A caridade adapta-se a tudo

(Freedom Studio / Shutterstock.com)

Ó Deus que Vos adaptais à minha miséria até Vos fazerdes homem como eu, ensinai-me a adaptar-me aos meus irmãos.

1 – A caridade não é rígida nas suas atitudes, não espera e muito menos pretende que os outros se adaptem a ela, mas está sempre pronta a adaptar-se ao próximo. Deus adaptou-Se a nós até Se fazer homem, e nós não sabemos descer do pequeno pedestal da nossa personalidade para nos adaptarmos à mentalidade, aos gostos e às necessidades dos nossos irmãos. E desculpamo-nos: “estão enganados, são grosseiros, ingratos, não compreendem certas exigências, certas delicadezas…” Como nos enganamos! Como somos mesquinhos nas nossas tolas exigências! Contemplemos o Filho de Deus, o Verbo eterno que não Se dedignou colocar-Se ao nosso nível, a ponto de Se revestir da nossa carne mortal, de viver a nossa vida humana e habitar no meio de nós. Na Sua vida não escolheu para companheiros pessoas intelectuais, de educação esmerada, mas pescadores ignorantes, com uma mentalidade rude, de gostos simples, que bem pouco conheciam as delicadezas do pensamento e da boa educação. Viveu com eles, adaptando-Se a eles com toda a naturalidade sem outra distinção a não ser uma caridade sem limites.

Evidentemente não podemos acomodar-nos ao próximo e condescender com os seus desejos quando, mesmo em pouca coisa, está em causa a honra de Deus e o cumprimento da Sua lei; nestes casos a condescendência seria fraqueza culpável. Mas há muitas ocasiões em que se trata apenas de renunciar À afirmação da nossa personalidade, da nossa maneira de ver, dos nossos gostos, para dar lugar à mentalidade e aos gostos alheios; então a condescendência é virtude sólida e, longe de ser fraqueza, é uma bela prova de força moral, daquela força que sabe vencer e negar o seu eu por amor de Deus. Não é possível existir uma caridade duradoura, uma harmonia perfeita, sem esta flexibilidade que nos torna capazes de nos adaptarmos aos outros. Só quando estivermos bem decididos a passar por cima de todas as diferenças de temperamento, de mentalidade, de educação, de gostos e a ceder nos nossos pontos de vista para nos acomodarmos aos do próximo, poderá triunfar a causa da caridade fraterna.

2 – Encontramos no Evangelho belíssimas lições de condescendência: “Ao que quer chamar-te a juízo e tirar-te a tua túnica, cede-lhe também a capa e se alguém te obrigar a dar mil passos com ele, vai mais outros dois mil. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes” (Mt. 5, 40-42). O divino Mestre impele-nos resolutamente à paciência, à doçura, à renúncia aos nossos direitos, para nos pormos humildemente ao serviço do próximo e nos sacrificarmos por ele com generosidade, para seu proveito, para sua satisfação. Em vez de altercar ou discutir para resistir ao irmão importuno e ficar vitorioso, Jesus ensina-nos a ceder sempre, mesmo perante certas exigências indiscretas. Sta Teresa do Menino Jesus comenta assim esta passagem evangélica: “Abandonar o próprio manto é, parece-me, renunciar aos seus direitos fundamentais, é considerar-se como a criada, a escrava das outras… Assim não basta dar a quem quer que me pede é preciso antecipar-se aos desejos, manifestar-se muito obrigada e muito honrada por prestar serviço e se levam qualquer coisa do meu uso não devo ficar com ares de a lamentar, mas ao contrário, parecer feliz por dela me ver desembaraçada” (M.C. pg. 277 e 278). A Santa, porém, não tem ilusões: sabe muito bem que quando nos pedem um serviço, um favor, um objeto, com maus modos, com maneiras exigentes ou autoritárias, o amor próprio está pronto a ressentir-se e a protestar. “Imediatamente a alma se revolta, se não está bem fundada na caridade. Encontra mil razões para recusar o que se lhe pede” (ib. pg. 276). Mas quem quer chegar à caridade perfeita, não cede a estas revoltas interiores e, fazendo violência a si mesmo, põe-se amavelmente à disposição do próximo.

Se, em face dos pedidos dos outros, respondemos com frequentes recusas, demonstramos que a nossa caridade é ainda muito fraca; também não devemos recorrer facilmente às desculpas: “Não tenho tempo…; são pretensões injustas…; tem de aprender a governar-se…”, e outras semelhantes. É verdade que em certos casos, para não faltarmos ao próprio dever, ou por impossibilidade real, nos veremos obrigados a responder com uma negativa; contudo, mesmo nestes casos, a caridade deve fazer-nos evitar todos os modos indelicados que mortificam e humilham. “Quando caridade lançou profundas raízes na alma, manifesta-se no exterior. Há uma maneira tão amável de recusar o que não se pode dar, que a recusa causa tanto agrado com o dom” (ib. pg. 280).

Colóquio – “Meu Deus, não posso deixar de amar as Vossas criaturas porque Vós mesmo o ordenastes. Sois amor, e por amor fostes levado a criar o homem, a fim de que também ele participasse do Vosso amor; todos nós fomos criados por amor e com amor para gozarmos de Vós, ó Deus, que sois amor. Como farei, pois, para não amar?

“Dizei-me, peço-Vos, ó meu Cristo, como devo amar este meu próximo. Vós mostrais-me um fim muito elevado, isto é, ensinais-me a amá-lo como Vós mesmo o amastes. Pela criatura humana deixastes, ao menos aparentemente, o seio do Pai; deixastes, ou melhor, encobristes o Vosso poder, sabedoria e pureza infinita para poderdes conversar com a impureza das criaturas. pelo meu próximo também eu devo deixar-me a mim mesma e o amor de todas as coisas criadas e estar pronta, se for necessário, a dar o meu sangue pela sua salvação.

“Ó caridade, como és bela e agradável a Deus! À semelhança do doce pelicano, tu dás o teu sangue, não só pelos teus filhos, mas ainda pelos teus inimigos. Na verdade, o que te possui, a ninguém considera inimigo, mas tem a todos por amigos caríssimos, e daria até a vida, se fosse necessário, pela alma do próximo.

“Ó amor do próximo, de tão poucos conhecido! Vós, ó Deus, que perscrutais os corações, conheceis ao amor e o ódio; nós, ao contrário, dizemos amar o próximo quando o estamos a ofender. Oh! que diferentes são dos nossos os Vossos juízos! Vós ensinais-me que, por amor ao próximo, devo saber renunciar às minhas comodidades, prestar ouvidos aos pequenos, aos pobres, aos necessitados de alma e de corpo, devo responder-lhes pacificamente e com mansidão” (Sta M. Madalena de Pazzi).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

Compartilhe:

Picture of Arsenal Católico

Arsenal Católico

O Arsenal Católico é um blog dedicado à preservação e divulgação da tradição católica, abordando tudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana. Aqui, você encontra orações, novenas, ladainhas, documentos da Igreja e reflexões sobre os santos e a doutrina católica. Nosso compromisso é oferecer conteúdos profundos e fiéis aos ensinamentos da Igreja, promovendo a formação e o fortalecimento da espiritualidade de cada visitante.
Encontre-nos aqui

Relacionados