O VÍNCULO DA PERFEIÇÃO – QUINTO DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA
Deus meu, fazei que acima de tudo eu deseje e busque a perfeição do amor.
1 – A Epístola de hoje (Cot. 3, 12-17) chama a nossa atenção para o dever fundamental do cristão: a caridade. Pouco valem todos os programas e propósitos de vida espiritual, se não estão animados pelo amor e não conduzem á perfeição do amor. Pouco valem o desprendimento, a mortificação, a humildade e todas as outras virtudes se não dispõem o coração para uma caridade mais profunda, mais plena, mais expansiva. “Sobretudo – recomenda S. Paulo – tende caridade que é o vínculo da perfeição”.
Não somente amor para com Deus, mas também amor para com o próximo; mais ainda, é propriamente sob este aspecto que o Apóstolo, na Epístola do dia, fala da caridade, mostrando com grande sutileza como todas as nossas relações com o próximo devem ser inspiradas pelo amor. “Como escolhidos de Deus, santos, e amados, revesti-vos de misericórdia, de benignidade, de humildade, de modéstia, de paciência; sofrendo uns aos outros e perdoando-Vos mutuamente se algum tem razão de queixa contra o outro”. A característica dos eleitos de Deus, dos Seus amados e santos, é exatamente o amor fraterno; sem este distintivo Jesus não nos reconhece por Seus discípulos, o Pai celeste não nos ama como a Seus filhos, nem nos introduzirá no Seu reino. A vida espiritual requer o uso de muitos meios, comporta o exercício de muitas virtudes, mas é preciso estarmos atentos para não nos perdermos e não pararmos em particularidades, esquecendo o mais pelo menos, isto é, esquecendo o amor que deve ser o fundamento e o fim de tudo. Para que serviria a vida espiritual e a própria consagração a Deus, para que serviriam os votos religiosos se não ajudassem as almas a tender ao amor perfeito?
Eis o amor perfeito que o Apóstolo nos pede que tenhamos para com o próximo: misericórdia, compaixão; perdão recíproco, cordial, que não dá lugar a divisões ou atritos, que supera os contrastes e esquece as ofensas; caridade longânime que suporta qualquer sacrifício e vence qualquer dificuldade para estar em paz com todos, porque todos formamos em Cristo “um só corpo” porque todos somos filhos do mesmo Pai celeste.
2 – A Epístola apresenta-nos o ideal da vida cristã, ideal de amor que deve unir todos os fiéis num só coração; o Evangelho (Mt. 13, 24-30) mostra-nos o terreno prático em que se há de viver este ideal.
“O Reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas veio o seu inimigo e semeou cizânia no meio do trigo”. No mundo, que é o Seu campo, semeou Deus o bem a mãos cheias, semeou graça e amor, semeou desejos de doação total, ideias de vida apostólica, de vida religiosa, de vida santa. Mas no meio de tanto bem veio o inimigo semear o mal. Porque permite Deus isto? Para joeirar os Seus servos, tal como se joeira o grão, a fim de os pôr à prova.
Às vezes escandalizamo-nos ao reparar que o mal se insinua até nos melhores ambientes, vendo que até entre os amigos de Deus, entre os que deveriam servir de edificação aos outros, há alguns que se comportam indignamente; então, cheios de zelo, como os servos da parábola, quereríamos dar remédio e arrancar a cizânia: “Queres que vamos e a arranquemos?” Porém Deus responde-nos: “Não, para que talvez não suceda que, arrancando a cizânia, arranqueis juntamente com ela o trigo.”
A cizânia é poupada não porque seja boa, mas em atenção ao trigo; assim Deus poupa os maus e não os tira do meio de nós para o bem dos Seus escolhidos. Ao pedir-nos que suportemos com paciência determinadas situações, tão inevitáveis quão deploráveis, Deus pede-nos certamente um dos maiores atos de caridade, de compaixão, de misericórdia. Deus não diz que pactuemos com o mal, com a cizânia, mas que a suportemos com a paciência com que Ele mesmo a suporta. Porventura não houve um traidor no colégio apostólico? E, contudo, Jesus o quis entre os Seus íntimos e com que amor o tratou! A maior caridade é a exercida em favor daqueles que, pela sua má conduta nos proporcionam muitas ocasiões de perdoar, de pagar o mal com o bem e de sofrer injustiças por amor de Deus. Além disso devemos considerar que, se é impossível a cizânia converter-se em trigo, é sempre possível, no entanto, que os maus se convertam em bons. Acaso não se converteram a Madalena, o bom ladrão e o próprio Pedro que havia negado a Jesus? Este é um dos motivos mais fortes que nos devem impelir á bondade pra com todos. O amor, quando é perfeito, permite-nos viver ao lado dos maus sem asperezas, sem contendas, sem sofrer a sua influência, mas pelo contrário, fazendo-lhes bem.
Colóquio – Ó Senhor Jesus, que sendo nobilíssimo, formosíssimo, inocentíssimo, amastes esta criatura baixíssima, feíssima, e cheia de deformidades causadas pelo pecado, ensinai-me a imitar a Vossa imensa caridade, a fim de amar com um afeto sincero e cordial o meu próximo, embora cheio de culpas e defeitos, não excluindo sequer os que levam uma vida repreensível.
“Ensinai-me a amar a todos por Vosso amor, e então nunca me faltarão motivos de grande benevolência, ainda que tivesse de tratar com pessoas rudes, néscias ou cheias de quaisquer outras imperfeições. Só pondo os olhos em Vós, Senhor Deus, objeto de amor infinito, poderei superar todos os aborrecimentos e dificuldades que encontro nos contatos com o próximo.
“Ó Jesus que Vos adaptastes á minha miséria fazendo-Vos homem e revestindo-Vos da minha frágil natureza, ensinai-me a adaptar-me ao meu próximo suportando com paciência os seus defeitos e engenhando-me por corrigir os meus e por suprimir da minha conduta tudo quanto possa desagradar aos outros” (Vem. João de J. Maria, o.c.d).
Ó Senhor, quão longe estou ainda da verdadeira caridade e humildade! Vós me ensinais que não é grande virtude conviver com os bons e mansos; isto agrada naturalmente a todos e cada um de boa vontade está em paz e ama mais aqueles que pensam como ele. Mas ao contrário, é uma grande graça, virtude varonil e digna de muito louvor o saber viver em paz com os obstinados, os perversos, os indisciplinados e com aqueles que nos são contrários.
“Concedei-me, Senhor, eu Vo-lo rogo, esta graça, sem a qual não poderei conservar longo tempo a paz com o próximo, mas estarei sempre pronto a irar-me e indignar-me. Oh! Como deveria antes corrigir-me a mim mesmo do que melindrar-me com as faltas alheias! Como deveria suportar os defeitos dos outros, se quero que por minha voz me suportem!” (cfr. Imit. II, 3, 2).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.