JESUS CRISTO – Vem, meu filho, não fujas de mim.
Olha o estrago que os teus pecados fizeram em meu corpo, considera a pena e amargura que a tua ingratidão e desamor causaram na minha alma.
Vês o sangue que em fio está correndo da minha cabeça? São os teus maus pensamentos consentidos que me o tiram por meio dessa dolorosíssima coroa de espinhos! Oh! quanto me atormentam!
Contempla o meu rosto desfigurado pelo pó, suor e sangue, e pelas imundas salivas de meus verdugos! Reconheces a tua obra? Lembra-te que ao pecar me insultaste, me ofendeste em minha presença, vendo-te eu e podendo-te arrojar imediatamente aos infernos como aos anjos rebeldes.
A sede que me devora, a amargura do fel que me atormenta, são castigos que sofro pela tua imortificação, e pelo demasiado regalo com que te tratas na comida e na bebida.
Contempla, ó filho querido, estes meus ombros tão oprimidos pelo peso da Cruz, para satisfazer pelas queixas, murmurações e impaciência com que recebes a Cruz que eu te envio, ou que, com minha permissão, te procuram os homens e te causam os elementos.
E estes braços estendidos, e estas mãos traspassadas e seguras com cravos, não te fazem lembrar do mau uso que tens feito dos meus dons, das riquezas, da saúde, das forças e até do entendimento, imaginação e sensibilidade de coração, ofendendo-me com eles?
Também os meus pés estão cravados, e fixos pelos muitos passos que tens dado para a tua perdição. Tinhas preguiça para ir à Missa, para ir ao templo ouvir a minha palavra pregada por meus ministros: não achavas tempo para visitar os meus doentes, e fazer outras obras de caridade e justiça: mas não tinhas preguiça para frequentares sítios e reuniões onde me ofendias a mim, escandalizavas o próximo, e amontoavas sobre a tua cabeça tesouros de ira, irritando a minha justiça.
Dize-me, filho meu, em que tens empregado o tempo? Ah! de que te valem para a eternidade, para o bem da tua alma, esse empenho com que tomas os negócios vãos e prejudiciais, esse afã por acumular riquezas, esse desmedido desejo de inventar e levar a efeito mil projetos, valendo-te de meios ilícitos, empobrecendo a muitos para te enriqueceres a ti, e humilhando a muitos para a ti te exaltares?
Filho querido, os teus deleites proibidos, o regalo com que tratas o teu corpo, a liberdade que dás a teus sentidos e paixões, quão caras me custam a mim que sou o teu Pai! Uma chaga é o meu corpo todo! Tu eras o que movias os braços dos meus verdugos para que descarregarem sobre meu inocente corpo os terríveis açoites que me puseram neste estado.
E a nudez em que me vejo, não te diz nada?
A vergonha porque passei ao ser despojado dos meus vestidos no Pretório e no Calvário não te recorda ofensas minhas e desonras tuas?
Meu filho, que te fiz eu para que me tratasses assim?
O PECADOR – Perdão, Senhor, pequei; tende misericórdia de mim. Nunca mais pecar, nunca mais ofender-Vos. Não digo, Senhor, que não me castigueis, pois o mereço: mas sim que o castigo seja de pai misericordioso e não de justo juiz. Apelo para a Vossa infinita misericórdia, para a Vossa bondade infinita. Perdão, Senhor; pequei, tende piedade de mim.
JESUS CRISTO – Meu filho, essas lágrimas desarmam a minha justiça, o teu arrependimento consola-me, o teu amor alivia minhas dores. Baixei do céu para remediar, fiz-me homem para poder remir-te e dar-te exemplo, padeci afrontas e tormentos, e sub à cruz para te abrir as portas do céu, e livrar-te da eterna perdição. O grande amor que te tenho, faz-me padecer voluntariamente.
Em paga deste amor, promete-me a emenda? Prometes não me tornar a ofender?
O PECADOR – Prometo, Senhor, mas temo a minha inconstância. Sou tão frágil! acho tantas dificuldades para praticar o bem! os meus inimigos são tão poderosos, e não dormem nunca! Seduz-me o mundo, afaga-me a carne, tenta-me o inimigo, arrasta-me o costume e o mau exemplo.
JESUS CRISTO – Bem o sei: porém, com a minha graça poderás vencer tudo.
Sou Todo Poderoso; e quero ostentar o poder da minha graça conseguindo que com ela triunfes de todos os teus inimigos. Quando apertar a tentação e te vires À beira do precipício, acode a mim põe-te a meus pés, que eu te salvarei.
Quando te assaltarem os temores da tua salvação, quando te achares desolado, com o entendimento cheio de trevas, com a vontade sem forças para o bem, com o coração rebelde para cumprir os meus mandamentos, vem à minha presença. Eu sou teu Deus, teu Senhor e teu Pai; sou o teu Mestre e te ensinarei; sou a tua fortaleza e te defenderei; sou médico da tua alma e te curarei as feridas do pecado, sou todo o teu bem.
O PECADOR – Deus meu! Ao lembrar-me dos meus muitos pecados encho-me de terror e de espanto. Tenho-Vos ofendido tanto… salvar-me-ei?
Vós sois o meu juiz, e tremo da Vossa justiça.
JESUS CRISTO – Sou Juiz é verdade; tenho presentes todas as tuas maldades, e de todas te hei de pedir estreita conta.
Leio todos os teus pensamentos, nem me escapa nenhum dos teus desejos. Nem a minha justiça é, como a dos homens, falaz, não se dobra por temor, nem se suborna com dádivas.
Porém, este sangue que vês correr das minhas veias, esta cruz, estes cravos, não te dão algum alento? Quem me pôs nesta cruz senão o amor que te tenho? Mil mundos pudera eu resgatar só com uma gota do meu sangue, ou com uma palpitação do meu coração.
Não temas, pecador, filho meu! Abertos tenho eu os braços para te receber, aberto o meu lado para te acolher em meu amante coração. Salvar-te-ás, não o duvides, se quiseres deixar te conduzir pela minha graça. Preparado está no céu um trono formosíssimo de glória para ti, onde reines com os meus Santos e Anjos, em companhia de minha Mãe, e Mãe tua, e na minha presença por toda a eternidade.
A meus pés chorou a Madalena, perdoei-lhe, salvou-se: pediu-me perdão o bom ladrão, e levei-o ao paraíso: regressou o pródigo arrependido, e acolhi-o em meus braços.
Dize-me, filho meu querido, agora que estás pesarosa da tua má vida passada, agora que contemplas a minha cruz e as minhas chagas, dize-me que opinião formas das dores, dos prazeres, do que dirão? dos teatros, das modas?…
O PECADOR – Ah! Deus meu! Quão diversos me parecem agora do que antes eram; quão digno de amor o que até agora aborreci, e quão digno de ódio o que até gora amei!
Oxalá nunca Vos tivesse ofendido! Como poderei eu agora reparar tanto mal?
JESUS CRISTO – O tempo perdido não volta, mas procura aproveitar o pouco que te fica. Aparta-te do mal; pratica o bem; sê constante com o auxílio da minha graça nos bons propósitos. Evita as ocasiões de pecar, lembrando-te da tua fragilidade e inclinação ao mal.
Visita-me frequentes vezes. Pede com uma confiança sem limites para ti, para teus pais, parentes, amigos e benfeitores, e não te esqueças que eu desde esta cruz roguei por meus inimigos, e roguei por ti.
Quando te sentires afligido, acolhe-te ao meu coração e verás como a consolação que dou aos justos e aos pecadores arrependidos é muito mais doce que a que o mundo promete em vão aos que o servem.
Tesouro da Paciência nas Chagas de Jesus Cristo ou Consolação da Alma Atribulada na Meditação das Penas do Salvador, Padre Theodoro de Almeida da Congregação do Oratório, 1902.