paciência invencível a Vossa acerbíssima Paixão e Morte, dai-me paciência para sustentar a luta contra as minhas paixões, contra o meu egoísmo. Paciência para abraçar com perseverança todas as minhas renúncias exigidas pelo desapego total, paciência para saber viver sem gostos e satisfações pessoais, paciência para suportar tudo o que me desgosta, me fere, me contraria e desagrada ao meu amor próprio.
Ó Senhor, Vós sabeis que desejo a purificação total porque desejo a união convosco, mas não me podeis purificar inteiramente enquanto eu não aceitar com paciência a Vossa obra: as provações, as humilhações, os desapegos que me preparais. Ó Jesus, divino Paciente, dai-me a Vossa paciência e fazei que eu também seja convosco paciente e humilde.
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.