Respeito à Propriedade
A justiça é uma das virtudes de mais vasto âmbito. Estudamo-la através de todo o Decálogo. Dela decorrem as obrigações para com Deus, estudadas nos três primeiros Mandamentos. Nela se baseiam os deveres dos filhos e pais, dos governantes e governados, dos patrões e operários, bem como as próprias relações que garantem a estabilidade social. O respeito à vida e à honra é uma imposição da justiça.
O direito de propriedade impõe o respeito aos bens alheios, ao mesmo passo que defende os nossos. É o que se estuda no 7º e no 10º Mandamentos.
Os bens materiais
1. Criou Deus todas as coisas da terra para as exigências e utilidades do homem, a quem confiou tudo (Gn. 2, 29-30). De tudo pode o homem usar para atender às necessidades do corpo e da alma, já para garantir a manutenção da própria vida ou dos que dele dependem, já para aumentar o seu bem-estar e do próximo.
2. Foi Deus mesmo que nos deu esta atração dos bens materiais, que corresponde a finalidades naturais indispensáveis. Coisa boa em si, realiza os desígnios de Deus, se nos conservamos dentro dos justos limites. Legítimos proprietários, temos o direito de usar dos nossos bens conforme a razão. Como não somos senhores absolutos, somos obrigados a usar de tudo, de acordo com a vontade de Deus, que nos pedirá contas.
Meios legítimos
1. O homem tem obrigação de trabalhar, Desde a criação, mesmo antes do pecado original, era assim.
“Tomou, pois, Deus o homem e o colocou no paraíso de delícias, para que o cultivasse e guardasse” (Gn. 2, 15). “O homem nasce para trabalhar como a ave para voar” (Jó 5, 7). “Se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2 Ts. 3, 10).
2. Deus não proíbe as riquezas, desde que sua aquisição seja legítima e o seu uso, bom. O servo que tinha cinco talentos e com eles ganhou cinco, foi louvado (Mt. 25, 20-21).
3. Se é permitido aumentar os bens materiais, é permitido também desejá-los, desde que o desejo tenha em vista não os próprios bens (isto seria avareza), nem fins subalternos (prazeres, honras), mas os fins superiores (utilidade própria ou alheia).
4. O modo de usar dos bens materiais concorre para os eu legítimo aumento.
Um bem-estar proporcionado à condição social, sem luxo; uma vida folgada, mas simples; a fartura se desperdício; a procura de bens mais elevados (cultura, boa educação dos filhos); o auxílio aos pobres e às obras sociais, etc., são modos legítimos de uso, que, ao mesmo tempo, asseguram a boa posse e o crescimento.
Propriedade
1. O home é o senhor dos bens que legitimamente adquire.
2. Sem o direito de propriedade não teriam sentido estes dois Mandamentos. O próprio Deus o reconhece e manda respeitar com estas duas proibições. Só há furto, se há propriedade.
3. Isto significa a condenação das doutrinas que negam o direito de possuir, como o socialismo e o comunismo. O Estado é obrigado a respeitar a propriedade, podendo, quando necessário, desapropriar, em vista de benefícios coletivos, bens particulares, sem prejuízo para os donos.
4. Certas aquisições demasiadas se tornam nocivas ao bem social. O Estado pode então regular, por suas leis, a vida econômica, a fim de permitir uma melhor distribuição de bens, evitando que imensas fortunas se acumulem em poucas mãos, lançando as massas proletárias na miséria.
O capitalismo gera quase sempre o pauperismo.
Violações injustas
1. Saindo dos fins a que Deus destinou os bens terrenos, facilmente o homem é levado a violar alheios direitos.
Assim, procurando a riqueza por si mesma e o dinheiro por todos os meios lícitos ou ilícitos, cai na cobiça, raiz de tantos pecados contra a justiça.
2. Também por negação ao trabalho se pode cair nesses pecados.
Assim, o preguiçoso recorre a meios ilícitos de adquirir o necessário à vida.
3. O perdulário, gastando acima das necessidades e das posses, passa do desbarato dos próprios bens ao dos alheios, acrescentando crime sobre crime.
4. O mundo atual, cm a civilização materialista, dando ao dinheiro uma influência desmedida, ativa os homens sem consciência e formação moral à fome insaciável das riquezas, no desejo de exercerem domínio político ou adquirirem as altas posições sociais. É a plutocracia responsável também por muitos pecados contra a justiça.
Furto
1. Furtar é tirar o alheio contra a vontade razoável do dono. Quando a vontade não fosse razoável, não haveria furto, porque a aproximação não seria injusta. Como num caso de extrema necessidade, em que o dono se recusasse a dar: a recusa é que seria injusta, e a apropriação, razoável.
2. Feito com violência ou ameaça, toma nova gravidade e se chama roubo. Foi o crime de Achab, lapidando a Nabot, para se apropriar de sua vinha (3 Rg. 21, 14).
3. Chama-se fraude, quando se ilaqueia a boa fé.
É o caso do comerciante que falsifica o peso, a medida, a qualidade da mercadoria, ou disfarça os defeitos ou cobra preços excessivos.
4. A usura é permitida dentrod os justos limites (legais), tornando-se pecaminosa ao excedê-los.
5. Sacrilégio é o furto de objetos sagrados ou bens pertencentes à Igreja. Tem como agravante a circunstância de violar, além da justiça, a virtude da religião. (Ver o castigo de Heliodoro por querer violar o tesouro do templo). (2 Mac. capítulo 3).
Detenção injusta
É quando se retém o alheio, contra a vontade razoável do dono. Difere do furto apenas no modo de posse.
É injusto detentor:
a) quem não quer devolver um objeto emprestado ou entregue a seu cuidado e guarda;
b) quem retém um objeto achado sem procurar o dono por meios razoáveis e suficiente;
c) quem não entrega ao devido fim o que recebeu para aquele fim;
d) quem se aproveita de um engano nas contas ou contrai dívidas sem poder pagar;
e) quem paga mal, ou demora o pagamento dos salários.
Gravidade do pecado
1. Entre os pecados graves São Paulo inclui o furto: “Nem os ladrões, nem os avarentos… nem os roubadores possuirão o reino de Deus” (1 Cor. 6, 9-10). Nosso Senhor disse que os furtos, as fraudes e avarezas contaminam o homem (Mc. 7, 22-23), e repete textualmente preceito antigo (Mt. 19, 18).
2. Mas nem todo pecado de furto é grave. A culpa se pode medir:
a) pelo prejuízo em si:
A segurança social exige que seja matéria grave uma quantia avultada, mesmo que nenhum falta faça ao dono. Pecaria mortalmente quem furtasse 100,00 a um arquimilionário.
b) pela pessoa prejudicada:
A quantia, ainda pequena, causando prejuízo, grave, é matéria grave.
3. É reputado grave o necessário para a pessoa viver um dia, segundo a sua condição. Mas qualquer violação dos bens alheios é pecado, sendo venial, se a matéria é leve.
4. Nas outras matérias, muitos pecados veniais não farão nunca um pecado mortal. Aqui, porém, muitos furtos pequenos que, em si, são pecados veniais, podem tornar-se pecado mortal, por causa do grave dano que afinal sofre a pessoa prejudicada. E isto acontece mesmo que os furtos sejam contra pessoas diferentes, pela injúria que se faz à sociedade.
Reparação da injustiça
1. Quem comete uma injustiça fica obrigado a repará-la. Se se tratar de matéria grave, a restituição é absolutamente necessária para a salvação, se não de fato (por impossibilidade), ao menos por desejo. A razão é que sem a restituição não cessa a violação do direito.
2. A restituição obriga gravemente, em matéria grave, e levemente, em matéria leve.
3. Quando não é possível reparar toda a injustiça, subsiste a obrigação de reparar parcialmente, na medida da possibilidade, com a intenção de reparar totalmente, logo que puder.
4. Como “sem reparação não há perdão”, não pode ser absolvido quem não quiser restituir.
Quem deve restituir
Está obrigado à restituição:
a) quem retém bens alheios;
b) quem causou danos injustos;
c) quem cooperou na injustiça.
os princípios que regem a matéria são:
1º – Só o dono de uma coisa tem o direito de possuí-la, e não perde este direito, mesmo que a coisa vá para outras mãos.
2º – A coisa clama pelo dono, isto é: o dono tem direito de recuperar o próprio bem, onde quer que este se encontre.
3º – A coisa frutifica para o dono: o uso e o gozo estão incluídos na idéia de um domínio perfeito.
4º – A coisa perece para o dono; o domínio é sobre o valor da coisa; de modo que, se fica um equivalente, o domínio permanece; mas se a coisa pereceu, foi para o dono que pereceu.
A quem restituir
a) Ao dono certo e conhecido.
b) Ao possuidor, mesmo que a coisa não lhe pertença.
c) Aos herdeiros do dono.
d) Se o dono é desconhecido ou não pode ser encontrado, então há dois casos: 1) se o possuidor é de boa fé, pode continuar com a coisa como sua; 2) se de má fé, de modo algum pode retê-la, mas a deve empregar em obras pias ou de utilidade pública.
Como restituir
Basta que se repare a injustiça indenizando o dono; para isso, não é preciso que o dono saiba que é restituição, nem quem a faz, nem que seja feita pelo devedor em pessoa. Pode-se mandar por terceiro, ou pelo correio, ou até em forma de presente.
Quando restituir
Deve-se restituir quanto antes se possa sem grave incômodo.
Por isso:
1. Permanece em pecado quem adia, sem causa, a restituição;
2. Quem quer restituir aos poucos, se o pode fazer inteiramente;
3. Quem quer deixar a restituição em obras pias no testamento.
Quem não pode restituir tudo, restitui o que pode.
Causas escusantes
Toda obrigação é limitada às possibilidades do sujeito. Para a restituição há causas que adiam, e que eliminam a obrigação.
Adiam:
1) impotência física: quem nada tem ou tem o estritamente necessário a si e aos seus;
2) impotência moral: se a restituição não se faz sem grave incômodo, se o devedor decai de seu estado justamente adquirido ou se vai cair na miséria por isso.
Eliminam:
1) o livre perdão do credor;
2) a compensação, quando o credor se pagou com suas mãos dos bens do devedor;
3) a prescrição, que só é possível na posse de boa fé.
Para viver a doutrina
Não está nas criaturas a nossa felicidade. Nem temos neste mundo a nossa morada permanente (Hb. 13, 14). É sabedoria usarmos dos bens criados sem perdermos os eternos. (Ver coleta da Missa do 8º domingo do Pentecostes). O conselho de São Paulo é que usemos do mundo, como se não usássemos.
2. Decerto, precisamos dos bens materiais. E é permitido querermos uma certa abundância que nos facilite a vida. Mas procuremos isto sempre por meio da mais absoluta honestidade. Nada que não nos pertença. Nada por meios pouco lícitos. Tudo com a maior limpeza de mãos, com a mais absoluta pureza de consciência.
3. Acostumando-nos a possuir somente o que adquirimos legitimamente, fujamos a toda sorte de pequenas desonestidades mesmo que a outros pareçam de pouca monta. Respeito absoluto aos bens alheios, mesmo que sejam de casa.
Começa-se tirando dinheiro do papai, e vai-se aumentando. A consciência não sente tanto porque já está acostumada a pequenos furtos… A resistência moral, diminuída, faz concessões criminosas. nunca se chega ao abismo de uma vez; é aos poucos, começando-se por coisas que sempre se pensa serem sem valor.
4. Precisamos educar o nosso senso de honestidade. Tudo o que é do próximo merece o nosso respeito. Os livros emprestados, os móveis do colégio, as frutas dos vizinhos, tudo enfim deve ser tratado com o máximo cuidado.
5. A honestidade é indivisível: ou a temos toda ou não a temos. Nas pequenas coisas faltaríamos à honestidade como nas grandes. Nos bens particulares como nos públicos.
É erradíssimo pensar que se pode furtar do governo. Pessoas honestíssimas em coisas particulares são, às vezes, muito desonestas em coisas públicas. não se pejam de lançar mãos de dinheiros alheios, ou bens, porque são “do governo”. A honestidade é uma só, e está sendo desrespeitada.
O homem honesto, o bom cristão não faz estas distinções. A honestidade, como a consciência, e indivisível.
6. Contribui muito para a honestidade vivermos uma vida simples e sóbria. Nada de luxo e excessos. Nada de ostentação. Quem vive com simplicidade e não tem ambições, facilmente pratica a honestidade.
7. O cuidado do futuro nos obriga a sermos previdentes. A economia é a base da prosperidade, diz o rifão. Não gastar sem necessidade. Não desperdiçar. Reservar sempre alguma coisa para os imprevistos de amanhã. Isto não quer dizer avareza, nem desconfiança da Providência. É prudência.
8. Desde agora nos acostumemos a fazer bom uso dos bens materiais. Do que nos dão os nossos pais reservemos sempre alguma coisa para as boas obras, tanto esmolas aos pobres, como auxílio às obras de feição espiritual (Missões, vocações sacerdotais, Catecismo, óbolo de São Pedro, etc.).
O Caminho da Vida, Moral Cristã, para a 4ª Série Ginasial, Padre Álvaro Negromonte, 12ª Edição, 1954.
Última atualização do artigo em 16 de março de 2025 por Arsenal Católico