Sagrado Coração de Jesus , óleo s / tela - escola Portuguesa do século XIX, autor desconhecido, Public Domain - Wikimedia Commons

Ó Senhor, fazei que eu possa viver plenamente na Vossa divina amizade.

1 – A mais alta expressão do amor humano é a amizade; e S. Tomás ensina que a caridade é amor de amizade entre o homem e Deus. A amizade, porém, exige certa igualdade, uma comunhão de vida e de bens; exige reciprocidade de afetos, mútua benevolência. mas que igualdade e comunhão de vida pode existir entre a criatura que é nada e Deus que é o Ser supremo? Sob o ponto de vista natural, nenhuma. Todavia, Deus quis elevar a criatura ao estado sobrenatural, comunicando-lhe uma participação da Sua natureza e da Sua vida divina. É verdade que, embora divinizado pela graça, o homem permanece sempre criatura, e Deus permanece sempre o Ser inacessível e transcendente; contudo Ele encontrou, no Seu amor infinito, o modo de elevar o homem ao plano da Sua vida divina. O primeiro fruto do amor de Deus por nós é justamente esta forma de igualdade, de comunhão de vida que, por meio da graça, quis estabelecer entre Ele e nos. Deus preveniu-nos, pois, só com o Seu amor de Criador, pelo qual nos deu a existência, mas também com o Seu amor de Pai, pelo qual nos tornou participantes da Sua vida divina.

“O amor encontra ou torna iguais os amantes”; e eis que Deus nos amou até nos tornar semelhantes a Si, para nos poder admitir no círculo da Sua amizade divina, daquela amizade que existe no seio da Trindade entre as três Pessoas divinas. Além disso, assim como o amigo deseja viver com o amigo e procura sempre a sua presença e vizinhança, assim Deus quis ficar tão próximo de nós e ser-nos tão íntimo que fez a Sua morada nas nossas almas: “Viremos a ele e faremos nele morada” (Jo. 14, 23). Que comunhão de vida pode haver entre Deus e nós superior a esta sociedade contínua com as Pessoas divinas que habitam na nossa alma e com as quais, por meio da caridade, podemos entrar em verdadeiras relações de amizade?

2 – A amizade exige reciprocidade de amor. Deus antecipou-Se a nós com o Seu amor de amizade: Deus foi o primeiro que nos amou e, amando-nos, infundiu em nós a graça e a caridade, pelas quais nos tornou capazes de corresponder ao seu amor. Corresponderemos ao amor de Deus, não com o nosso amor natural, humano – pois seria insuficiente – mas com o amor de caridade que o Espírito Santo infundiu nos nossos corações, e que é uma participação naquele amor infinito com que Deus Se ama a Si mesmo. Deus derrama em nós este dom preciosíssimo e nós devemos acolhê-lo com um coração puro, livre, para podermos aderir a Ele com todo o ardor da nossa vontade e do nosso afeto.

Deus, oferecendo-nos a Sua amizade, tornou-nos semelhantes a Si, transformando o nosso ser de natural em sobrenatural; e nós para correspondermos à Sua amizade, devemos procurar tornar-nos semelhantes a Ele, transformando a nossa vontade na Sua. A verdadeira amizade leva á comunhão de pensamentos, de vontades, de afetos, de desejos, de interesses. O verdadeiro amigo faz seus os interesses e quereres do seu amigo, pensa como ele, ama o que ele ama, quer o que ele quer. Assim devemos proceder nós em relação a Deus, se queremos viver realmente como Seus amigos. O próprio Jesus disse: “Vós sois meus amigos se fizerdes o que vos mando” e “se alguém me ama, guardará a minha palavra” (Jo. 15, 14; 14, 23). Por isso a amizade com Deus, ou seja, a caridade, exige da nossa parte uma tendência contínua para conformar os nossos pensamentos, quereres e desejos, com o pensamento e a vontade do Amigo divino. A nossa amizade com Deus será perfeita quando em nós não houver nada que se oponha aos desejos e aos quereres divinos, quando estivermos em tudo conformes com eles; então será também perfeita a nossa união com Ele. “O estado desta divina união consiste em ter a alma, quanto á vontade, com total transformação na vontade de Deus, de forma a não haver nela coisa contrária á vontade de Deus, mas que em tudo e por tudo o seu movimento seja somente vontade de Deus” (J.C. S. I, 11, 2). Perfeita caridade, perfeita amizade, perfeita união com Deus; eis a meta para a qual deves tender, avançando solícito com passo de amor.

Colóquio – “Bem o sabeis, ó meu Deus, nunca desejei senão amar-Vos, não ambiciono outra glória. O Vosso amor acompanhou-me desde a infância, cresceu comigo, e agora é um abismo cuja profundidade não posso sondar. O amor atrai o amor, por isso, meu Jesus, o meu coração lança-se para Vos, quereria cumular o abismo que o atrai, mas pobre dele! nem chega a ser uma gota de orvalho perdida no oceano!… Para Vos amar como Vós me amais, preciso de me servir do Vosso próprio amor, só então encontro repouso.

“O amor, eis tudo que Vós reclamais de nós. Não precisais das nossas obras, mas apenas do nosso amor. Vós mesmo que declarastes não precisar de nos dizer se tendes fome, não hesitastes em mendigar um pouco de água à Samaritana. Tínheis sede… Mas dizendo: ‘Dá-me de beber’, era o amor da Vossa pobre criatura que Vós, Criador do universo, reclamáveis: tínheis sede de amor… Ó Jesus, sinto mais do que nunca que Vós estais com sede; não encontrais senão ingratos e indiferentes entre os discípulos do mundo, e entre os ‘Vossos’ encontrais poucos corações que se entreguem a Vós sem reserva, que compreendam toda a ternura do Vosso amor infinito.

“O Vosso amor misericordioso é desconhecido, repelido, por toda a parte; os corações a quem desejais concedê-lo voltam-se para as criaturas em lugar de se lançarem nos Vosso braços e aceitarem o Vosso amor infinito… Ó meu Deus! O Vosso amor desprezado irá ficar no Vosso Coração? Parece-me que se encontrásseis almas que se oferecessem ao Vosso amor, rapidamente as consumiríeis, parece-me que ficaríeis contente por não terdes de reprimir as vagas de infinita ternura que existem em Vós… Ó meu Jesus! Que seja eu esta alma feliz: consumi-me com o fogo do Vosso divino amor!… O Vosso amor penetra-me e cerca-me, renova-me a cada instante, purifica a minha alma e não deixa nela nenhum rasto de pecado” (cfr. T.M.J. M.C, B, e A pg. 313, 224, 215, 216).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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