São João Evangelista (100)
O Apóstolo S. João Evangelista, irmão de S. Tiago, filho de Zebedeu e Salomé, nasceu em Bethsaida, cidade de Galileia. Jesus Cristo chamou-o e ao irmão, quando, com este e o pai, estava concertando redes, na praia do lago Genezareth. João, sem mais de longas, deixou o pai e tudo que possuía, para, em companhia do irmão, associar-se ao Divino Mestre. Entre os Apóstolos era João o mais moço, e era ele, a quem Jesus Cristo mais amava. Em mais de um lugar do Santo Evangelho lemos a expressão: “o discípulo a quem Jesus amava”; esse discípulo era João. O motivo por que o divino mestre o distinguia com sua amizade era, segundo a opinião unanime dos Santos Padres, a pureza virginal e a inocência do coração, que guardava como joia preciosíssima. “Cristo tinha-lhe mais amor do que aos outros Apóstolos, por causa de sua pureza”, escreve S. Tomás de Aquino. Alberto Magno diz: “João foi mais amado, porque mais que os outros tinha amor a Jesus”. É esta também a razão, – afirma Santo Ambrósio, – por que Deus lhe fez maiores revelações do que aos outros Apóstolos, e lhe deu um conhecimento mais profundo dos mistérios divinos.
S. João era um dos Apóstolos a que Jesus Cristo se comunicava mais intimamente. Com Pedro e Tiago, era admitido em ocasiões especiais, em que aos outros Apóstolos não era dado acesso. João foi testemunha da cura da sogra de Pedro, assistiu à ressurreição da filha de Jairo, viu Jesus Cristo na gloriosa transfiguração no monte Tabor, como na grande humilhação no horto das Oliveiras.
Quem não vê em tudo isto uma preferência da parte do Divino Mestre? Esta distinção S. João partilhava com S. Pedro e S. Tiago. Mas a da última ceia foi particularmente sua, pois teve a felicidade de poder descansar a cabeça sobre o peito de Jesus. A nenhum outro Nosso Senhor entregou sua Mãe; e ninguém como S. João, pôde chamar Maria Santíssima de mãe. Dos Apóstolos foi o único, que acompanhou o divino amigo até ao Calvário e lhe assistiu as horas de agonia. Recompensando-lhe esta fidelidade, o Divino Mestre agonizante recomendou-o à querida Mãe, dizendo-lhe: “Eis teu filho”, e confiou-a a João, com as palavras: “Eis tua Mãe”. Jesus, amador da castidade, não quis entregar a Santa Mãe, a Virgem Imaculada, a outro a não ser ao Apóstolo cuja pureza era incontestável. Graça maior, sinal mais evidente de amor, João não poderia esperar do Divino Mestre. O que de mais caro possuía, sua Mãe, entregou-a aos seus cuidados. Apresentando-o à Mãe SS. como filho, fez-se lhe irmão. É possível imaginar-se uma amizade mais profunda?
Grande deve ter sido a dor que enchia o coração do discípulo, ao ver o Mestre e Amigo sofrer tanto. S. Crisóstomo não hesita em atribuir-lhe os predicados de um mártir, que sofreu muitos martírios.
Depois da morte e do enterro de Jesus Cristo, S. João voltou com Maria Santíssima, então sua querida mãe, para Jerusalém, onde com grande ânsia esperou pela Ressurreição do adorado Mestre. Jesus dignou-se de aparecer-lhe, como também apareceu aos demais Apóstolos, e não devemos ver exagero injustificado da parte daqueles que pretendem ter-lhe dado Nosso Senhor outras provas de distinção e carinho.
Com Maria Santíssima e os outros Apóstolos, assistiu à gloriosa Ascenção de Jesus Cristo e como eles, recebeu o Espírito Santo no dia de Pentecostes.
Quando, pouco depois daquele memorável dia, João e Pedro curaram um paralítico na entrada do templo e, aproveitando a ocasião, falaram à multidão de Jesus Cristo, que era Deus e o verdadeiro Messias, os sacerdotes e os zeladores do templo ordenaram-lhe prisão. – No dia seguinte se reuniram em conselho os sacerdotes, mandaram trazer à sua presença os dois Apóstolos e perguntaram, em nome e em poder de quem tinham dado a saúde aquele homem. Disseram-lhes eles, que haviam operado em nome de Jesus Cristo. Os sacerdotes tiveram receio de aplicar-lhes novos castigos e soltaram-nos, proibindo-lhes terminantemente falar de Jesus Cristo. Pedro e João, porém, responderam resolutamente: “Julgai vós mesmos, se é justo diante de Deus, obedecer antes a vós, que a Deus. Nós não podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido.” (Act. 4).
S. João ficou ainda algum tempo em Jerusalém e trabalhou, como os demais Apóstolos, na conversão dos Judeus. Mais tarde o vemos na Ásia Menor, onde desenvolveu uma atividade apostólica admirável. O dom de operar milagres, deu-lhe à pregação uma eficácia admirável. Milhares converteram-se ao Cristianismo, como prova o grande número de sedes episcopais erigidas em quase todas as cidades da Ásia Menor, naquele tempo mais importantes ainda do que hoje.
Em certa ocasião se encontrou com o herege Cerintho. Querendo usar de um banho e sabendo que o mesmo estava ocupado por Cerintho, disse aos companheiros: “Vamo-nos embora, meus irmãos e desistamos do banho, que só nos poderia fazer mal, depois de ter servido a Cerintho, ao inimigo da verdade.”
Ainda para outros países o Apóstolo se dirigiu e com grande fruto pregou o Evangelho de Jesus Cristo. O Imperador Domiciano, sucessor de Nero, e como este, cruel perseguidor dos cristãos, teve notícia da operosidade de S. João e deu ordem para que fosse preso e levado para Roma. O Apóstolo foi intimado a prestar homenagem aos deuses. Negando-se a isto, foi barbaramente açoitado e por ordem do Imperador atirado a uma caldeira cheia de azeite fervente. O Apóstolo persignou-se, do que resultou não lhe causar o azeite em ebulição o menor tormento. S. João tomou daí ensejo de pregar à multidão, que curiosa assistia aquela cena. Domiciano, vendo-se impotente diante de um poder sobrenatural, que lhe frustrava os planos, mandou tirar a João da caldeira e ordenou-lhe o exílio para a ilha de Pathmos, onde, com outros cristãos, devia trabalhar nas minas.
O Apóstolo, que contava já noventa anos, entregou-se confiadamente à divina Providência, quando se dirigia ao lugar do exílio.
Na ilha de Pathmos S. João teve visões admiráveis, que por ordem de Deus documentou no livro do Apocalipse, o último no catálogo dos livros sagrados da Bíblia. O Apocalipse, segundo uma expressão de S. Jerônimo, contém tantos mistérios quantas palavras.
O exílio do grande Apóstolo não foi de longa duração. Morreu o Imperador Domiciano e aos cristãos foi permitido voltarem para seus lares. João voltou para Éfeso, onde ficou até à morte. Sobreviveu a todos os Apóstolos e alcançou a idade de cem anos. Tinha um modo de viver, como o de S. Tiago, áustero e mortificado. Não comia carne e usava só uma roupa de linho. Rigoroso para consigo, era todo caridade e mansidão para com os outros, como prova o seguinte caso relatado por Clemente de Alexandria e Euzébio, o historiador. Em suas viagens o Apóstolo tinha descoberto entre os ouvintes um jovem dotado de belos talentos e de boa índole. Como não pudesse demorar-se naquele lugar, recomendou-o ao bispo. O jovem, porém, perverteu-se e tornou-se o chefe de uma quadrilha de ladrões.
De volta para o mesmo sítio, João pediu informações sobre aquele moço e, bem a seu pesar, ouviu o que lhe acontecera. O Apóstolo montou a cavalo e foi à procura da ovelha desgarrada. Caiu em poder dos ladrões, que a seu pedido o apresentaram ao chefe. Este, ao ver a veneranda pessoa de S. João, assustou-se e fugiu. João, porém, seguiu lhe no encalço e alcançou-o. ”Porque foges de mim? – disse-lhe. Tem pena de mim. Não temas; ainda te resta a esperança da vida; responderei por ti perante Jesus Cristo. Se for necessário, de boa vontade sofrerei a morte por ti, como Nosso Senhor por nós a sofreu. Estou pronto a dar minha alma pela tua. Volta, meu filho! Crê no que te digo: Cristo mandou-me atrás de ti.” O jovem converteu-se e fez penitência.
Alquebrado pela idade e pelos trabalhos de uma exaustiva vida missionária, S. João já não andava e preciso era que os discípulos o levassem para a igreja. Nas exortações repetia muitas vezes as palavras: “Filhinhos, amai-vos uns aos outros.” A insistência sempre na mesma coisa começava a enfastiar os amigos, a ponto de um deles ousar perguntar-lhe: “Mestre, porque repetes sempre as mesmas palavras?” São João respondeu-lhe: “Porque é o mandamento do Senhor; se o observardes, tudo está bem.” Queria com isto dizer: “Quem ama ao próximo, ama a Deus e tem segura a salvação, porque a caridade cumpre toda a lei.”
São João contava cem anos, quando Jesus Cristo o chamou para Junto de si. Além do livro do Apocalipse, existem da pena de São João três Epístolas e um Evangelho. No seu Evangelho procura São João provar a divindade de Jesus Cristo contra umas heresias, que pretendiam o contrário, como a heresia de Cerintho, dos Ebionitas e dos Nicolaitas. Nas epístolas recomenda o amor de Deus e do próximo, bem como a fuga da companhia dos hereges. De tudo o que ensinava, era o santo Apóstolo o primeiro e mais fiel observador.
REFLEXÕES
“Filhinhos, amai-vos uns aos outros”, era a exortação constante por S. João dada aos discípulos. Nas epístolas é sempre a caridade que aos fiéis recomenda. Ensinamento de S. João também é este: que o cristão deve ser caridoso, não só de língua e em palavras, mas por obra e em verdade. O amor de Deus manifesta-se pela observação dos mandamentos. “É este o amor de Deus, que lhe observemos os mandamentos.” (I Jo. 5. 3.) Quem não os quer observar, não ama a Deus verdadeiramente. O amor ao próximo está em nós, quando observamos as palavras de Cristo, que diz: “Tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles.” (Math. 7.2.) Sabei que para alcançar a vida eterna, o amor a Deus e ao próximo são indispensáveis. “Ninguém se iluda, pensando que por meio de jejum, de oração e pela prática de outras virtudes, chegue a salvar a alma, se não tiver amor sincero a Deus e ao próximo.” (S. Cyrillo de Alexandria).
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.
Última atualização do artigo em 28 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico