Correspondência à graça – IX Domingo depois do Pentecostes

Ó Senhor, fazei que em mim a Vossa graça não seja vã.

1 – Hoje a liturgia convida-nos a refletir sobre o grave problema da nossa correspondência à graça, apresentando-nos o triste quadro das vicissitudes de Israel, o povo escolhido, que Deus cumulara de benefícios, enchera de graças, protegera cuidadosamente e que, apesar disso, por infelicidade se perdeu. na Epístola (I Cor. 10, 6-13) S. Paulo, depois de ter tocado alguns pontos da prevaricação de Israel, conclui: “Estas coisas lhes aconteciam em figura e foram escritas para advertência de todos nós… Aquele, pois, que crê estar de pé, veja não caia”. É um chamamento premente à vigilância e à humildade. Se Deus nos preveniu com as Suas graças, se nos chamou a uma vida interior mais intensa, a uma maior intimidade com Ele, tudo isto, longe de nos tornar presunçosos, deve escavar no nosso coração uma humildade mais profunda: os dons de Deus têm de ser conservados soba cinza de uma humilde desconfiança de si mesmo. Ai de nós se já nos considerássemos livres daquelas fraquezas que encontramos e talvez condenemos nos outros! Repitamos antes, humildemente: Senhor, ajudai-me, senão poderei fazer ainda pior. Contudo, exortando-nos à humildade, S. Paulo impele-nos também à confiança porque “Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças, antes fará que tireis ainda vantagens da mesma tentação, para a poderdes suportar”. O Apóstolo ensina-nos igualmente que a consciência da nossa fragilidade não nos deve desanimar, porque Deus está sempre pronto a amparar-nos com a Sua graça. Deus conhece as tentações que nos afligem e dá-nos, em cada uma delas, a medida de graça necessária para triunfarmos. É bem verdade que, quando a tempestade se desencadeia, somente damos conta do embate da luta, ao passo que a graça com que Deus nos socorre permanece inteiramente oculta; porém, tenhamos a certeza de que essa graça está presente, porque “Deus é fiel”. “O bom Deus sempre me ajudou… – dizia Sta Teresa do Menino Jesus – Conto com Ele. Tenho a certeza de que continuará a socorrer-me até ao fim. Poderei sofrer muitíssimo, mas nunca será demais, estou certa disso” (NV. 28, 5).

2 – O Evangelho (Lc. 19, 41-47), retomando o mesmo argumento da Epístola, apresenta-nos Jesus chorando sobre Jerusalém. O Criador, o Senhor, o Salvador, chora sobre as ruínas das Suas criaturas, do povo que amou com predileção a ponto de o escolher por companheiro da Sua vida terrena e que a todo o custo quereria ter salvo.

“Jerusalém, Jerusalém… quantas vezes eu quis juntar teus filhos como a galinha recolhe debaixo das asas os seus pintos e tu não quiseste!” (Mt. 23, 37). Tal foi a atitude constante de Jesus para com a cidade santa, mas esta continuou sempre cega a toda a luz, surda a todo o convite; e o Salvador, poucos dias antes de Se entregar à Paixão, lança-lhe o último amargurado apelo; “Se ao menos neste dia que te é dado tu conhecesses ainda o que te pode trazer a paz!” Todavia, mais uma vez, a cidade resiste a Jesus, depois de a ter amado tanto, depois de ter chorado sobre ela como a mãe chora sobre o filho transviado, prediz-lhe a ruína: “Os teus inimigos… não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo da tua visita”.

E tu saberás reconhecer os momentos em que o Senhor visita a tua alma? Uma boa palavra, lida ou ouvida talvez por acaso, um exemplo edificante, uma inspiração interior, uma luz nova que te faz ver mais a fundo os teus defeitos, que te abre novos horizontes de virtude e de bem, são outras tantas visitas de Jesus. E como correspondes? A tua alma é sensível a estas luzes, a estes apelos? Não te surpreendes uma vez por outra a olhar para o lado, temendo que a luz entrevista exija ao teu amor próprio sacrifícios demasiado duros?

Oh! Se tivesses reconhecido sempre o momento em que o Senhor te visitou! Se te abrisses sempre de par em par à Sua ação! Procura, pois, recomeçar hoje de novo, resolvido a recomeçar todas as vezes que te acontecer ceder à natureza. “O que te pode trazer a paz”, a felicidade, a santificação, é unicamente esta adesão contínua aos impulsos da graça.

Colóquio – “Como já Vos confessei, ó glória da minha vida, ó Senhor Deus meu, força da minha salvação, eu confiei muitas vezes na minha força que, aliás, não era força; e ao tentar correr, quanto mais de pé me julgava, mais depressa caí e voltei para trás em vez de avançar; e o que pensava conseguir, afastou-se de mim; assim, Senhor, pondes à prova as minhas forças de muitas maneiras. Agora que me iluminastes, vejo que não podia realizar por mim o que julgava poder. Dizia para mim mesmo: farei isto, terminarei aquilo; e não fiz nem uma coisa nem outra. Tinha a vontade, mas não o poder, e se tinha o poder, faltava-me então a vontade, porque confiava nas minhas próprias forças.

Amparai-me pois, Senhor, porque sozinho não posso nada; porque quando a minha fortaleza sois Vós, então é verdadeira fortaleza, mas quando a minha fortaleza sou eu, então é fraqueza” (Sto Agostinho).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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