Do Liberalismo à Apostasia: Remédio contra o Liberalismo: Restaurar tudo em Cristo

Para os grandes males, grandes remédios! O que poderá curar o câncer ou a aids na Igreja? A resposta é clara, é necessário aplicar os remédios que os Papas propuseram contra os erros modernos: a filosofia tomista, a sã teologia e o Direito que resulta de ambas. 

A Sã Filosofia, a de São Tomás de Aquino 

Para combater o subjetivismo e o racionalismo, que são a base dos erros liberais, não farei alusão às filosofias modernas infectadas precisamente de subjetivismo e racionalismo. Não é nem o sujeito, nem seus conhecimentos e nem seus anseios que a filosofia de sempre, e em particular a metafísica, toma por objeto, é o ser mesmo das coisas, é aquilo que é. Com efeito, é o ser com suas leis e princípios, o que nosso conhecimento mais espontâneo descobre. E no seu ápice a sabedoria natural (que é essa filosofia) chega pela teodicéia ou teologia natural ao Ser por excelência, ao Ser subsistente por si mesmo. É este Ser primeiro que o senso comum, apoiado, sustentado e elevado pelas verdades de fé, sugere que seja colocado no topo do real, conforme à sua definição revelada: “Ego sum quis um” (Ex 3, 14): Eu sou aquele que sou. Vocês sabem que quando Moisés perguntou seu nome, Deus lhe respondeu: Eu sou o que sou, o que significa: Eu sou Aquele que é por si mesmo, possuo o ser por mim mesmo. É o “ens a se”: o ser por si mesmo, em oposição a todos os outros seres que são “ens ab alio”: ser por  outroser, pelo dom que Deus lhes fez da existência! Este é um princípio tão admirável, que se pode meditar sobre ele durante horas. Ter o ser por si, é viver na eternidade, é ser eterno. Aquele que tem o ser por  si mesmo sempre teve que tê-lo, o ser nunca poderia havê-lo abandonado. É sempre, foi sempre, será sempre. Pelo contrário, aquele que é “ens ab alio”, ser por outro ser, recebeu de outro, portanto começou a ser em algum momento, portanto começou!

Como esta consideração nos deve manter em humildade! Compenetrarmo-nos do nada que somos diante de Deus! “Eu sou aquele que é, e tu és aquele que não é”, dizia Nosso Senhor a uma santa alma. Como é verdadeiro! Quanto mais o homem absorver este princípio da mais elementar filosofia, melhor sentirá seu verdadeiro lugar diante de Deus.

Somente o fato de dizer: eu sou “ab alio”, Deus é “ens a se”; eu comecei a ser, Deus é sempre. Que contraste admirável! Que  abismo! É por acaso este pequeno “ab alio”, que recebe seu ser de Deus, que teria o poder de limitar a Glória de Deus? Teria o direito de dizer a Deus: tens direito a isto, mas a mais nada? “Reina nos corações, nas sacristias, nas capelas, sim; mas na rua e na cidade não!” Que petulância! Igualmente seria este “ab alio” quem teria o poder de reformar os planos de Deus, de fazer com que as coisas sejam de outra maneira, diferentes de como Deus as fez? E as leis que Deus em sua sabedoria e onipotência criou para todos os seres e especialmente para o homem e a sociedade, teria o desprezível “ab alio” o poder de rechaçá-las a seu capricho, dizendo: “Eu sou livre!”, que pretensão! Que absurda esta rebelião do liberalismo! Vede como é importante possuir uma sã filosofia e ter assim um conhecimento profundo da ordem natural, individual, social e política. Para isto    oensinamento de Santo Tomás de Aquino é insubstituível. Leão XIII os citou em sua encíclica “Aeterni Patris” de 4 de agosto de 1879:

“Some-se a isto que o Doutor Angélico procurou as conclusões filosóficas na razão e princípio das coisas, princípios estes que se estendem amplamente e encerram em seu interior as sementes de inúmeras verdades que dariam abundantes frutos com os mestres posteriores. Tendo empregado este método de filosofia, conseguiu vencer os erros dos tempos passados e fornecer armas invencíveis para refutar os erros que sempre haviam de se renovar nos séculos futuros”.

Leão XIII quer que se aplique o remédio da filosofia tomista, especialmente aos erros modernos do liberalismo:

“As sociedades civil e doméstica que se acham em grave perigo, como todos sabemos, por causa das pestes dominantes de opiniões perversas, viveriam certamente mais tranqüilas e mais seguras se nas universidades e escolas se ensinasse uma doutrina mais sã e mais de acordo com o magistério e o ensinamento da Igreja, tal como contém as obras de Santo Tomás de Aquino. Tudo o que nos ensina Santo Tomás sobre a verdadeira noção de liberdade, que hoje degenera em licença, sobre a origem divina de toda autoridade, as leis e seu poder, o paternal e justo governo dos soberanos, a obediência devida aos poderes superiores, sobre a mútua caridade que deve reinar entre todos; todas estas coisas e outras do mesmo teor, são ensinadas por Santo Tomás e têm uma grande robustez e invencibilidade  para  deitar  por  terra  todos  os  princípios do novo direito, que como todos sabem são um perigo para a boa ordem das coisas e o bem estar público”. 

A Sã Teologia, também a de São Tomás

Além da sabedoria natural que é a sã filosofia, aquele que se queira preservar do liberalismo deverá conhecer a sabedoria sobrenatural, a teologia. Sabemos que a “teologia de Santo Tomás” é recomendada, entre todas, pela Igreja para se adquirir uma ciência profunda da ordem sobrenatural. Os Padres do Concílio de Trento quiseram que a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino fosse colocada aberta bem no centro da Santa Assembléia, juntamente com o livro das Divinas Escrituras e os Decretos dos Supremos Pontífices, para extrair dela conselhos, razões, juízos[263]. Seguindo Santo Tomás, o Concílio de Trento dissipou as primeiras nuvens do naturalismo nascente.

Quem melhor do que Santo Tomás, mostrou que a ordem sobrenatural ultrapassa infinitamente as capacidades e as exigências da ordem natural? Ele nos mostra como Nosso Senhor por meio de seu sacrifício redentor, pela aplicação de seus méritos, elevou a natureza dos resgatados pela graça santificante, pelo batismo, pelos outros sacramentos, pelo Santo Sacrifício da Missa.  Conhecendo bem esta teologia, aumentaremos em nós o “espírito de fé”, ou seja a fé e as atitudes que correspondem a uma vida de fé.

Quando se tem uma verdadeira fé, têm-se gestos que dela resultam no culto divino. É exatamente o que reprovamos em toda a   reforma litúrgica: impõem atitudes que já não são atitudes de fé, impõem um culto naturalista e humanista. Temem fazer genuflexões, não querem manifestar a adoração que é devida a Deus, reduzem o sagrado ao profano. Os que têm contato com a nova liturgia, sentem: dá a impressão de achatamento, que não eleva, que nela já não se encontram os mistérios.

É igualmente a sã teologia que fortificará em nós esta convicção de fé: Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus e a divindade de Nosso Senhor é a verdade central de nossa fé. Portanto serviremos a Nosso Senhor como Deus e não como um simples homem. Sem dúvida por sua humanidade Ele nos santificou, pela Graça Santificante que enche sua Santa Alma; isto determina o respeito infinito que devemos ter por sua Santa Humanidade. Mas atualmente o perigo é fazer de Nosso Senhor um simples homem, um homem extraordinário certamente, um super-homem, mas não o Filho de Deus. Pelo contrário, se é verdadeiramente Deus como a fé nos ensina, então tudo muda pois sendo assim Ele é Senhor de todas as coisas e tudo resulta de sua divindade. Assim todos os atributos que a teologia nos faz conhecer de Deus: sua onipotência, sua onipresença, sua causalidade permanente e suprema relativamente a todas as coisas a tudo o que existe já que Ele é a origem de todos os seres, tudo isto se aplica a Nosso Senhor Jesus Cristo. Tem portanto todo o poder sobre todas as coisas, por sua própria natureza é Rei, rei do universo e nenhuma criatura, indivíduo ou sociedade pode escapar a sua soberania, sua soberania de poder e sua soberania da Graça:

“… pois por Ele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra…todas as coisas foram criadas por Ele mesmo e em atenção a Ele mesmo… todas subsistem por Ele… pode (o  Pai) reconciliar por Ele todas as coisas consigo, restabelecendo a paz entre o céu e a terra, por meio do sangue que derramou na cruz” (Cor 1, 16-21).

Desta primeira verdade de fé, a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, segue-se a segunda: sua Realeza, e especialmente sua Realeza sobre as sociedades, a obediência que devem ter as sociedades à Vontade de Jesus Cristo, a submissão que devem ter às leis civis com respeito à lei de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda mais, Nosso Senhor Jesus Cristo quer que as almas se salvem, indiretamente sem dúvida, mas eficazmente por uma sociedade civil cristã, plenamente submetida ao Evangelho e que se cumpra seu desígnio redentor, que seja o instrumento temporal dele. Então o que será mais justo e necessário do que as leis civis se submeterem às leis de Jesus Cristo e aprovarem a aplicação de penas aos transgressores de suas leis no domínio público e social? Precisamente a liberdade religiosa dos maçons e do Vaticano II quer suprimir estas penalidades. Isto constituiu a ruína da ordem social cristã! O que quer Nosso Senhor senão que seu sacrifício redentor vivifique a sociedade civil? O que é a civilização cristã, o que é a cristandade senão a encarnação da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo na vida de toda uma sociedade? Eis aqui o que se chama o Reino Social de Nosso Senhor, a verdade que devemos propagar  hoje com a maior força possível, frente ao liberalismo.

A segunda conseqüência da divindade de Jesus Cristo, é que sua Redenção não é facultativa para obter a vida eterna. É o Caminho, a Verdade e a Vida! É a porta: “… Eu sou a porta das ovelhas. Até agora, os que vieram são ladrões e salteadores e assim as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta, quem por Mim entrar se salvará; entrará e sairá e encontrará pastos” (S. João, 10, 7-9).

Ele é a única via de salvação para todos os homens:

“… fora dEle, não adianta procurar salvação em nenhum outro. Pois não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu, pelo qual possamos nos salvar” (At 4,12).

É a verdade que deve ser hoje mais reafirmada, para fazer frente ao falso ecumenismo de essência liberal, que assegura haver valores de salvação em todas as religiões e procura desenvolvê-los. Se isto fosse verdade, para que os missionários? Precisamente porque não há salvação em nenhum outro culto que não seja Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja está animada com o espírito missionário, o espírito  de conquista que é o próprio espírito da fé. 

O Direito

Além da filosofia e da teologia, há necessidade de uma terceira ciência para traduzir as grandes verdades da ordem natural e sobrenatural em regras jurídicas. Com efeito o liberalismo, mesmo em suas formas mais moderadas, proclama os direitos do homem sem Deus. Como conseqüência para o jurista católico é  indispensável basear nos deveres para com Deus e nos direitos de Deus, os direitos dos homens que vivem em sociedade. Repete-se   a mesma verdade, ou seja, que o direito positivo, o direito civil,  deve- se basear no direito natural. O Papa Pio XII insistiu neste   princípio, contra o erro do positivismo jurídico, que faz da vontade arbitrária  do homem a fonte do direito.

Existe também o direito sobrenatural; os direitos de Jesus Cristo e de sua Igreja, os direitos das almas resgatadas pelo sangue de Jesus Cristo. Estes direitos da Igreja e das almas cristãs em relação ao Estado formam o que chamamos de direito público da Igreja. Esta ciência foi praticamente aniquilada pela Declaração Conciliar sobre  a liberdade religiosa, tal como tratei de mostrar[264]. É portanto  urgente ensinar novamente o direito público da Igreja que estabelece os grandes princípios que regem as relações entre a Igreja e o Estado[265]. Sobre este assunto, recomendo especialmente a leitura das “Institutiones Júris Publici Ecclesiastici”, do Cardeal Ottaviani e da obra “Ecclesia et Status, Fontes Selecti”, de Giovanni Lo Grasso  S.J.; particularmente esta última reúne os documentos dos séculos  IV a XX, desconhecidos e deliberadamente esquecidos pelos liberais.

Finalmente não esqueçamos a “História Eclesiástica”, fonte inesgotável do direito da Igreja. A atitude dos primeiros imperadores cristãos, ao colocar a espada temporal a serviço do poder da Igreja  no século IV, atitude sempre elogiada pela Igreja; como também a valente resistência dos papas e dos bispos frente aos príncipes que usurpavam o poder espiritual com o passar dos tempos, constituem a realização prática do dogma e representam a mais radical refutação a todos os liberalismos, tanto os dos revolucionários perseguidores da Igreja, como aqueles muito mais pérfidos, dos perseguidores chamados católicos.

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre – Fonte: Dominus Est

263 Leão XIII, “Aeterni Patris”.

264 Ver capítulo XXVIII.

265 Ver capítulo XIII.

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