Ó Senhor, fazei-me compreender todo o valor das Vossas palavras: “Amarás o próximo como a ti mesmo” (Mt. 22, 39).
1 – Ao enunciar o preceito da caridade fraterna Jesus deu-nos a sua medida: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt. 22, 39). Esta medida, na verdade, é grande e dificilmente superável se tivermos em conta quanto o homem é levado a amar-se a si próprio. É tal o bem que cada um de nós quer à sua pessoa que a nossa caridade seria verdadeiramente magnânima se conseguíssemos amar de igual modo ao próximo, fosse ele quem fosse. Jesus disse: “O que quereis que vos façam os homens, fazei-o vós também a eles” (Lc. 6, 31); o que, na prática, significa tratar os outros como nos mesmos queremos ser tratados; usar, por exemplo, para com o próximo da mesma delicadeza de pensamentos, de palavras, de ações, que desejaríamos para nós; servir, contentar os outros, adaptarmo-nos aos seus gostos, como quereríamos ser servidos, contentados e satisfeitos. Infelizmente, o nosso amor próprio leva-nos a empregar duas medidas: uma grande, exageradamente grande, para nosso uso, e outra pequena, até avara, para o próximo. As atenções que os outros nos dispensam, parecem-nos sempre poucas, e quão facilmente nos queixamos de ser tratados sem delicadeza! No entanto estamos bem longe de a ter maior para com o próximo; apesar de sermos pouco atenciosos, parece-nos ter já feito muito. Somos sensíveis às ofensas que recebemos e, embora sejam realmente pequenas, parecem-nos insuportáveis, ao passo que julgamos uma ninharia as que com tanta sem-cerimônia infligimos aos outros. O maior inimigo da caridade fraterna é o amor próprio que nos torna muito sensíveis e exigentes em tudo quanto se refere a nós mesmos e muito pouco no que diz respeito aos outros. Devemos procurar, por virtude, que a mesma sensibilidade que instintivamente temos para conosco, a tenhamos também para com o próximo e não tanto pelo próximo em si mesmo, como por Deus que assim o quer, e a quem devemos sempre ver no próximo. Se estivéssemos verdadeiramente convencidos de que Deus está presente nos nossos irmãos, e de que neles aguarda as delicadezas do nosso amor, como poderia parecer-nos excessivo amá-lo ao menos tanto quanto nos amamos a nós mesmos?
2 – O amor que cada um tem a si mesmo não é um amor teórico ou abstrato, mas bem determinado e concreto, um amor que abrange a nossa pessoa com todas as suas particularidades, necessidades, sensibilidade, gostos. Somos tão astuciosos para justificar a nossa maneira de pensar, para fazer valer os nossos direitos, para defender as nossas causas, para desculpar as nossas faltas! Quanta compreensão e indulgência temos neste ponto! Tal deveria ser também a nossa conduta para com o próximo. Amar o próximo por Deus não significa limitarmo-nos a um amor geral, platônico, que abrange todos sem ter em conta o indivíduo. É preciso amar cada um em particular, sob o aspecto concreto da sua personalidade, adaptando-nos à sua sensibilidade, aos seus gostos, á sua mentalidade, desculpando e dissimulando os seus defeitos com tanta solicitude como encobrimos os nossos; desejando e procurando o seu bem, não apenas com palavras, mas também com obras, tão solicitamente com procuramos o nosso. E como não deixamos de nos amar a nós mesmos pelo fato de termos defeitos, de igual modo o nosso amor ao próximo há de ser tal que não se detenha nas lacunas que nele encontramos.
O primeiro e o maior bem que devemos querer para o próximo é o que devemos querer para nós mesmos: a salvação eterna, a santificação, a graça e a alegria inefável de sermos filhos de Deus, de participarmos da Sua vida divina, de O gozarmos no céu por toda a eternidade. Devemos querer concretamente este bem, não nos contentando com simples desejos, mas esforçando-nos por alcançá-lo com todas as nossas forças e muito mais pela oração, pelo sacrifício oculto e pelo bom exemplo do que unicamente com palavras.
Mas o dever de procurar acima de tudo o bem espiritual do próximo não deve ser um pretexto fácil para nos dispensarmos de o ajudar nas suas necessidades materiais.
Quantas vezes, infelizmente, a nossa caridade se limita a palavras ocas ou a uma compaixão estéril, perante as necessidades alheias! Para cumprir o preceito de Jesus é necessário que ela se traduza num socorro eficaz tal como nós desejaríamos ser socorridos nas nossas necessidades. “Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles, porque esta é a lei e os profetas” (Mt. 7, 12). Como devemos penetrar no sentido profundo destas palavras para as aplicarmos a todas as relações com o próximo sem excluir ninguém!
Colóquio – “Ó clementíssimo Senhor Jesus, o amor ao próximo só está bem ordenado quando se ama o próximo por Vós, porque Vós o criastes e mandastes que fosse amado justa e ordenadamente. Se amamos os pais e os parentes mais do que a Vós, o nosso amor é mal ordenado, e quem ama desta maneira não é digno de Vós. Dois são os preceitos que nos foram dados: amar a Deus e amar ao próximo, e muito embora sejam dois preceitos, o amor que preceituam é um só, porque o amor que nós temos por Vós não difere do amor com que amamos o próximo por Vós; nem Vos pode amar aquele que erra no modo de amar o próximo.
“Ó Senhor Jesus Cristo, se desejo ordenar em mim a caridade, devo amar-Vos a Vós e ao próximo; a Vós com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente; ao próximo como a mim mesmo, de modo que eu não faça aos outros o que não quero que me façam a mim e conceda aos outros os benefícios que desejo para mim!
“Ensinai-me, ó benigníssimo Senhor, a meditar estas verdades, a retê-las, a praticá-las com todas as minhas forças. Pelo amor que tenho ao próximo conhecerei, Senhor, se Vos amo, pois quem se descuida em Vos amar, tão pouco sabe amar o próximo. Ó misericordioso Senhor Jesus Cristo, que direi e que farei eu que, pela dureza do meu coração, não amo o próximo por Vós, mas que pequei muitas vezes para conseguir o que me parecia de utilidade pessoal ou para evitar algum prejuízo? Portanto em mim não há verdadeiro amor. Dignai-Vos ajudar-me, ó piíssimo Senhor Jesus Cristo, ordenador da caridade e do verdadeiro amor, perdoando-me a mim pecador, e fazendo-me participar misericordiosamente da Vossa imensa clemência. Oh! Fazei que me converta inteiramente a Vós, a fim de que viva eternamente conVosco em ordenada caridade” (Ven. H. Jordão).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico