Dai-me, ó meu Deus, humildade e amor; que a humildade guarde em mim a caridade e que esta cresça na medida desejada por Vós.
1 – A liturgia apresenta-nos hoje, como um esboço através dos textos da Missa, os traços fundamentais da alma cristã. Em primeiro lugar mostra-no-la vivificada pelo Espírito Santo que nela derrama os Seus dons, segundo nos diz S. Paulo na Epístola (I Cor. 12, 2-11). O Apóstolo detém-se a falar dos “carismas”, daquelas graças especiais – tais com o dom das línguas, de ciência, de milagres, etc. – concedidas à Igreja primitiva com particular abundância pelo Espírito Santo. Embora estes dons sejam muito preciosos, são porém inferiores à graça e à caridade porque só a graça e a caridade podem conferir à alma a vida sobrenatural; os “carismas” podem acompanhá-la ou não, sem que por isso aumente ou diminua a sua intensidade. S. Tomás observa que a graça e a caridade santificam a alma e unem-na a Deus, ao passo que os carismas são antes ordenados para utilidade do próximo e podem subsistir mesmo naquele que não possui a graça. Aliás, também S. Paulo – e precisamente na mesma epístola, da qual hoje lemos um fragmento na Missa – depois de ter enumerado todos esses dons extraordinários, conclui com a famosa afirmação: tudo isto é nada sem a caridade. Esta é sempre a virtude “centro”, a característica fundamental da alma cristã e, ao mesmo tempo, o maior dom que o Espírito Santo pode derramar em nós. Se o divino Paráclito não vivificasse as nossas almas com a caridade e com a graça que lhe está inseparavelmente unida, ninguém poderia fazer o menor ato de valor sobrenatural, nem sequer a pessoa mais virtuosa; “ninguém pode dizer: ‘Senhor Jesus’ senão pelo Espírito Santo”, afirma o Apóstolo. Assim como a árvore privada da seiva vital não pode dar frutos, assim a alma que não é vivificada pelo Espírito Santo não pode realizar ações sobrenaturais. Eis o grande valor da graça e de caridade do que todos os dons extraordinários que podem dispor as almas para o bem, mas não têm poder nem para infundir nem para aumentar em nós a vida divina.
2 – O Evangelho (Lc. 18, 9-14), apresenta-nos outra característica fundamental da alma cristã: a humildade. A caridade é superior porque nos comunica a vida divina, mas a humildade tem uma grandíssima importância por ser a virtude que desimpede o terreno dando lugar à graça e à caridade. Este é o ensinamento que hoje recebemos de Jesus sob uma forma muito viva e concreta, através da parábola do fariseu e do publicano. O Evangelho diz-nos expressamente que Jesus falava para aqueles que “confiavam em si mesmos como se fossem justos e desprezavam os outros”; o fariseu é o seu protótipo e representa-os maravilhosamente. Ei-lo seguro da sua justiça, orgulhoso dos seus méritos: eu não roubo, não sou adúltero, jejuo e pago o dízimo. Que mais se pode pretender? No entanto este homem soberbo não vê que lhe falta o melhor: a caridade; e isto é tão verdade que se lança contra os outros, acusando-os e condenando-os: “eu não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano”. Não tendo caridade para com o próximo, também não podia ter caridade para com Deus. Com efeito, entrou no templo para orar e não foi capaz de fazer o mais pequeno ato de amor e de adoração e em vez de louvar a Deus pelos Seus benefícios, não fez mais que louvar-se a si mesmo. Na realidade este homem não sabia rezar porque não tinha caridade e não podia ter caridade porque estava cheio de soberba: “Deus resiste aos soberbos e dá a Sua graça aos humildes” (Tgo. 4, 6). Por isso o fariseu regressa a casa condenado, não tanto pelo Senhor, que gosta sempre de usar de misericórdia, mas pela sua soberba que impede nele a obra da misericórdia.
A atitude do publicano é bem diferente: é um pobre homem, sabe que pecou, tem consciência da sua miséria moral; nem sequer possui a caridade porque o pecado é um obstáculo à caridade, mas é humilde, muito humilde, e confia na misericórdia de Deus: “Meu Deus, tende piedade de mim, pecador”. E Deus, que gosta de Se inclinar para os humildes, justifica-o: a sua humildade atraiu sobre ele a graça do Altíssimo. Sto Agostinho diz: “Quando mais agrada a Deus a humildade nas coisas mal feitas do que a soberba nas bem feitas!” Não, não são as nossas virtudes, as nossas boas ações que nos justificam, mas a graça e a caridade que o Espírito Santo infunde nos nossos corações e que infunde “como Ele quer”, mas sempre em proporção da nossa humildade.
Colóquio – “Ó bom Jesus, quantas vezes, depois de lágrimas amargas, depois de soluços e gemidos indizíveis, não curastes as chagas da minha consciência com a unção da Vossa misericórdia e o óleo da Vossa alegria! Quantas vezes, depois de ter começado a minha oração sem esperança, reencontrei a alegria na esperança do perdão! Os que experimentaram tais sentimentos sabem que Vós sois um verdadeiro médico que sara os corações contritos e cura as chagas com solicitude. Os que ainda não têm experiência disto, creiam ao menos na Vossa palavra: ‘O Espírito do Senhor encheu-me da sua unção e enviou-me a anunciar aos mansos a boa nova, a sarar os que têm o coração contrito’. Se ainda duvidam, aproximem-se de Vós, experimentem e aprenderão por si próprios o que significam estas Vossas palavras: ‘Quero a misericórdia e não o sacrifício’.
“Ó Senhor, Vós dizeis: ‘Vinde a mim todos os que trabalhais e eu vos aliviarei’. Mas por que caminho iremos a Vós? Pelo da humildade, pois só assim nos consolareis. E qual é a consolação que Vós prometeis aos humildes? É a caridade. Com efeito, a alma obterá a caridade em proporção da sua humildade. Oh! como a caridade é alimento suave e doce! Sustenta os que estão cansados, fortalece os fracos, consola os tristes. Senhor, dai-me esta caridade que torna suave o Vosso jugo e leve a Vossa carga” (cfr. S. Bernardo).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.