Senhor Deus onipotente, Criador e Salvador meu, como me atrevi a aproximar-me de Vós, sendo tão vil, tão imunda e abominável criatura? Vós, Senhor, Sois o Rei dos reis; sois a suma de todos os bens, sois toda a honestidade, toda a formosura, toda a amabilidade e suavidade; sois fonte de resplendor, fonte de melodia e doçura de amor e entranhada caridade. E sendo quem Sois, buscais-me e eu fujo de Vós; ocupais-Vos de mim, e eu não me ocupo de Vós; amparais-me sempre, e eu Vos ofendo; fazeis-me infinitas mercês, e eu desprezo-as; finalmente, amais-me a mim que sou vaidade e nada, e eu não faço caso de Vós, que sois o bem infinito e imutável! A Vós anteponho, benigníssimo Jesus, o que há de mais abjeto e asqueroso; move-me mais a criatura que o Criador; mais a vaidade que, a eternidade, mais a detestável miséria que a suma felicidade, mais a amargura que a suavidade, a escravidão que a liberdade. E sendo verdade que valem mais as feridas do amigo do que o enganoso ósculo do inimigo, sou de tal condição, que prefiro as enganosas feridas de quem me aborrece aos doces ósculos de quem me ama. Não Vos recordeis, porém, Senhor, dos meus pecados, nem dos de meus pais, mas sim das entranhas da Vossa misericórdia, e da cruciante dor de Vossas feridas. Não atendais ao que eu pratiquei contra Vós, mas ao que fizestes por amor de mim; porque, se eu fiz coisas por onde me devíeis condenar, Vós fizestes por onde me podeis salvar.
Se assim me amais, Senhor, por que me desamparais? Por que Vos alongais tanto de mim? Ó amantíssimo Senhor, prendei-me com o Vosso temor, apertai-me com o Vosso amor, e sossegai-me com a Vossa doçura. Confesso, Senhor, que sou aquele filho pródigo que, vivendo dissolutamente e amando-me a mim e às criaturas mais do que devera, desperdicei toda a herança que me destes; e reconhecendo, agora, a minha pobreza e miséria, e apertado pela fome, volto à paterna mansão da Vossa misericórdia; agora, que me aproximei da mesa celestial do Vosso preciosíssimo Corpo, dignai-Vos olhar-me com olhos de piedade, sair a receber-me com os secretos eflúvios da Vossa graça, estender sobre mim os braços da Vossa inefável caridade e dar-me o suavíssimo ósculo de paz. Conheço, Pai meu, que pequei contra o céu e contra Vós, e não mereço ser chamado filho Vosso, nem sequer Vosso servo; mas, apesar de tudo isso, tende misericórdia de mim e perdoai-me os meus pecados, para serdes justificado em Vossas promessas, e vencedor, quando fordes julgado pelos que não Vos conhecem. Suplico-Vos, mandeis me seja dado o vestido da caridade, o anel da fé, e o calçado da esperança, com o qual eu possa andar pelo escabroso caminho desta vida. Para longe de mim todos os vãos pensamentos e desejos, porque só Deus é o meu amado, o meu querido, o meu tudo. Nenhuma coisa, pois, me agrade, nenhuma me atraia, nenhuma me deleite, senão Ele; seja Ele todo meu e eu todo dEle; de modo que o meu coração seja uma mesma coisa com Ele.
Magnificat, Devocionário para uso comum e particular dos fiéis no convento e no século – Pe João Batista Lehmann, 1942.
Última atualização do artigo em 17 de março de 2025 por Arsenal Católico