Senhor, ensinai-me a amar-Vos no meu próximo e a amar o meu próximo em Vós e por Vós.
1 – Não existem duas virtudes de caridade, uma para amar a Deus e outra para amar o próximo, mas uma só virtude com a qual amamos a Deus e ao próximo. Nós amamos a Deus porque Ele é infinitamente digno de ser amado, e amamos o próximo porque a fé nos faz reconhecer nele um reflexo da amabilidade de Deus. Assim, o motivo da caridade fraterna é o mesmo que o da caridade para com Deus: trata-se sempre de amar a Deus, quer imediatamente em Si mesmo, quer imediatamente no próximo. Tendo Deus por objeto e por fim último, a caridade fraterna é, portanto, uma virtude teologal, idêntica à virtude com que amamos a Deus. A Deus compete, certamente, o primeiro lugar; a Ele, Bem infinito, devemos dar a preferência absoluta. Mas o amor do próximo inclui também o amor de Deus, desde que amemos o próximo em Deus e por Deus, por causa das suas relações com Deus, por pertencer a Deus. “O motivo pelo qual amamos o próximo é Deus – ensina S. Tomás – … isto demonstra que o ato com que se ama a Deus é o mesmo com que se ama o próximo. Por isso a virtude da caridade não abrange só o amor de Deus, mas também o amor do próximo” (IIª IIª, q. 25, a. 1, co.). Quando uma alma ama verdadeiramente a Deus, sabe também amar o próximo e sabe amá-lo como ele é, apesar dos seus defeitos, apesar dos aborrecimentos, e dissabores que este por vezes lhe pode causar, porque em vez de se deter a considerar tudo isso, vai mais longe: esforça-se por descobrir Deus nos seus irmãos, fixa em Deus o olhar e “propter Deum”, por causa de Deus, ama a todos sem distinção nem restrições.
Esta alma não precisa de longos raciocínios para compreender a profunda lógica da afirmação do Apóstolo: “Se alguém disser: ‘eu amo a Deus’, e odiar o seu irmão, é um mentiroso”, mas entende-a claramente por uma espécie de instinto sobrenatural, por uma intuição que lhe permite compreender todo o alcance do preceito da caridade: “Nós temos de Deus este mandamento: que aquele que ama a Deus ame também o seu irmão” (I Jo. 4, 20 e 21).
2 – Se amo o próximo porque me é simpático, porque me presta serviços ou faz favores, porque a sua amizade me reconforta; se o amo pelas suas boas qualidades, pelo seu trato amável e jovial, o meu amor é humano e não é amor de caridade. Se sou benévolo para com o próximo, se o ajudo porque tenho compaixão dele ou porque me sinto ligado a ele por deveres de solidariedade humana, o meu amor poderá chamar-se simpatia ou filantropia, mas não poderá chamar-se ainda caridade, cuja característica é amar o próximo “propter Deum”. O meu amor é virtude de caridade só na medida em que entre mim e o próximo estiver em jogo o amor de Deus, só na medida em que o meu afeto para com os irmãos for inspirado pelo amor de Deus. Se o meu amor se apoia unicamente em motivos humanos – como a simpatia, os dotes naturais, os laços de sangue, etc., – não passa de um simples amor humano que de modo nenhum tem o mérito e o valor da caridade. “O amor do próximo não é meritório senão porque o próximo é amado por causa de Deus” (S. Tomás, IIª, IIª, q. 27, a. 8). Foi neste sentido que S. Paulo disse: “Ainda que distribuísse todos os meus bens no sustento dos pobres… se não tiver caridade, nada me aproveita” (I Cor. 13, 3).
É fácil enganarmo-nos julgando ter muita caridade porque amamos a quem nos estima, porque nos mostramos cheios de atenções e gentilezas para com os que pensam como nós, que nos são solidários; no entanto, trata-se de um simples amor humano, no qual não entra o amor de Deus. “Se amais os que vos amam – disse Jesus – que recompensa haveis de ter?… Não fazem também assim os gentios?” (Mt. 5, e 47). Se quero que o meu amor ao próximo seja caridade, tenho de subir muito mais alto, devo considerar o próximo em Deus, devo amar o próximo em relação a Deus, por causa de Deus. Só assim o meu amor para com o próximo será um ato da virtude teologal da caridade, o mesmo ato com que amo a Deus, e somente assim cumprirei o preceito da caridade fraterna.
Colóquio – “Assim como Vós, ó Deus, criastes o homem à Vossa imagem e semelhança, assim nos mandastes amar os homens com um amor semelhante ao que devemos à Vossa divindade. O motivo pelo qual Vos amamos, ó Senhor, é a Vossa bondade soberanamente suma e infinita e o motivo pelo qual amamos os homens é porque todos foram criados à Vossa imagem e semelhança e portanto amamo-los como imagens vivas e santíssimas da Vossa divindade.
“Por isso a mesma caridade com que Vos amamos, ó Senhor, é a fonte dos atos com que amamos o próximo. Um mesmo amor se estende a Vós, meu Deus, e ao próximo, nos eleva à união do nosso espírito conVosco e nos reconduz à amorosa sociedade com o próximo, de forma que o amamos por ele ter sido criado à Vossa imagem e semelhança, para partilhar da Vossa divina bondade, para participar da Vossa graça e gozar da Vossa glória.
“Amar o próximo com amor de caridade, ó meu Deus, é amar-Vos no homem e amar o homem em Vós; é amar-Vos só por amor de Vós mesmo e amar também a criatura por Vosso amor.
“Ah! bom Deus! Ao ver o nosso próximo criado à Vossa imagem e semelhança não deveríamos ambos dizer: vede como esta criatura se assemelha ao Criador? Não deveríamos abraçá-la, acariciá-la e chorar de amor por ela? Não deveríamos desejar-lhe mil bênçãos? E porquê? Por amor dela? Não, certamente, pois que ignoramos se é digna de amor ou de ódio. porquê então? Por Vosso amor, ó Senhor, que a formastes à Vossa imagem e semelhança e a tornastes, por conseguinte, capaz de participar da Vossa bondade pela graça e pela glória. Por isso, ó Amor divino, Vós não só nos ordenais muitas vezes o amor do próximo, mas também o produzis e o infundis nos nossos corações” (S. Francisco de Sales).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.