A extensão da caridade fraterna

Senhor, fazei-me compreender que a verdadeira caridade não admite exceções, mas abrange seja quem for, com um amor sincero.

1 – Se a caridade se baseasse nas qualidades do próximo, nos seus méritos, no seu valor, no conforto e nos benefícios que dele recebemos, seria verdadeiramente impossível estendê-la a todos os homens. Como, porém, se funda nas suas relações com Deus, ninguém pode ser licitamente excluído dela, já que todos pertencem a Deus, são criaturas Suas e, ao menos por vocação, todos são Seus filhos, remidos pelo Sangue de Cristo, chamados a viver “em sociedade” com Deus (cfr. I Jo. 1, 3), pela graça neste mundo e pela visão beatífica no céu. E ainda que alguns, pela sua malícia, se tenham tornado indignos da graça de Deus, todavia, enquanto vivem, são sempre capazes de se converter e de ser novamente admitidos à doce intimidade do Pai celeste,

No Antigo Testamento, quando o grande mistério da comunicação da vida divina aos homens ainda não tinha sido revelado e Jesus ainda não tinha vindo instaurar estas novas relações entre Deus e os homens, a lei do amor ao próximo, não existia este abraço universal e profundo do qual os antigos não teriam sido capazes. Mas desde que Jesus veio dizer-nos que Deus é nosso Pai, que quer comunicar-nos a Sua vida divina, desde que Jesus veio oferecer-nos a graça de adoção de filhos de Deus, o preceito da caridade adquiriu uma nova amplidão. “Ouvistes o que foi dito: ‘amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo’. Eu porém – proclama Jesus – digo-vos: ‘Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre bons e mais, e manda a chuva sobre justos e injustos'” (Mt. 5. 43, 45). Eis como Jesus declara o motivo da caridade universal: Devemos amar a todos para sermos filhos do Pai celeste, para imitarmos o Seu amor universal para com todos os homens que são criaturas Suas, por Ele escolhidas para Seus filhos adotivos. Jesus também nos ensina que devemos amar o próximo “propter Deum” por causa de Deus.

2 – Na prática, o preceito da caridade universal é-nos muitas vezes difícil, porque consideramos o amor ao próximo como algo de exclusivamente pessoal, subjetivo e, portanto egoísta. Por outras palavras, em lugar de fazermos depender o nosso amor ao próximo das suas relações com Deus, fazemo-lo depender das suas relações conosco. Se o próximo nos quer bem, nos respeita, nos tem em consideração, nos presta serviços, etc., não sentimos dificuldade alguma em amá-lo, antes nos comprazemos nesse amor e buscamos nele conforto. mas o caso é bem diferente se o próximo nos é contrário, se nos magoa, se nos ocasiona aborrecimentos – embora involuntariamente – se não partilha a nossa maneira de pensar ou se não aprova a nossa conduta. Perante tudo isto devemos concordar que erramos ao substituir Deus, que é o verdadeiro motivo pelo qual devemos amar o próximo, pelo nosso miserável eu com as suas exigências egoístas. Quando se trata do amor do próximo, devemos reconhecer também que somos, infelizmente, quase sempre egocentristas e muito pouco teocentristas. Se Deus fosse verdadeiramente o centro das nossas relações com o próximo, saberíamos superar o nosso ponto de vista egocêntrico, ou seja, egoísta e pessoal; e embora sofrêssemos com os agravos, indelicadezas e aborrecimentos causados pelo próximo, nunca nos serviríamos deles como pretexto para lhe recusar o nosso amor. No fundo, é sempre o egoísmo que nos desvia do bom caminho e, neste caso, que nos fecha o caminho para a prática da caridade teologal.

Por conseguinte, é necessário vencer o egoísmo e ultrapassar os limitados horizontes de um amor baseado nos nosso interesses pessoais. Olhemos para mais alto, olhemos para Deus que nos repete, como a Sta Catarina de Génova: “quem me ama, ama tudo o que eu amo!” Se a nossa caridade se detém por causa das dificuldades que encontramos nas nossas relações com o próximo, é porque as nossas relações com os irmãos não são reguladas pelo amor de Deus, mas pelo amor próprio.

Colóquio – “Ó Jesus, sei que não tenho inimigos, porém tenho simpatias: sinto-me atraída para uma irmã, ao passo que uma outra me faria dar uma longa volta para evitar encontrá-la, Pois bem! Vós dizeis-me que devo amar esta irmã, que devo rezar por ela, mesmo se o seu procedimento me levasse a crer que não me ama. ‘Se amais aqueles que vos amam, que agradecimento recebereis? Também os pecadores amam aqueles que os amam’. E ensinais-me ainda que não basta amar, que é preciso prová-lo. Fica-se naturalmente contente por oferecer um presente a um amigo, mas isto não é caridade, pois os pecadores também o fazem.

“Eis a conclusão que tiro: devo procurar a companhia das irmãs que me são menos agradáveis e cumprir junto destas o ofício do bom Samaritano. Uma palavra, um sorriso amável, basta muitas vezes para desanuviar uma alma triste. Mas não é exclusivamente para atingir este fim que quero praticar a caridade, pois sei que bem depressa havia de desanimar. Uma palavra que dissesse com a melhor das intenções seria talvez interpretada exatamente ao contrário. Portanto, para não perder o tempo, quero ser amável para com todos para Vos dar prazer, ó Jesus, para corresponder ao conselho que Vós nos dais no Evangelho: ‘Quando derdes um banquete, não convideis os vossos parentes e amigos para que não aconteça que também eles vos convidem e recebais assim a vossa recompensa’.

“Ó Senhor, que banquete poderei oferecer às minhas irmãs, a não ser um banquete espiritual composto de caridade amável e alegre? Ensinai-me a imitar S. Paulo que se alegrava com aqueles que encontrava em alegria. É verdade que também chorava com os aflitos e as lágrimas devem por vezes aparecer no banquete que desejo servir, mas procurarei sempre que, por fim, essas lágrimas se transformem em alegria, pois que Vós, ó Senhor, amais os que dão com alegria” (T.M.J. M.C. pg. 275, 299, 300).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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