CORREÇÃO DAS CRIANÇAS

Educar é orientar alguém em busca do ideal. Trabalho positivo, de construção, que não se pode confundir nem contentar com a tarefa reparadora de corrigir defeitos. Traçar a planta, estudar o material, lançar os alicerces, erguer com solidez os muros, embelezar a obra, que se aperfeiçoará de contínuo até o dia da eternidade – eis o papel da educação.

Nada haveria aí de negativo, não fossem as devastações do pecado original, o peso das heranças das gerações de que nascemos, o contágio quase irrefugível do meio em que vivemos, os erros dos próprios educadores.

Mas corrigir só poderia ser considerado negativo por quem se contentasse (o que na prática é impossível) em extirpar defeitos, sem os substituir por virtudes. Na verdade, a correção é mais positiva do que a preparação do terreno, para o agricultor ou o construtor. Estes podem destocar e aplainar o campo, sem plantar ou construir, enquanto o educador está plantando e construindo no próprio ato de corrigir.

Necessidade da correção

Pensem-no embora os naturalistas e os pais mais ingênuos ou cegos de mal entendido amor, não há crianças sem defeitos. Por bem dotadas que sejam, sempre os terão. Se muito fortes, as próprias qualidades os trazem consigo. Por isso é de necessidade a correção.

Deus a ordena – ” Quem poupa a vara (1) odeia o filho; mas quem o ama corrige-o na hora oportuna” (Pv 13, 24) . “Não poupes a correção à criança.” (Pv 23, 13). “Aquele que ama o seu filho corrige-o com frequência, para que se alegre mais tarde” (Ecl 30, 1) . E São Paulo, escrevendo aos efésios: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas educai-os na disciplina e na correção, segundo o espírito do Senhor” (Ef. 6, 4).

A razão a requer – A situação do homem em face a moral não é apenas um dado da fé. Faz parte da Revelação, é fundamental ao Cristianismo, porque o Senhor veio para restituir-nos a graça, perdida na queda do pai da humanidade. S. Paulo diz que não faz o bem que quer, e sim o mal que não quer; e sente no corpo uma força que luta contra a força do espírito (Cf. Rm 7, 19-23). São Pedro, na sua primeira Epístola, fala igualmente “dos desejos da carne que combatem contra a alma” (2, 11).

A razão nos mostra a verdade desta situação. Cada um de nós pode repetir o poeta francês que sentia dois homens em si – um que anseia pelo ideal, outro que se inclina para os instintos, arrastando-nos para erros e desvios, que requerem correção. Correção maior ou menor, própria ou alheia – conforme o caso.

A criança a exige – Sem uso da razão, ou com este apenas começando, movida pela sensibilidade em pleno domínio, a criança não tem capacidade para discernir o bem do mal, nem vontade suficiente para deter-se em face das solicitações instintivas. É o educador que a deve orientar para fazer o bem e evitar o mal, corrigindo-a, quando ela errar. Sem essa correção, corre a criança o risco de confundir noções contrárias, cuja distinção é essencial à vida moral. Para a criança o bem é o que os pais lhe permitem, o mal o que eles lhe proíbem.

A experiência o confirma – Em todos nós estão os germes de virtudes e vícios, lançados pela própria natureza. Nos cristãos, o Batismo infundiu as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. Mas importa cultivar o campo, a fim de que a boa semente brote, cresça e frutifique, e o joio seja erradicado. Deixado a si o terreno, despontam mais facilmente os espinhos que a boa semente.

É esta a lição da experiência: sem orientação e correção, crescem as crianças estragadas e viciosas; enquanto os frutos de virtude sazonam nas que tiveram o cultivo dos educadores.

Finalidade

É tríplice a finalidade da correção, cada uma marcada por valores, ligada à ordem moral, à vida individual e à ordem social.

Restaurar a ordem moral

Essencial para qualquer pessoa, este aspecto é ainda mais importante para a criança, cujo critério para distinguir o bem e o mal, é às vezes, exclusivamente, o modo de agir dos educadores. Se ela cometeu uma falta contra a moral – um pequeno furto, uma desobediência, uma mentira, etc. -, e não lhe exigimos a reparação, pode parecer-lhe não ser mal o que fez. Ou se lhe exigimos umas vezes, e outras não, causamos-lhe confusão, pois não sabe se o seu ato foi bom ou mau. Esse sentido de restauração da ordem moral, superior aos homens porque pertence à essência das coisas, é indispensável à pedagogia da correção.

Emendar a criança

Do interesse pessoal do educando, aqui está o mais importante da correção. No que tange à ordem moral e à social, o trabalho seria mais fácil. A face pedagógica é mais delicada e complexa, porque lida diretamente com a criança. Em que consiste?

a) Fazer que a criança “compreenda o erro” cometido e “procure evitá-lo” no futuro. – Não deseja punir, mas melhorar. Se a criança ainda não é capaz de compreensão propriamente dita, vai-se amestrando; lastreando o subconsciente e canalizando as energias para o bem. Sendo capaz de compreender, o trabalho do educador é movê-la ao desejo de corrigir-se, conseguir-lhe o arrependimento da falta e a deliberação de evitá-la.

b) Impedir os maus hábitos e facilitar os bons. – Fomentando o desenvolvimento dos bons germes e combatendo o dos maus, iremos afastando a criança do vício e afeiçoando-a à virtude. Por sua natural inexperiência, ela errará muitas vezes os caminhos da vida: nós a faremos voltar sobre si e tornar os caminhos certos, até que os aprenda, até que os possa acertar por si, sem mais precisar de guias. (2)

c) Inclinar para o dever. – A correção não é trabalho de adestramento de animais: mero repetir mecânico até o hábito, firmado em reflexos condicionados. Nem se contenta em castigar, para que a criança evite o erro por medo. Ela é, na verdade, meio educativo: quer formar a consciência, aguçar o senso moral, ensinar a julgar, dar autodisciplina, ensinar o cumprimento do dever. (3)

d) Ensinar ” como” proceder bem. – A correção visa ao ideal: orienta-se para ele, e não o perde vista – como tudo o que é realmente educativo. Mas caminha para ele passo a passo. É método: diz “como” agir, ensina a fazer, facilita a tarefa. É ajuda pessoal, de ordem prática, de mestre a aprendiz.

e) Criar facilidades á virtude. – Posta em condições favoráveis, a criança terá facilidades maiores para o dever e a perfeição. Mais do que o adulto, ela cede às sugestões do meio. Por isso, temos maior obrigação de aplainar-lhe o caminho do bem:

1) ajudando-a a superar os defeitos, fraquezas e más tendências naturais;

2) suprimindo ou enfraquecendo as influências nocivas a sua formação – no lar, na sociedade, na escola;

3) dando-lhe resistência para as inevitáveis ocasiões de tropeço: na rua, na escola, nas visitas, no cinema – pois são perigos normais, a que ela deve saber resistir, uma vez que não a queremos educar artificialmente, em redoma ou estufa, mas no mundo, ensinando-lhe a superá-lo, tal como fez Jesus com seus discípulos: “Não peço que os tires do mundo, mas que os preserves do mal” (Jo 17, 15);

4) desenvolvendo-lhe a vida espiritual, a fim de que, pela graça, pela oração, pelo temor a Deus, pelo exemplo dos nossos maiores na fé, ela “não se deixe
vencer pelo mal, mas vença o mal pelo bem ” (Rm 12, 21), e – melhor ainda – faça do mal que lhe aparecer uma ocasião de apostolado.

Assegurar a ordem

Não subsistirá uma sociedade que não respeita os princípios morais. A impunidade de crimes e vícios é grande responsável pelas desordens que afligem os nossos tempos. Não corrigir os culpados é abrir caminho a novas faltas deles e dos outros. A experiência nos é por demais farta e onerosa, e dispensa insistência.

Se isto é verdade para adultos, quanto mais para crianças! Negligenciada a correção, abre-se a brecha: a nau da disciplina entra a fazer água, e não tardará o naufrágio, a menos que lhe acudam com redobrados trabalhos.

Corrigir não é castigar

O que dissemos marca a diferença entre correção e castigo – aquela, essencialmente emendativa, e este, ordinariamente punitivo. Aliás, os próprios nomes falam por si.

Há mais de um século, o grande pedagogo francês Monsenhor Dupanloup (“De l’éducation”) acentuava esta diferença, de que não tomaram conhecimento os educadores em geral.

Para os que procuram mais o próprio sossego que o progresso moral dos filhos, castigar é mais cômodo: umas palmadas no pequenino que jogou a merenda no chão, uns bofetões no rapazola que respondeu com arrogância, chineladas na menina que entornou tinta no vestido novo, um mês sem cinema para quem não teve média na prova parcial, trancar as crianças no quarto dos fundos porque perturbaram o silêncio de que precisa o pai, e outras medidas policiais do mesmo teor dão “soluções” imediatas, que contentam o adulto desprevenido, mas nada adiantam à educação, e, pelo contrário, a prejudicam.

A experiência ensina que os castigos são aplicados precisamente nas condições em que não se deve sequer tentar a correção, isto é, sob o impulso das paixões. É na hora da zanga que os filhos apanham! Quando me consultam a respeito de castigos físicos, não perco tempo em combatê-los: aprovo-os, desde que deixem passar a excitação, e, amanhã ou depois, de sangue frio, cabeça serena, chamem a criança, para malhá-la. A resposta é única e infalível: “Ah! mas assim ninguém tem coragem” É um ato impulsivo, bárbaro, desumano, que só se faz quando não se raciocina! Filho da vingança, e não do amor.

Por isso mesmo, longe de educar, os castigos conseguem apenas:

1) revoltar as crianças briosas;

2) inferiorizar as tímidas;

3) eliminar o amor e a confiança, que serão substituídos pelo medo e pela deslealdade;

4) fixar as obstinadas, apegando-as cada vez mais a suas faltas, agravando-lhes a situação, dificultando-lhes a correção;

5) humilhar, em lugar de estimular (que é a grande tática do educador);

6) amedrontar, criando hipocrisias;

7) orientar noutro sentido as violências represadas, que se compensarão no furto, na mentira, na impureza, e noutros derivativos da infelicidade;

8) apurar a técnica dos faltosos, para escaparem à férula;

9) levar ao desespero – menino que foge de casa, menina que casa com o primeiro doidivanas que lhe aparece, para escaparem à tirania do lar.

Os adeptos dos castigos, sobretudo dos castigos físicos, alegam, satisfeitos, os resultados de sua “paudagogia”. De fato, há crianças de tão boa índole que se corrigem mesmo assim; mas são raras. Comum é dar-se apenas uma aparência de melhora. Eliminam-se ou diminuem os frutos, mas a raiz fica, e frutificará de novo, quando cessar a pressão. A pobre criança cede, vítima de dois elementos que a dominam – por fora a força dos castigos, por dentro a tendência que permanece intacta, quando não reforçada pela oposição.

Mais comum é virem os pais trazer-nos o adolescente, traumatizado, revoltado, endurecido ou humilhado, entregue a vícios, “incorrigível”, pedindo nossa ajuda: “Já fizemos tudo, e ele continua cada vez pior.”

Há, infelizmente, casos em que somos obrigados a impor castigos, em vista da fraqueza de certos educandos, que é necessário conter mesmo a contragosto seu. Mas então deve o educador procurar o bem direto da criança, e não uma satisfação à sua autoridade ou uma justificativa à preguiça de educar.

Fica, pois, acentuada a diferença entre castigo e correção, para que abramos mão daquele e pratiquemos esta.

Trabalho de educação

É a correção puro trabalho educativo, em que nós somos apenas instrumentos extrínsecos e transitórios, dispensados tão logo esteja terminada a tarefa, e a criança é o elemento primordial, a ser interessada na autodisciplina.

A correção só realiza o fim se atingir o íntimo da criança, criando-lhe uma atitude interior, profunda, pessoal. Ela deseja uma mudança, determinada pelo próprio educando, o qual se convence de que agiu mal, arrepende-se e se dispõe a emendar-se.

O educador tem o seu papel, importantíssimo, indispensável (porque a criança é ainda incapaz de realizar sozinha tão difícil tarefa); mas é apenas uma auxiliar. A sua função, nem sempre agradavelmente recebida, é ajudar.

O trabalho decisivo é do educando. Ninguém o modifica, arrepende, delibera e corrige: é ele que se modifica, se arrepende, se delibera e se corrige. Ele não o conseguirá sem nossa ajuda; mas o trabalho de corrigir-se é dele – de sua compreensão, de sua consciência, de seus esforços.

Nossa grande virtude está em conseguirmos que ele queira corrigir-se.

Os pais e a correção

Em face da correção dos filhos, podemos classificar os pais em 5 categorias:

1) os cegos: não vêem as faltas dos seus encantadores rebentos;

2) os fracos: não têm coragem ou autoridade para corrigir;

3) os negligentes: não cuidam da correção dos filhos;

4) os ignorantes: retos, bem intencionados, não sabem, contudo, como proceder;

5) os certos: mercê de Deus, os temos, e em número crescente.

Para curar os cegos, só Cristo, multiplicando por toda parte piscinas de Siloé, para que eles se lavem e vejam (Cf. Jo 9,7). Quanto aos mais, ajude-os e ilumine-os a graça de Deus, que outra finalidade não temos senão animar os fracos, despertar os negligentes, ensinar os de boa vontade, e estimular os certos.

Querer corrigir

Parte essencial da educação, é a correção grave dever dos pais. Alguns, porém, se negam a cumpri-lo, esquecidos de que, mais de que a si, prejudicam as pobres crianças, cujo futuro gravemente comprometem.

Lembremos-lhes as severas admoestações da Bíblia. Destaquemos o cap. 30 do Eclesiástico, nos 13 versículos primeiros, por ser o trecho que mais densamente fala do assunto: os que se dão a corrigir os filhos colherão alegria e glória; enquanto os outros receberão tristeza e vexame. Palavras textuais:

– “Aquele que ama o seu filho, corrige-o com frequência, para que se alegre com isso mais tarde, e não vá mendigar à porta dos outros”. (V. 1)

– Aquele que educa o seu filho será louvado nele, e nele mesmo se gloriará entre os conhecidos”. (V. 2)

– “Um cavalo indómito torna-se intratável, e um filho deixado à sua vontade torna-se insolente. ” (V. 8)

– “Lisonjeia o teu filho, e ele te causará susto.” (V. 9)

– “Não lhe dês largas na sua juventude, e não dissimules as suas travessuras.” (V. 11)

– “Encurva-lhe a cerviz na infância, e corrige-o enquanto é criança, para que não suceda endurecer-se, e não te obedeça, e venha a ser a dor de tua alma. ” (V. 12)

– “Educa o teu filho e trabalha para formá-lo, para que te não desonre com sua vida vergonhosa”. (V. 13).

Um exemplo da Bíblia

De quanto isto é verdade oferece a mesma Bíblia frisantes exemplos. O de Heli é dos mais impressionantes. O velho sacerdote conhecia o incorreto proceder dos filhos, repreendia-os molemente, sem coragem para corrigi-los como devia. O Senhor o censurou com palavras sobremodo severas: “Prezas mais os teus filhos do que a Mim” (1 Sam 2, 29). E o anúncio terrível: “O que vai acontecer a teus dois filhos Ofni e Finéias será para ti um sinal” (v. 34). Depois, a palavra do Senhor a Samuel: “Cumprirei contra heli todas as ameaças que pronunciei contra a sua casa”. (1 Sam 3,12) . “Anunciei-lhe que condenaria para sempre a sua família por causa dos crimes que ele sabia que os seus filhos cometiam, e não os corrigiu” (v. 13). Finalmente, a consumação do castigo: em batalha contra os filisteus, “a Arca de Deus foi tomada e os dois filhos de Heli, Ofni e Finéias, pereceram” (1 Sam 4,11). Em seguida, a comunicação do fato a Heli, que “caiu da cadeira, de costas, fraturou o crânio e morreu” (v . 18).

Aos que disserem que hoje é mais paciente o Senhor com os pais negligentes respondo que apenas muda o modo de castigar, pois não sei o que seja mais deplorável: se a morte repentina ou a velhice desonrada com a vida vergonhosa dos filhos, com que são ameaçados no supracitado trecho do Eclesiástico.

O melhor e o certo é despertarem para um dever, de que depende por igual a felicidade de pais e filhos.

Conhecer os filhos

Decididos a corrigir os filhos, sincera e eficazmente decididos, a primeira medida é cuidar de conhecê-los, para saber o que lhes hão de emendar.

Os conhecimentos da psicologia infantil são necessários aos pais, sobretudo às mães. É pena que os colégios femininos não os ministrem a suas alunas, juntamente com outros elementos igualmente necessários às mães de família. Para suprir esta deplorável deficiência, procurem os pais conhecer as características da alma infantil nas etapas do desenvolvimento, inclusive a adolescência. Isto lhes facilitará bastante o trato com os filhos.

Além desse conhecimento genérico, há outro, mais imediato, concreto e prático, que desejo encarecer. É preciso conhecer cada criança, na sua realidade. E para isto é sumamente importante que os pais tenham olhos de ver e ouvidos de ouvir.

Olhos de ver

Há pais que só enxergam qualidades em seus filhos. Sem dúvida, é necessário ressaltá-las, para estimular seu desenvolvimento, que nada é tão benéfico como um sadio otimismo. Mas é também necessário ver os defeitos, para corrigi-los.

Outros são ainda piores: não querem ver. Mesmo quando lhes apontam um defeito da criança, eles se negam a reconhecê-lo. Não é defeito: é até qualidade! Cito dois fatos autênticos.

a) O menino, 11 anos, chegou se gabando de ter enganado o coleguinha na troca de umas bolas de gude; chamei a atenção da mãe para a desonestidade do filho, e ela me respondeu: ” Todos eles são assim: têm um jeito pra negócios! . . . Puxaram ao pai.”

b) Depois de ouvir o relato pouco amável do comportamento da filha no internato, como se lhe pedisse uma intervenção enérgica, a pobre mãe respondeu: “Que quer a senhora que eu faça? É minha filha: eu gosto dela assim mesmo”.

Ouvidos de ouvir

A convivência permanente às vezes dificulta o bom conhecimento. Um olhar estranho observa melhor, máxime se for de educador, habituado à observação interessada de qualidades e defeitos. Chamando a atenção de amigos para qualidades e defeitos de seus filhos, tenho ouvido deles que ainda não os tinham notado, embora sejam cuidadosos na educação. E alguns ficam agradecidos pela indicação.

Outros, porém, não querem ouvir, pensam (e dizem) que estamos acusando os “filhinhos da mamãe”, tomam atitude defensiva (quando não ofensiva . . .) , justificam os mais evidentes defeitos, estabelecem comparações com outras crianças em face das quais seus filhos são até muito bons!

Alguns exemplos

Da minha longa experiência poderia citar centenas de casos.

Tendo-lhe o filho respondido grosseiramente, e como eu o chamasse arrebatado, o pai redarguiu: “É muito brioso!

a) Aconselhei especiais cuidados, inclusive médicos, para um menino com evidentes sinais de efeminado; e a mãe logo o defendeu: “É tão carinhoso!

b) Outra mãe, a quem notei que o filho era demasiado indolente, saiu-se com esta: ” Quem me dera que todos fossem sossegados como ele!”

c) Como a jovenzinha se mostrasse muito leviana, nos modos de sentar-se, falar, gesticular, e eu chamasse a atenção dos pais para sua desenvoltura, a mãe replicou que ela estava cada vez mais interessante.

Assim outros. Se a criança é agitada, chamam-na viva; se inconveniente, moderna; se atrevida, altiva ou desembaraçada; se inverídica, imaginosa. Duas dessas classificações, também autênticas, nunca as esqueci, pela singularidade:

a) a menina preguiçosa, preguiçosíssima, que a mãe chamava aristocrata;

b) o menino malcriado, para cuja facilidade em responder mal o pai me chamava a atenção: “Veja que presença de espírito! Isto numa tribuna do júri ou na Câmara . . . ” – ” Sobretudo de vereadores”, completei eu.

Desnecessário prosseguir. Todos, infelizmente, conhecem casos semelhantes, também em grande número. É pena, porque, ouvindo os mestres, os parentes, os amigos verdadeiros, os entendidos em pedagogia, podem os pais encaminhar melhor a correção, vale dizer a educação dos filhos. Se, porém, os não conhecem, como corrigi-los?

Desenganem-se, enquanto é tempo, os que se negam a ver e ouvir a verdade, a pretexto de “adorarem” os filhos. O verdadeiro amor não é o que quer bem, mas sim o que quer o bem. Fechar os olhos sobre os defeitos das crianças é preparar-lhes uma vida de tropeços e desgostos, porque os estranhos não terão com eles a mesma tolerância dos pais, e mais tarde os próprios filhos sentirão dificuldades, praticamente insuperáveis, para se corrigirem. Não porque as faltas em si sejam incorrigíveis (os irrecuperáveis estão hoje reduzidos a número cada vez menor), mas porque a pessoa não adquiriu capacidade de emendar-se. Falta-lhe força de vontade, mesmo quando reconhece os erros e a necessidade de eliminá-los. (4)

Saber corrigir

Além de conhecerem os filhos, devem os pais saber como agir, a fim de alcançarem os desejados efeitos. Não bastam boas intenções. A correção tem normas e técnicas. Sem isto, poderá ser contraproducente. Vejamos qual deve ser a boa correção.

1º) Rara

O educador deve ver tudo, dissimular muito, corrigir quando necessário.

a) Ver tudo, para conhecer bem a criança, não se deixar surpreender, nem passar por tolo aos olhos das próprias crianças.

b) Dissimular muito, porque muitas faltas não têm realmente importância, umas são próprias da idade e passam com ela, outras as próprias crianças notam e, quando estão sendo realmente educadas, tratam de emendar por si.

c) Corrigir quando necessário, porque a correção demasiada é prejudicial à educação. Quando muito frequente, ela

1) perde o salutar efeito de inspirar desgosto à falta cometida, com o consequente desejo de emenda;

2) enfraquece a autoridade do educador, ao invés de reforça-la, como o faz, desde que seja rara;

3) insensibiliza a criança, que já não acode ás advertências, pela própria impossibilidade de fazê-lo.

Pode mesmo ser contraproducente, tornando-se irritante – e nas poucas recomendações que fez São Paulo sobre a educação dos filhos pediu que não os irritassem (Ef 5,4).

Premidas por uma disciplina muito estreita, censuradas a cada instante, derivam as crianças para a falta de brio ou para uma situação emocional angustiante, que terminará levando-as ao consultório médico. É pena que muitos pais, precisamente entre os mais zelosos e bem intencionados, insistam, mesmo quando reconhecem que não adiantam suas intervenções, e que até pioram a situação. Dir-se-ia que o fazem mais em satisfação à própria consciência (mal orientada) que para o bem do filho. Alguns até se aborrecem, quando lhes pedimos para não intervirem.

2º) Justa

Há de corresponder a urna falta. O senso de justiça é geralmente muito vivo nas crianças, e elas repelem,
magoadas, as correções injustas e as suportam, revoltadas, ainda que se trate de simples advertência. Se as repelem, mesmo que seja apenas interiormente, já elas não produzirão os procurados efeitos.

Quando, por si mesma, a criança percebe que errou e decide retificar-se, a intervenção dos pais será apenas para apoiá-la e estimulá-la no seu propósito.

3º) Amorosa

Como toda a educação, a correção é obra do amor. Quando reveste aspectos mais severos, há de ser (e parecer) tão dolorosa a quem a aplica quanto a quem a recebe – como certos tratamentos médicos que somos obrigados a fazer nas crianças, sabe Deus com que dores no coração. Em qualquer caso, ela revelará sempre o cumprimento de um dever, a preocupação de fazer bem, manifestação de amor. Para isto, ela será:

a) calma: o educador, no perfeito domínio de si, moderado nas palavras, nos gestos e no olhar, para que não lhe saia obra de cólera o que só deve ser obra de amor, lembrado de que “só a razão tem o direito de corrigir”, como disse Fenelon, e que quem se deixa levar pelas paixões está mais precisado de impor a correção a si do que aos outros;

b) bondosa: não a imporemos jamais porque fomos nós desobedecidos, mas porque a criança a requer; não lhe daremos o aspeto de vingança ou desforra, mas de expiação da ordem violada; nunca por motivos nossos, mas pelos interesses da criança e pela manutenção da moral. Por isso, evitemos as zombarias e humilhações, que mais servem para irritar e endurecer que para mover as crianças e sobretudo os jovens a mudarem de vida.

4º) Profunda

Só é eficaz a correção que vai a raiz das faltas. Não basta ver que a criança furtou: é preciso ver por que furtou. Como não basta obrigá-la a restituir o objeto furtado: é preciso remover o móvel do furto. Diga-se o mesmo dos outros defeitos.

Há faltas isoladas, fruto de meras ocasiões, acidentais portanto: para essas bastam as correções superficiais. Mas há também as que correspondem a tendências profundas: se não lhes formos à raiz, ficaremos a limpar permanentemente o terreno, na certeza de que novos frutos cairão na primeira oportunidade.

É possível que, à força de insistências, de extrema vigilância e até de castigos haja uma aparência de melhora: – a criança submeteu-se, mas não se corrigiu, porque a tendência não foi atingida e espera apenas o momento de manifestar-se de novo. Ou também acontece que, reprimida assim numa falta, ela se compensa noutra, às vezes pior do que a primeira. Alegarão os pais, com razão, que não lhes é fácil determinar as causas profundas dos defeitos infantis. Para ajuda-las existem já hoje psicólogos e pedagogos, a quem recorrerão, como recorrem ao médico para a saúde física.

5º) Proporcionada

Tenhamos o máximo cuidado de fazer que a maneira de corrigir uma falta seja a que melhor permita ao educando ver as funestas consequências morais, naturais ou sociais de seu ato. Só assim lhe facilitaremos compreender o próprio erro e querer emendá-lo, formando-lhe o senso moral e a vontade de ser bom.

Para isto a correção deve ser proporcionada à idade, à pessoa, à falta.

a) À idade

Nos pequeninos, na medida em que a vida dos sentidos prevalecer, haverá mais um adestramento, com afirmações simples e categóricas, que visam à formação de hábitos e à impregnação do subconsciente. É preciso atingir-lhes a sensibilidade, uma vez que não se lhes pode apelar ainda para a compreensão. Não lhes satisfazer os caprichos, não ceder a suas insistências e lágrimas, não lhes alimentar as más tendências que se manifestam (gula, teimosia, egoísmo, cólera). E procurar encaminhá-los, de modo positivo, por atos que facilitem hábitos bons.

Com o desenvolvimento da inteligência e da vontade, as preocupações vão passando paulatinamente para este terreno. Apela-se para a compreensão, a começar dos motivos mais simples, com tarefas que lhes vão dando o domínio consciente de si, que lhes toquem os gostos ou a liberdade, com ocupações úteis referentes ao que deviam ter feito ou que realizaram mal.

Se a educação tiver normal desenvolvimento, o adolescente já poderá ser chamado totalmente à razão, cabendo-nos apenas ajudá-lo no autogoverno, pois as paixões o seduzem com especial energia.

b) À pessoa

Erro comum entre os pais é tratarem os filhos do mesmo modo. Em casos de fracasso, ouvimos com frequência a queixa: “Eduquei todos do mesmo modo e são tão diferentes…” Cada qual deve ser educado de acordo com suas características.

Se duas filhas têm físicos diversos – uma gorduchinha e baixa, outra magra e pernalta – não ocorrerá certamente á mãe vesti-las com o mesmo manequim, só por serem irmãs. Maiores são as diferenças de espírito e caráter, igualmente visíveis a olho nu. Tratá-las nos mesmos moldes não é tão ridículo, porém é muito prejudicial.

Imaginem o médico que desse a todas as crianças de sua clínica a mesma receita, alegando que estão na mesma enfermaria, e ele deve tratar a todas do mesmo modo

Ou a mãe que quisesse obrigar todos os filhos á mamadeira porque este é o regime do menorzinho – e os filhos devem ser tratados do mesmo modo…

É pena que os erros pedagógicos não gritem com a mesma força.

Uma errada noção de justiça leva certos educadores a tratarem do mesmo modo todos os educandos. Temem talvez a pecha de parcialidade. Fogem ás explicações que a diferença de tratamento exige. E prejudicam assim a formação das crianças, pois cada uma delas há de ser conduzida ao mesmo fim mas por caminhos diferentes.

c) À falta

As faltas são mais ou menos graves, conforme o preceito que violam e as circunstâncias em que foram cometidas. Quem mente por vaidade ou em defesa, e quem mente calculadamente para caluniar; quem tira a bola do colega, arrastado pelo desejo de ter uma bola, e quem quebra a boneca da irmã por inveja; quem deixa cair o relógio por descuido, e quem o joga no chão por desaforo . . . Têm todos uma falta a corrigir, mas em graus muito diferentes.

Tanto mais grave a falta, tanto mais cuidadosa a correção. Não percamos de vista o sentido de expiação que ela tem, nem a preocupação de ir às causas, que há de animar o educador e o educando.

Ainda há pais que relevam as desonestidades dos filhos, mas os punem severamente porque quebraram um prato. É porque, infelizmente, muitos pensam mais em castigar que em corrigir. Outros não se importariam com a falta em si, mas se horrorizam com a mera possibilidade de chegar ao conhecimento dos vizinhos . . .

6º) Contrária à falta

Cuide o preguiçoso de cumprir bem os deveres, realizados sem protelação o seu trabalho de cada dia.

a) A menina desarrumada será encarregada de arrumar a casa, tomando consciência do dever a cumprir e do cuidado de fazê-lo bem feito, para a íntima satisfação (e, nos cristãos, para a glória de Deus).

b) O egoísta será orientado para a ajuda fraterna em todos os terrenos, principalmente naquele em que mais carecido se revela.

c) O mentiroso, que impuser a si mesmo a humilhação de retificar-se, logo perderá o apetite mítico.

d) Cura-se mais facilmente o agitado que treinar imobilidades e silêncios voluntários ou compreendidos.

e) Pede-se aos negligentes o trabalho bem feito, a caligrafia caprichada, etc.

Não julguemos, porém, sejam essas urnas fórmulas mágicas que resolvam tudo, rapidamente, e que, quando não resolverem, o caso é irremediável. Não há fórmulas mágicas em educação. As soluções rápidas são pedidas em geral pelos que “não têm tempo a perder com os filhos”, e por isso perdem os filhos.

Finalmente, se a falta é apenas um sintoma, não é combatendo o sintoma que se cura um mal, mas indo-lhe à raiz – como já ficou acentuado. E se a raiz não for atingida, desesperam os educadores superficiais . . . e não se corrige a criança. É para ajudá-los que existem psicólogos e pedagogos.

Essa pedagogia dos contrários pode ser levada muito longe, acertada e proveitosamente, pelos especialistas. Mas os próprios pais de família poderão dilatá-la um pouco além dos sintomas. Joseph Duhr (“L’Art des
arts”) tem a propósito uma página sem grande vôo, mas útil, por isso mesmo, ao educador comum. Ele aconselha que à criança gulosa ou preguiçosa se imponham exercícios físicos, trabalho regular e bem feito; à agitada se dê um regime firme, que lhe exija ordem e pontualidade; à trabalhadora e ambiciosa, inclinada a dominar, oferecem-se ocasiões de moderação, doçura e paciência; à tímida ministrem-se, como antídoto, exercícios físicos, trabalhos de jardinagem e marcenaria, etc., cultivando-se-lhe a iniciativa e a confiança em si. (1)

Como vemos, frequentemente a criança nem sabe que está sendo corrigida… o remédio é levado insensivelmente à causa do mal. Em certos casos é mesmo necessário que as nossas intenções não apareçam.

7º) Oportuna

“Há tempo de calar, e tempo de falar”, lembra-nos a Bíblia (Ecle 3,7). Como a semente, que parte de nossa mão e se realiza no seio da terra, assim a correção é, o mais das vezes, de iniciativa nossa, mas se completa no educando, por obra sua. E como a semente não pode ser plantada em qualquer época, porque “há tempo de plantar, e tempo de colhêr” (ibd. v. 2.), também a correção há de aguardar o momento oportuno. Só a propomos (ou impomos), na esperança de êxito. E este depende do acolhimento interior que lhe fizer o educando, acolhimento que só pode ser favorável, se as circunstâncias também o forem.

Na hora da zanga – a tendência é mais para repelir que para aceitar qualquer sugestão de emenda. Em presença de pessoas estranhas, de colegas e mesmo de irmãos, quando implica humilhação, também não será bem aceita. Espera-se que a tormenta passe, aborda-se o educando a sós, e, na calma de lado a lado, propõe-se a desejada medida.

As mães cristãs têm excelente oportunidade quando, depois da oração da noite, vão ver se os filhos estão bem acomodados no leito. Falando em voz mansa e amorosa, sentada à beira da cama, é muito difícil não ser a mãe bem acolhida.

Aguarde-se, pois, o momento oportuno.

Tratando-se de crianças pequenas, não convém protelar muito a correção. Elas esquecem facilmente que cometeram a falta, não estabelecem a necessária ligação entre o erro e a emenda, podem achar injustas as medidas impostas, e então o efeito será contrário.

Em face desses perigos, podemos recorrer às práticas corretivas sem aludir aos fatos “esquecidos”, alcançando os mesmos resultados, sem as contraindicações.

Já o dissemos acima, mas uma repetição deste feitio faz sempre bem: exige-se o momento oportuno também, para o educador, que só deve agir quando pode revelar, pelo domínio de si, que fala nele a razão, e não a paixão, que procura o bem da criança e não o desabafo da própria cólera.

8º) Perseverante

Da parte da criança, vontade frágil porque ainda em formação, compreende-se que haja desfalecimentos, no constante recomeçar após as faltas. Da parte dos pais, não! Eles hão de querer sempre a correção dos filhos. Sempre – sincera e decididamente. Paciente, mas obstinadamente. Santa obstinação! Não desanimarão com as recaídas, não se abaterão com os insucessos, não se cansarão com as recomendações das mesmas práticas. Não contarão com resultados fáceis, nem se acovardarão com as dificuldades. Sobretudo, não se resignarão aos defeitos dos filhos; mas lutarão para corrigi-los.

E não será uma luta episódica, descontínua, mas sistemática, branda e permanente. Não é o temporal do verão, mas a chuvinha miúda e teimosa, que o povo chama “criadeira”, porque umedece o solo em profundidade. Aquele amor de mãe que não conhece canseiras nem vê sacrifícios, quando se trata da saúde dos filhos, não se há de mostrar menos dedicado e admirável nas restaurações morais.

O amor ensinará aos pais a serem bondosos até a ternura, mas decididos e persistentes, porque “quem perseverar até o fim é que será salvo” (Mt 10,22).

9º) Firme

É por amor, o bem entendido amor, aquele que quer o bem, que a correção há de ser firme – não frágil nem indulgente, mas segura, decidida e forte.

Observa o grande pedagogo suíço Foerster (“lnstruccion ética de la juventud“) que a tendência para a condescendência, característica de nossos tempos, é própria de homens fracos, incapazes de suportar as consequências de seus atos, e que se justificam procurando evitá-las também nos outros. De fato, a fraqueza dos responsáveis por crianças e adolescentes gerou e multiplica a “juventude transviada” e a complacência dos responsáveis pela segurança social impulsiona a maré montante de imoralidade e crimes, que a falta de formação religiosa desencadeou.

Condenando os processos de força, sou, no entanto, pela educação forte. A tolerância com os defeitos das crianças leva-as muitas vezes ao crime. E a tolerância com os crimes multiplica os criminosos e agrava os delitos.

A indulgência, ao contrário do que pensam os superficiais, é prejudicial ao educando. Os que a defendem para a primeira falta, guardam a energia para as outras, tão certos estão de que elas virão. Quando mais lógico é ser firme logo que o mal aparece, para evitar que prossiga. ” A cobra se mata na cabeça”, diz a sabedoria popular. Um tratamento adequado na primeira falta evitará provavelmente a segunda. Isto está na lógica da correção e na psicologia do faltoso.

Na lógica da correção, porque, ao menos quando se trata de lei moral violada, a expiação é exigência indeclinável. Em matéria de Moral, ninguém pode ser tolerante, pois todos lhe estamos igualmente sujeitos.

Na psicologia do educando, porque se ele associar à primeira falta uma reação desagradável, ficará inclinado a evitá-la; ao passo que, se nenhuma corrigenda lhe foi exigida, é provável que se sinta estimulado a prosseguir no erro.

Podemos também confundir a criança: ela pensava ter feito realmente um ato mau, esperava reação dos pais, e estes nem ligaram… Então, o ato não é tão mau, pois ninguém ignora que as atitudes dos pais são para os filhos pequenos o critério do bem e do mal. E está aberto o caminho às reincidências.

É possível que alguns leitores, por posição doutrinária ou por tendência a maior tolerância com os filhos, me desprezem a doutrina como excessiva. Quero valer-me, então, da autoridade de dois pedagogos que ninguém acusará de “reacionários”. O primeiro é o próprio Foerster: “A primeira falta deve ser tratada com energia”. E acrescenta, falando especialmente de jovens: “À juventude só impõe respeito uma justiça enérgica e estrita, semelhante à dos povos naturais” (5). O outro é Pestalozzi, também expresso: “Deve-se dar maior atenção aos começos do furto do que aos excessos posteriores.” E reputa ” contrárias a todas as regras da educação humana” as medidas de brandura para as primeiras faltas e de rigor para as subsequentes. (6)

Porque queremos a correção de todos – menores e adultos – é que reclamamos antes firmeza que indulgência. Esta é geralmente tomada como fraqueza, e nada impressiona tão negativamente a crianças e jovens como a autoridade fraca.

Lembremos finalmente que firmeza não significa rudeza, mas requer a compreensão da criança e a bondade de modos, também necessárias, como já ficou acentuado.

10º) Curta

As correções muito longas são antes castigos. Na verdade, cansam as crianças, dão-lhes a impressão de injustiças, sendo repelidas – e não produzem efeito, ou o produzem contrário. Certas medidas são mais punitivas que educativas: – um mês sem sair de casa, uma semana tomando as refeições a sós, etc.

Pecam, sobretudo, por tirarem o estímulo à melhora. Se provocarmos desânimo em vez de coragem, não estaremos impulsionando a criança para a perfeição.

Para ajudar na formação de bons hábitos, mais valem medidas mais frequentes, embora de curta duração. Não, porém, tão rápidas que não dêem para sentir o erro, e nem tão longas que façam esquecer a ligação coma a falta, gerando irritação, que é contraproducente. Cumprindo com facilidade o que lhe sugerimos, sem se cansar, mas até sentindo que era capaz de fazer mais, a criança aceitará com amor o trabalho de corrigir-se, estimulada a novas tarefas, quando necessário. Isto é vital para a correção.

11º) Esquecida

Tanto mais a criança recai, tanto maior necessidade tem de ajuda. Recai porque a tendência lhe e muito forte, ou a vontade ainda muito fraca. Não consegue andar sozinha: precisa de nossa mão. Se, estendendo
-lhe a mão, a empurrarmos, ela cairá mais depressa; se a magoarmos, ela receará nossa ajuda; se a irritarmos, ela nos fugirá. Tanto mais frequentes as recaídas, tanto mais deve ela ser estimulada.

Ora, nada é tão desestimulante como lembrarmos as faltas cometidas, o número de vezes que propusemos emenda, e o pouco fruto colhido.

Cuidaremos de cada falta como se fosse a primeira. Se a criança multiplica as faltas ou retarda a emenda mais do que seria de esperar, tomaremos as necessárias medidas, sem contudo “amontoar brasas sobre a sua cabeça” (Prov 25,22). Humilhada com as nossas alegações, ela virá talvez a concluir que não se corrige mesmo, que é inútil lutar, caindo no desânimo que dificultará, se não impossibilitar, o almejado fim.

Devendo acompanhar a vida moral da criança, o educador não lhe pode esquecer as faltas nem os esforços para corrigir-se, mas não lhe dará a entender que guarda essas lembranças, não lhe falará do passado, dando a impressão de que o que passou está esquecido. E agirá em função desse “esquecimento”, a menos que o passado se ligue diretamente com o problema do momento.

Muito se aborrecem os educandos com a recapitulação de suas faltas, feita cada vez que vão ser corrigidos. É natural: sentem-se envergonhados. Os que julgam contribuir assim para emendá-los esquecem a força pedagógica do otimismo. E não pesam quanto diminui com isso a confiança das crianças. E quando a confiança diminui, aumentam as dificuldades da educação. Bem haja o educador que sabe mante a confiança das crianças tanto nele quanto em si mesmas.

12º) Cristã

É uma só, mas é infinita a diferença entre o pagão e o cristão: – este é batizado. Assim é também com a educação. A cristã faz tudo o que faz a leiga, e conta, além disso, com a graça de Deus. A leiga se vale de todos os meios naturais e leva a criança até onde lhe permite a força humana; a cristã continua a subida, amparada nos meios que Cristo ensinou e instituiu para elevar o homem acima de si mesmo e conduzi-lo à perfeição. A educação cristã não contradita a leiga, mas a ultrapassa.

A correção cristã contém elementos que a leiga ignora. Com suas características próprias, os católicos têm um ideal sobrenatural, motivos sobrenaturais e meios sobrenaturais, de que os outros não dispõem.

Pomos os olhos da criança o Divino Modelo:

a) Cristo com seu convite:

– “Sêde perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48).

Com as suas lições essenciais, profundas, vasadas numa linguagem imperativa e soberana, de quem fala “como quem tem autoridade” (Mt 7, 29), das quais damos apenas um exemplo:

– “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças” (Lc 10, 27).

– “Amarás os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem e caluniam” (Mt 5, 44).

b) Cristo com seu exemplo:

– “Eu vos dei o exemplo para que façais assim como eu fiz” (Jo 13, 15).

Quando queremos ensinar a verdade – a mortificação, a paciência, a justiça, a prudência, a fortaleza, a ajuda fraterna, o respeito à lei e ás autoridades, a pureza, a dedicação filial – lá está o Cristo, vivo, integral, perfeito.

E não é para nós apenas um exemplo: é a força que nos ajuda, é o estímulo da recompensa que não faltará, é o Senhor onipotente que nos pode alimentar no deserto (Mt 14, 15-20), salvar do naufrágio (Mt 8, 24-26), libertar do demônio (Mt 12, 22).

Temos o recurso à oração, que os naturalistas ignoram.

Temos a total confiança em Cristo, que só os que a experimentam sabem quanto é boa e poderosa.

Temos o exercício da presença de Deus, que está em toda parte, “que sonda os rins e o coração” (Sl 7, 10), que nos detém em face do pecado, com a José (Cf. Gên 39, 9) , que nos convida permanentemente á perfeição (Cf. Gên 17, 1), e cujo temor é o começo da virtude (Cf. Sl 110, 10).

Temos o exame de consciência, poderoso elemento do conhecimento de si próprio, sonda que penetra até o fundo das intenções, luz que ilumina o nosso íntimo e nos mostra as causas e raízes de nossos atos e os seus móveis mais secretos, e que nenhum educador deve dispensar, para si e nos educandos.

Nós católicos temos o contato vital com a Santa Madre Igreja, com o culto vitalizante da Santa Missa, com a força eficaz dos Sacramentos.

Tudo isto eleva e doura a correção que propomos. Tudo serena e se facilita, quando falamos em amor de Deus, para alegrar a Cristo, para não “crucificar de novo o Filho de Deus” (Hebr 6, 6).

O sobrenatural não tem um lugar à parte em nossa pedagogia: como o sangue, ele se difunde em todo o organismo; como a alma no corpo, ele está todo na educação cristã e todo em qualquer parte dela.

Só nos que o utilizamos sabemos quanto vale. Entre nós, melhor o sabem aqueles que não conheciam, mas se converteram e o empregam, penalizados do tempo em que o não usaram, jubilosos das maravilhas que produz.

Feliz o que baseia a vida e a educação dos filhos no sobrenatural. Por grandes que sejam as dificuldades, são sempre menores que as dos outros, e maiores os frutos. “receberá i cêntuplo e terá a vida eterna” (Mt 19, 29).

Estabelecer princípios

Talvez tenha ficado longa a exposição e isto dê a impressão de que é difícil dirigir a correção dos filhos. Na verdade, tudo isto é conseguido harmonicamente. Fizemos trabalho de análise. É como o andar: fôssemos explicar o mecanismo da nossa marcha, dificilmente daríamos um passo – contraia tais músculos, distenda outros, firme um dos pés quando levanta o outro, assegure melhor o equilíbrio adiantando o braço direito quando adianta o pé esquerdo… Por felicidade não se faz assim: anda-se simplesmente, e se faz tudo aquilo, sem o perceber… Assim é com a boa correção.

Mas, para facilitar um trabalho de unidade, reduzimos tudo a poucos princípios, que não demandem sequer explicações:

1) Saber o que quer: fazer amar e procurar o ideal.

2) Querer com firmeza e continuidade.

3) Ver tudo, dissimular muito, corrigir o necessário.

4) Ir às raízes das faltas.

5) Manter a visão do conjunto.

6) Assegurar a confiança das crianças.

Modos de corrigir

Nossa preocupação é levar a criança a praticar a virtude, a fazer bem o que fez mal, evitar a falta cometida, tudo na proporção de suas possibilidades pessoais.

Para isto aproveitamos as próprias consequências naturais da falta, quando estas se prestam ao aproveitamento pedagógico, ou empregamos outros meios proporcionados.

No primeiro caso, as aplicações são variadas.

Algumas, inócuas: a criança adoece quando come chocolate; mas continua a comê-lo sempre que se lhe oferece ocasião. Não tem força de vontade para resistir.

Outras, irritantes, humilhantes, prejudiciais, vergonhosas até para os pais, como nos exemplos do próprio Spencer, defensor do emprego exclusivo deste método: a menina remanchona, que não vai passear; o mentiroso não será mais acreditado; e noutras: quem rasgou, por estouvamento, o vestido novo, usá-lo-á remendado; quem estragou o caderno á toa, fica sem caderno…

Outras, realmente proveitosas: a criança que quase queimou, mexendo no aquecedor; a que se feriu com os modos estouvados de brincar; a que foi expulsa do jogo pelos colegas, porque perturbava, etc.

No segundo caso, são muito conhecidos os modos de correção. Vejamos.

1) Advertências

Muito úteis, porque previnem a queda: sempre melhor que remediá-la, sobretudo na infância. Justas, oportunas, rápidas, dão bons resultados. De duas advertências no Evangelho, uma deu resultado, outra não.

a) A Pedro, que não queria que lhe lavasse os pés, disse Jesus: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13, 8). E Pedro logo cedeu.

b) Em Getsémani, advertiu Jesus aos Apóstolos: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação” (Mt 26, 41). Mas, quando voltou, eles dormiam…

2) Censuras

São necessárias, para formação do critério moral das crianças… Não sendo censuradas pelo mal que fizeram, podem reputá-lo indiferente ou bom.

Também aqui temos exemplos do Evangelho:

a) Aos próprios Apóstolos que dormiam: “Não pudestes vigiar comigo uma hora?” (Mt 26, 40).

b) Na tempestade: “Por que estais com medo, homens de pouca fé?” (Mt 8, 26).

c) E quando São Pedro submergiu: “por que duvidaste, homem de fé diminuta?” (Mt 14, 31).

d) Aos discípulos de Emaús, com bastante energia, aliás: “Ó estultos e tardos para crer o que anunciaram os profetas!” (Lc 24, 26).

Também elas serão, como as advertências, justas breves, oportunas, e feitas com serenidade, a qual lhes é necessária, mesmo quando forem enérgicas.

3) Elogios

Superiores à censura, preferíveis portanto. Esta, por melhor que a façamos, é sempre restritiva e deprimente, ao passo que o homem precisa de estímulos para a virtude, pois, em geral, são poucos os nossos impulsos para ela. Enganam-se os que temem fomentar a vaidade, com elogios. Desde que justas e moderadas, que visem ao esforço (e não a qualidades naturais, dons gratuitos de Deus), e que despertem entusiasmo para o bem, confiança em si e amor ao ideal, antes importa usá-los que temê-los.

Também Cristo os empregou em sua pedagogia:

a) Louvando o centurião: “nunca vi tanta fé em Israel” (Mt 8, 10).

b) “Eia, servo bom e fiel, porque foste fiel em pouco, eu te confiarei muito” (Mt 25,23).

Sempre que o educando se esforça (mesmo que não alcance o êxito desejado), é digno de encômio. Principalmente quando está interessado em emendar-se: elogiemo-lo, mesmo quando ele consegue apenas diminuir faltas, pois já é progresso.

4) Recompensas

Como tudo que estimula e desperta energias para o bem, são as recompensas elemento valioso na educação.

O seu fim é realçar o valor do ato praticado e favorecer a sua repetição. Não somente podem, mas até devem ser outorgadas, desde que:

a) contribuam para dar ao educando consciência da boa obra que praticou, inclinando-o assim a repeti-la;

b) levem ao gosto íntimo do dever;

c) ajudem a vencer os obstáculos.

Para isto, procuremos evitar:

a) recompensas que favoreçam as más tendências: não dar gulodices aos gulosos, enfeites às vaidosas, dinheiro aos esbanjadores, etc.;

b) prometê-las com frequência – porque assim perderão a finalidade, e até a subverterão, levando a criança a trabalhar antes pelo prêmio prometido que pelo cumprimento do dever (7);

c) dá-las com muita frequência, não só porque isto a banaliza como também porque a criança perde de vista o amor ao dever, passa a trabalhar pela recompensa, e pode até desanimar quando não a receber.

Como gostamos de elogios e presentes, muito se alegram com eles os educandos. E qualquer coisa os contenta, desde que não estejam viciados. De acordo, porém, com a finalidade pedagógica, procuremos os que melhor se adaptam às tendências de cada um – afetuosos, honoríficos, instrutivos, artísticos, lucrativos. Às vezes, o que alegra a um, deixa indiferente ou decepcionado a outro. É necessário que a recompensa contente, porque, despertando otimismo, ajuda e favorece no caminho do dever.

Fazer aceitar a correção

Já dissemos da necessidade de fazer a criança aceitar a correção que lhe sugerimos ou impomos.

Lembremos que a nossa correção é antes um ato nosso que de outrem. Alguém pode ajudar-me; corrigir-me, só eu o posso. Se não conseguirem a colaboração da criança, fracassam os educadores. Obterão aparentes resultados, enquanto a criança for pequenina, ou se tratar de meras faltas exteriores; mas falharão na orientação das tendências, terreno pessoal em que só o sujeito trabalha, ajudado embora por outrem.

Eis porque fazer o educando querer corrigir-se é essencial. Ao paralítico da piscina probática perguntou Jesus: ” Queres ser curado? ” Ele respondeu: “Senhor, eu não tenho um homem que me leve à piscina”. (Jo 5,6-7) . Pois é assim a correção: exige quem conduza a criança, mas exige antes que esta queira ser educada.

Sem isto, toca-se-lhe a superfície, mas não se lhe atinge a profundeza, onde estão as raízes do mal. Compelida pelo adulto, a criança faz exteriormente o que ele manda, mas guarda a má tendência, para agir diversamente em sua ausência ou quando se libertar de seu jugo. Quer dizer: consigo do educando a submissão, não o domínio de si. Por outras palavras: faço um hipócrita, não um homem de virtude.

Ora, o que move o verdadeiro educador é o desejo de levar a criança a compreender a necessidade de corrigir-se e aceitar, no seu íntimo, os meios proporcionados. Neste terreno a meta é fazer a criança querer a correção. Queremos da criança uma atitude de penitência – ato da consciência esclarecida, em face do próprio Deus: ela vê a sua falta, arrepende-se dela, propõe emendar-se, e vai empregar os meios para isto. Mais uma vez: correção é autodisciplina, é desejo de perfeição.

Para que a criança queira corrigir-se é preciso que:

a) saiba que tem defeitos – o que ela facilmente concede, porque todos neste mundo os têm;

b) saiba que tem tal defeito – o que é um pouco mais difícil, porque supõe o conhecimento de si e a humildade (que raro procuramos infundir nos educandos);

c) reconheça que cometeu a falta – pois nada há mais revoltante para a criança e sobretudo para o adolescente do que ver-lhe imputada uma falta que não cometeu ou não reconhece como falta;

d) esteja intimamente naquelas disposições de penitência, a que acabamos de referir-nos;

e) aceite a nossa ajuda.

Tudo isto supõe o trabalho educativo lento, indireto às vezes, paciente, dirigido à inteligência e à vontade do educando. Nem sempre é fácil convencê-lo de que errou: ele se coloca numa posição emocional, e não consegue enxergar o que lhe apontamos de nosso ângulo lógico. Então, é preciso que o compreendamos, para que ele nos compreenda.

Quando alguns pais acusam o filho de “não querer nada”, se este não é um anormal, a culpa é deles;

a) não o prepararam desde cedo;

b) contentaram-se com castigos (em vez da correção);

c) não levaram a conhecer-se;

d) nunca o mandaram examinar a consciência em face de Deus;

e) não lhe disseram as consequências de seu defeito;

f) nem lhe deram os motivos profundos para emendar-se.

Não é com gritos, humilhações, e castigos que levamos alguém a querer o que queremos…

Evitar a correção

Por positivo que seja o trabalho da correção, no fundo ele é negativo: houve uma falta a emendar . . . Inteiramente positivo seria evitar a necessidade da correção. Se isto é ilusório, porque “os sentimentos e os pensamentos do coração humano são inclinados para o mal desde a infância” (Gên 8,21), é possível, contudo, reduzi-la ao mínimo. É o que consegue a sólida formação da vontade, ajudada pela disciplina preventiva.

Isto é toda a educação, e não cabe neste fim de capítulo. Aqui desejamos apenas deixar aos pais cuidadosos a esperança, e dar-lhes alguns marcos que os possam orientar nessa jornada.

Cultivar virtudes

Na terra virgem da alma infantil as virtudes medrarão mais facilmente. Trabalho agradável e produtivo, ele poupará as dificuldades da correção. À medida que a boa semente germinar, o joio que o inimigo lançar brotará sem seiva, mais pronto a mirrar-se que a afogar o trigo. Para estimular virtudes, os pais encorajarão os esforços, habituando a criança à fortaleza e à generosidade espiritual, preparando-a para as vitórias contra as paixões, o ambiente e o demônio.

Começar cedo

Como as más tendências despontam muito cedo, é preciso madrugar com a educação para a virtude. Digamos a palavra que alarma os leigos: educação para a santidade. (8)

Antes mesmo que a criança revele tendências particulares, já devem ter sido canalizadas no sentido da virtude aquelas que constituem a natureza e a herança de toda a humanidade.

Cuidem os pais:

a) não fechem os olhos às manifestações da alma infantil, a pretexto de que é muito criança ainda;

b) não temam ser exigentes e enérgicos;

c) não se contentem com corretivos superficiais;

d) não capitulem ante a pressão de avós e tios que brincam com a criança como a criança brinca com a boneca;

e) não pensem em recuperar depois o tempo perdido: o melhor é não perder tempo!;

f) tenham pressa e firmeza em “ocupar todo o terreno” (F. G. – “Comment j’éleve mon enfant”), a fim de que, quando os vícios quiserem instalar-se, não encontrem lugar.

Educar para a liberdade

Amanhã, essa criança inevitavelmente se libertará do nosso jugo, e será dona de si mesma. O essencial é prepará-la para fazer o bem por si, quando não tiver mais nossa tutela. Para isto deve saber usar bem da sua liberdade. (9)

Quem conseguir essa aprendizagem, educou, deu o gosto do bem, fez procurar a correção.

Quando falarmos dos perigos da obediência, tornaremos com mais largueza ao assunto. Mas advirtamos que a liberdade humana não é imune a influências. Entre pressões contrárias, interiores e exteriores, devemos decidir-nos, por nós mesmos, no sentido do bem.

Cuidem os pais de dar aos filhos esse gosto íntimo da liberdade e essa capacidade de usá-la para o bem. Na medida em que o conseguirem, evitarão a necessidade de corrigi-los.

Organizar a vida da criança

Enquadrada em atos regulares e dirigida por uns poucos princípios fundamentais, terá a criança enorme facilidade para evitar faltas.

A organização dos atos pertence mais à mãe: faz parte do bom governo da casa. Ela:

  • Adestra a criança desde cedo;
  • Exige-lhe esforços na idade escolar;
  • Ensina o adolescente a dominar-se;
  • Orienta: a criança já sabe o que fazer, como fazer;
  • Cria hábitos;
  • não deixa ninguém ao léu, desperdiçando tempo e energia, cedendo à ociosidade e à anarquia;
  • mas dá a todos possibilidade de usar a própria
    inteligência e exercitar as forças musculares, expandindo-se normalmente, sem as repressões que a correção acarreta, por melhor que seja.

Os princípios serão poucos, mas fundamentais: marcos para a vida. Normas simples e claras, mil vezes repetidas no lar, mais em conversas do que intencionalmente, que nortearão as ações agora ou no alto mar da vida. A forma positiva é sempre preferível: é melhor sabermos o que devemos fazer – e o que não devemos fazer vem como conseqüência.

Monsenhor Álvaro Negromonte, Corrija seu filho, 1961.

(1) Não tomemos a palavra ao pé da letra, como apologia do castigo físico, hoje condenado pela quase unanimidade dos pedagogos, com os melhores fundamentos, e acusado de graves males na conduta de suas indefesas vítimas. Falando a linguagem dos homens do seu tempo, a Bíblia quer inculcar a necessidade da correção, que é o essencial no seu pensamento, sendo o meio a parte acessória. Aqui, como em muitos outros passos da Escritura, devemos lembrar a. sua. própria advertência: “A letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Cor 11,8).

(2) Para a formação dos hábitos não basta a repetição dos ates, a qual não representa educação. O hábito só é durável quando vem de dentro para fora, parte da convicção e da vontade do sujeito. O trabalho do educador está em dar à criança a convicção da necessidade e o desejo de realizá-la. Ver em “A Educação dos Filhos” o parágrafo IX – “Formar hábitos”.

(3) Remeto o leitor ao meu “A Educação dos Filhos”, onde a formação do juízo e de consciência, o domínio de si, o cumprimento do dever estão tratados com abundância.

(4) Procurando impedir o desmoronamento do lar, já com dois filhinhos, o marido, chorando, se desculpava de um pontapé que dera na esposa: – “Quando eu tinha 5 anos, dava pontapés na babá, e meus pais e avós achavam graça. Fui “educado” assim. Hoje tenho de corrigir-me, e não posso” . . .

(4) O conhecimento da criança em profundidade, se só ao técnico é inteiramente possível, está sendo cada dia mais facilitado nos educadores em geral. O notável pedagogo belga J. M. de Buck, de modo científico e popular, em seu livro “Pais desajustados, filhos difíceis” (Livraria Agir Editora), fornece excelente material de estudo, através do exame de vários casos de crianças-problemas que ele examina.

(5) O. c. Editorial Labor – Barcelona – 1935, página 376.
(6) “Leonardo e Gertrudes” – apud Foerster, o.c.

(7) Tratando-se de conquista difícil (ou em si mesma ou para o sujeito), a promessa da recompensa é valiosa. Também o é quando o êxito demanda esforço continuado. (8) Em meu livro “A Educação dos filhos” abordo este tema: números 38, 50, 51, 54, e 156-161. Muitos se escandalizam por não conceituarem devidamente a santidade.
(9) Peço desculpas de remeter, mais uma vez, o leitor à “A Educação dos Filhos”, onde este assunto está estudado com abundância. A última parte – “A educação moral” – versa diferentes facetas do tema. Ver os subtítulos: “Senhor de si”, “Como formar a vontade” e “Canalizar forças”.

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